De um tempo para cá, tenho me
interessado em aprender o máximo que posso sobre os processos mentais e,
especialmente, sua relação com a forma como Deus realiza nossa salvação, ou
cura, como prefiro chamar. Seguindo essa motivação, ao estar passeando em sites
de livrarias virtuais, pela natureza das buscas que fazia, o site me sugeriu um
livro com um título, no mínimo, inusitado:
Pense. Para mim, seria até compreensível que esse livro se chamasse Pensar ou O Pensar, pois isso me sugeriria a ideia de se tratar de um estudo
sobre o significado do pensar sob a perspectiva acadêmica, científica,
filosófica, etc. Mas Pense é um
imperativo; um título que ordena que pensemos, escrito por um famoso pastor,
conhecido por sua mente sagaz. É claro que isso me chamou a atenção. Além
disso, o subtítulo continua a instigar: “A vida da mente e o amor de Deus.”
Pronto! Eu tinha que ler esse livro, pois, até então, apenas o livro Simples Demais,
de Timoty Jennigns, da Casa Publicadora Brasileira, havia apresentado uma
proposta de descrever o amor como um mecanismo racional e não como um
sentimento ou desejo incontrolável.
A proposta de Pense é delineada logo no início: “O alvo deste livro é estimular o
pensar sério, fiel e humilde que leva ao verdadeiro conhecimento de Deus, que,
por sua vez, nos leva a amá-Lo, o que transborda em amor aos outros” (p. 32).
Portanto, não se trata de ensinar a pensar, mas de apresentar o exercício da
reflexão séria como o caminho para descobrir o amor a Deus e ao próximo. Para
mim, que tenho lido alguns textos escritos por especialistas, filósofos,
cientistas e educadores sobre a importância do pensar profundo e sólido, é
estimulante ler o que um pastor já bem conhecido diz sobre a importância desse
processo para o nosso cristianismo. Outro fato que me chamou a atenção foi o
autor esclarecer que a proposta do livro não é ser um texto técnico, como
alguns já escritos, mas uma reflexão, escrita por um pastor, ancorada na Bíblia
sobre a importância do pensar sério para nossa comunhão com Deus. Seguindo essa
ideia, o pastor Piper utiliza em toda a sua escrita a Bíblia como fundamentação
principal para suas afirmações.
Em uma época na qual a experiência
com o transcendental costuma ser traduzida por meio do nível da sensação
emocional causada, não deixa de surpreender que um pastor tenha escrito um
livro sobre a importância do pensar para sua comunhão com Deus. Entretanto,
sendo um pastor com graduação em literatura, especialização em filosofia e
doutorado na Alemanha em Teologia, com dezenas de livros publicados, não é de se
estranhar que tenha desenvolvido uma visão especial acerca do valor do pensar
para sua intimidade com Deus. Mais interessante do que a proposta inicial desse
livro é acompanhar o desenvolvimento com o qual suas ideias são apresentadas. Incialmente,
o autor resume seu objetivo afirmando que “este livro é um apelo a adotarmos o
pensar sério como um meio de amar a Deus e as pessoas. É um apelo a rejeitar o
pensar do tipo ‘ou-ou’ no que diz respeito à mente e ao coração, a pensar e a
sentir, à razão e à fé, à teologia e à doxologia, ao esforço, ao esforço mental
e ao ministério de amor. É um apelo a que vejamos o pensar como um meio que
Deus ordenou para O conhecermos. Pensar é um dos meios mais importantes de
colocarmos o combustível no fogo da adoração a Deus e do serviço ao mundo” (p. 23).
Portanto, não se trata de um livro técnico ou histórico, ou uma análise
exegética profunda a respeito do valor do pensar na adoração, mas, antes, trata-se
de um livro que nos convida a transformar nossa adoração pela inclusão do
exercício da reflexão séria e profunda sobre a verdade divina. Esse é o alvo
devocional, de onde se parte do exercício sério da reflexão até a experiência
de comunhão ampliada.
Após apresentar sua proposta
principal, o autor se preocupa em esclarecer a posição do pensar como um meio
para atingir algo maior e mais sublime, e não como o foco principal, a
intimidade e o conhecimento de Deus. “Pensar é indispensável no caminho do amor
a Deus. Pensar não é um fim em si mesmo. Nada, exceto Deus, é um fim em si
mesmo. Pensar não é o alvo da vida. Pensar, como o não pensar, pode ser o
alicerce para a vanglória. Pensar sem orar, sem o Espírito Santo, sem
obediência e sem amor ensoberbecerá e destruirá (1Co 8:1). Mas o pensar em
submissão à poderosa mão de Deus; o pensar saturado de oração; o pensar guiado
pelo Espírito Santo; o pensar vinculado à Bíblia; o pensar em busca de mais
razões para louvar e proclamar as glórias de Deus; o pensar a serviço do amor –
esse pensar é indispensável em uma vida de pleno louvor a Deus.” Portanto, a
tese principal é a de que o fim de todo o processo é o conhecimento verdadeiro
e profundo de Deus, que não se trata de mera recepção de informações, mas é o
resultado de um pensar sério e profundo sobre Suas ações.
É com uma nova proposta do
significado do pensar a respeito da verdade divina que o autor se preocupa
também em redesenhar a correta postura da leitura. O ato de ler assume então
uma posição de atividade e não de passividade. “Ler é pensar!” Essa tese visa a
conceituar uma nova abordagem da leitura do texto sagrado. A verdade é como o
ouro escondido nas minas: precisa-se de esforço, pensar sério para ser extraído,
e de ainda mais reflexão para ser utilizado. Portanto, a verdade, que é
revelada por Deus, precisa ser escavada da maneira correta; se não for assim,
não obteremos suas riquezas em plenitude.
