O
problema da razão humana dissociada da ideia de Deus pôde ser apreciado, em
pequena escala, durante a Revolução Francesa: seus ideais foram Liberdade,
Igualdade, Fraternidade. A religião cristã tornou-se ilegal durante o período
de descristianização[1] e foi instituído um culto à Razão, que teve até uma
cerimônia realizada na Catedral de Notre Dame, em Paris, 1793.[2] A situação
culminou no Reinado de Terror, durante o qual uma onda de execuções se seguiu
contra qualquer suspeito de ser inimigo da Revolução. Milhares morreram em
prisões ou sem julgamento.[3] Após isso, a religião foi restabelecida na
França.
O
filósofo grego Tales é considerado o pai do naturalismo. Ele acreditava que o
cosmos era composto por modificações infinitas de uma única substância: a água.
Nos séculos 17 e 18, os filósofos buscaram desmistificar as fontes de poder e
hierarquia. “Com a gradual divulgação da visão de mundo naturalista por amplos
setores da classe intelectual europeia no século 19, movimentos de reforma
humanitária foram inaugurados, os quais entendiam a doença, a guerra, a fome, o
crime, a insanidade, a escravidão, a desigualdade da mulher e a pobreza como
patologias remediáveis causadas naturalmente, não como expressões do ‘pecado
original’ ou o reflexo de uma hierarquia social inalterável.”[4]
Em
1859, Darwin publicou a Origem das
Espécies, e forneceu à Biologia uma visão naturalista da origem dos seres
vivos. As ideias de Darwin são baseadas em observações e deduções extraídas da
natureza; não podem, contudo, ser entendidas como sendo Ciência no sentido em
que a palavra foi usada por seus pioneiros. Contudo, suas conclusões “ajudaram
a dar origem a uma nova escola de filosofia americana, conhecida como
naturalismo, que emergiu como uma alternativa à filosofia tradicional,
fundamentando o pensamento filosófico totalmente na natureza”.[4]
A
sociedade pós-moderna é o resultado da filosofia preponderante de seu tempo.
Acredita-se que as mentes pensantes que mais influenciaram nossa época foram
Darwin, Marx, Nietzsche e Freud, cada um em sua respectiva área. Darwin
estabeleceu a seleção natural, a luta pela sobrevivência e a vitória do mais
forte. Marx colocou todas as crenças e valores subordinados aos modos de
produção e descartou a religião como “ópio do povo”. Freud colocou toda
motivação humana centralizada na libido reprimida. Nietzsche anunciou a morte
de Deus e a falta de sentido em uma moralidade absoluta, mas previu que essa
falta de valores redundaria em niilismo (do latim nihil, nada).[5]
Nietzsche
acreditava que o cuidado dos doentes e sofredores por religiosos faria com que
a raça europeia degenerasse. “Eles se esforçam por preservar e manter vivo o
que quer que possa ser preservado; de fato, quanto às religiões para sofredores, elas assumem a estes
por princípio; estão sempre a favor daqueles que sofrem tanto na vida quanto de
uma doença, e se afanam por tratar todas as outras experiências da vida como
falsas e impossíveis. Conquanto possamos estimar altamente essa indulgência e esse
cuidado preservador (na medida que se aplicando a outros, tem sido aplicada, e
se aplica também ao mais intensamente e usualmente sofredores tipos de homem),
as até agora supremas religiões – para
dar uma apreciação geral delas – estão entre as principais causas que têm
mantido o tipo do ‘homem’ em um mais baixo nível – elas têm preservado muito o que deveria ter perecido. Deve-se
agradecer a elas por inestimáveis serviços; e quem é suficientemente rico em
gratidão para não se sentir pobre na contemplação de tudo o que os ‘homens
espirituais’ do Cristianismo têm feito pela Europa até aqui! Mas quando eles
têm dado conforto aos sofredores, coragem ao oprimido e desesperado, esteio e
apoio ao desamparado, e quando eles atraem da sociedade para conventos e
penitenciárias espirituais os de coração partido e maltratados: o que mais eles
fazem a fim de trabalhar sistematicamente dessa forma, e com uma boa
consciência, para a preservação de todos os doentes e sofredores, que
significa, de fato e em verdade, trabalhar
para a deterioração da raça europeia?”[6]
Ao
longo do século 20, o otimismo anterior dos filósofos com relação aos
resultados de uma sociedade fundada sobre a razão humana e o naturalismo deram
lugar ao pessimismo e a uma visão catastrófica do futuro. Basta que comparemos com
os filmes contemporâneos os primeiros filmes e as séries de ficção científica,
como, por exemplo, Star Trek, em que
o ser humano supera todas as desigualdades, guerras e fome, e a humanidade
próspera e, evoluída, parte em busca de novas civilizações. Já os filmes mais
recentes exploram realidades pós-apocalípticas, sociedades em que não existem
sentimentos, liberdade, privacidade, etc. O mundo que seria regulado pela
razão, igualdade, liberdade e fraternidade viveu duas grandes guerras e
experimentou os horrores do Nazismo, que cria poder desenvolver uma raça
superior (acreditava basear-se na evolução darwiniana). Testemunhou, também, o
efeito da ameaça nuclear, e, atualmente, uma das epidemias que destrói mais
vidas é a onda crescente de suicídios.
Nietzsche
tinha razão quando previu a sociedade desfazendo-se no vazio devido à ausência
de valores morais absolutos. É possível construir valores morais relativos na ausência
de Deus, e valores relativos dependem da sociedade em que se vive. Só que esses
valores, como a sociedade humana, são mutáveis e circunstanciais, e não podem
ser mais fortes que os impulsos humanos sem Deus. O resultado é o mundo atual:
ecologicamente falido, violento, economicamente instável e repleto de medo e loucura.
(Continua…)
(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)
Referências:
[1] KALTHOFF, M. Faith and terror: Religion in the french
revolution.
http://scholar.colorado.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2091&context=honr
theses 1 4 2015
[2]
French revolution ii. https://www.mtholyoke.edu/courses/rschwart/hist151/French%20Revolution%20II/album/slides/temple%20of%20reason%20Notre%20Dame.html
[3] Reign of terror. https://global.britannica.com/event/Reign-of-Terror
15
5 2015
[4]
PRADO, I. Ionian enchantment: A brief
history of scientific naturalism. http://www.naturalism.org/worldview-naturalism/history-of-naturalism
6 2006
[5]
HORN, P. Twentieth-century perspectives on culture. https://www.eolss.net/Sample-Chapters/C04/E6-23-05.pdf
[6] NIETZSCHE, F. Beyond good and evil. http://www.gutenberg.org/cache/epub/4363/pg4363.txt
7 12 2009