Outra observação marcante é a de que
esse livro não trata de uma defesa do pensar acadêmico. O processo nele
apresentado é um pensar sério e acessível a todos, e, portanto, não restrito a
uma classe mais capacitada da sociedade. Dessa forma, esclarece Piper, não há
qualquer supremacia de uma mente acadêmica sobre outras. Um escritor, cientista
ou filósofo não serão melhores ou possuirão melhor relacionamento com Deus por
terem o hábito de pensar com profundidade e solidez. O que confere o verdadeiro
poder ao exercício de reflexão é a presença do elemento espiritual, o Espírito
Santo, argumenta Piper. A ideia é que precisamos desenvolver o ato de pensar
para que sejamos capazes de contemplar a Deus.
Seguindo sua proposta de reposicionar
o ato de pensar de forma séria no contexto de nossa comunhão com Deus, o pastor
Piper analisa um dos conceitos – senão o conceito mais importante: o amor a
Deus. Para o escritor, o amor a Deus se expressa mais fundamentalmente na
maneira com a qual pensamos. “Nosso pensar deve ser totalmente engajado em
fazer tudo o que for possível para despertar e expressar a plenitude de
valorizar a Deus acima de todas as coisas” (p. 120). Entretanto, ao longo da
leitura desse capítulo, achei um pouco confusa a forma de definir a dinâmica
entre as afeições e os pensamentos no processo de amar a Deus. Haveria ainda
muito a explorar nessa temática tão fundamental.
O livro segue abordando duas objeções
fundamentais à tese defendida pelo autor: o relativismo e o
anti-intelectualismo cristão. A primeira é abordada com base nos episódios em
que Jesus lidou com relativistas (Mt 21:23-27), demonstrando que Ele nunca
aceitou uma visão de mundo que, especialmente por comodidade, se eximisse de
assumir uma verdade. O próprio Jesus, explicitamente, apresentava uma
compreensão absoluta do conceito de verdade, declarando Ele mesmo ser a verdade
(Jo 14:6). Além dessa abordagem, no que diz respeito ao relativismo, o autor
expõe diversos problemas morais disfarçados nessa ideologia, como o orgulho e a
dissimulação. Uma citação apresentada no livro me chamou a atenção, pois trata
do perigo do relativismo:
“Faz pouca diferença muito ou quão pouco
dos credos da igreja o pastor modernista afirma... Por exemplo, ele pode
afirmar cada título e cada artigo da Confissão de Westminster, mas, apesar
disso, estar separado, por um grande abismo, da Fé Reformada. O fato não é que
uma é negada e o resto, afirmado; mas tudo é negado, porque tudo é afirmado
apenas como útil e simbólico, e não como verdadeiro” (J. Gresham Marchen, What is Faith? Edinburg: Banner of
Truth, 1991 p. 34).
Quanto ao problema do
anti-intelectualismo cristão, o pastor Piper adverte como compreensões equivocadas
do texto sagrado têm afastado os cristãos de um compromisso com Deus mais
racional e fundamentado. Em outro momento, ele demonstra a ausência de
alternativa para uma plena comunhão com Deus que se abstenha do pensar: “O
problema daqueles que menosprezam o dom de pensar como um meio de conhecer a
Deus é que eles não definem claramente qual é a alternativa. A razão é que não
há uma alternativa. Se abandonamos o pensar, abandonamos a Bíblia. E, se
abandonamos a Bíblia, abandonamos a Deus” (p. 175). Dessa forma, os discursos
anti-intelectualistas conduzem os cristãos a um relacionamento com Deus
insólito e nebuloso, e por isso incerto e inseguro.
Como fim desta breve análise,
gostaria de comentar a respeito da parte mais profunda e impactante de todo o
livro. Aquela que me ajudou a reposicionar o objetivo e o fundamento de toda a minha
pesquisa acadêmica e a recuperar a razão pela qual os grandes pais da ciência
iniciaram e desenvolveram esse empreendimento: a glória de Deus. O pastor Piper
explica que a tarefa de toda erudição é a glória de Deus, e qualquer desvio desse
propósito está corrompido por natureza:
“Portanto, a tarefa de toda erudição
cristã – não apenas estudos bíblicos – consiste em estudar a realidade como uma
manifestação da glória de Deus, escrever e falar com exatidão sobre a
realidade, desfrutar a beleza de Deus nela e torná-la serva do bem do ser
humano. Há uma abdicação da erudição quando os cristãos fazem trabalho
acadêmico com pouca referência a Deus. Se todo o universo e tudo o que há nele
existem pelo desígnio de um Deus infinito e pessoal para tornar conhecida e
amada a Sua multiforme glória, portanto, tratar de qualquer assunto sem
referência à glória de Deus não é erudição, é insurreição” (p. 239).
Como cientista cristão, ler esse
livro me ajudou a resgatar a primitiva – em referência aos fundadores da
ciência – razão de fazer ciência. E também me permitiu compreender que a forma
– no que diz respeito ao pensar sério – de produzir e pensar a ciência não pode
ser diferente daquela forma com a qual construímos nossa comunhão com Deus. O
pensar sério e profundo deve ser o fundamento sobre o qual todo cristão,
acadêmico ou não, deve construir sua relação com o Criador.
(Rafael
Christ Lopes é professor de Física)