quinta-feira, maio 01, 2008

Matrix e o grande conflito

Se a realidade que o cerca – seu quarto, a cadeira em que você se senta, o carro que você dirige, tudo – não passasse de um sonho ou uma simulação da realidade, como você saberia disso? E se soubesse, como se libertar e ingressar no mundo real? Esse é mais ou menos o pano de fundo de uma trilogia que envolve futurismo, teologia, inteligência artificial, filosofia e efeitos especiais inéditos, e que tem arrebanhado legiões de fãs em todo mundo.

O primeiro filme da seqüência Matrix ganhou quatro Oscars, arrecadou 460 milhões de dólares e foi o primeiro DVD a vender mais de 1 milhão de cópias. As cenas de ação em câmera lenta, as lutas coreografadas, as roupas e os temas cyberpunk serviram de inspiração para dezenas de filmes, videogames e propagandas que surgiram depois. Mais do que isso, Matrix revolucionou a forma de fazer cinema e tem sido considerado um filme de valor histórico, cuja importância pode ser comparada a obras como 2001 – Uma Odisséia no Espaço e Blade Runner – O Caçador de Andróides.

Matrix conta a história do hacker Thomas, também chamado Neo (Keanu Reeves), que encontra um homem cheio de truques chamado Morpheus (Laurence Fishburne). Ele toma uma pílula vermelha e descobre que toda a “realidade” é simulada por computadores, um enorme mundo virtual chamado Matrix. A “verdadeira realidade” é um futuro em que as máquinas tomaram conta de tudo e mantêm os humanos em cápsulas, onde sua energia é usada para abastecer um gigantesco sistema de inteligência artificial, enquanto a mente deles é mantida em uma espécie de sonho, uma realidade virtual. Morpheus é o líder de um grupo de rebeldes que quer libertar os humanos das máquinas e acredita que Neo é o salvador esperado, algo como um “messias”. Depois de muito treinamento, Neo consegue transcender a realidade de Matrix, desafiar as leis da física e ganhar poderes sobre-humanos.

** SAINDO DA CAVERNA

Deixando a ficção de lado, o que chama a atenção, também, no filme são as várias referências ao cristianismo. Neo é tido como o libertador e ressuscita no final da história. Ele é amigo de Apoc (Apocalipse) e Trinity (“trindade”, em inglês). A última cidade humana, Zion, é uma referência à bíblica Sião, e a nave de Morpheus foi batizada com o nome de Nabucodonosor.

Além do apelo religioso, há também um pano de fundo filosófico na própria base do enredo. Chega a quase parecer um plágio do famoso mito da caverna, de Platão, escrito há quase 2.400 anos, e que descreve pessoas presas em uma caverna sem sequer se darem conta de que existe “outro mundo” lá fora.

Pode-se perceber, também, uma pitadinha das idéias do pensador francês do século 18 René Descartes. Basta ler estas palavras dele para perceber a semelhança com Matrix: “Quando penso sobre os meus sonhos claramente, vejo que nunca existem sinais certos pelos quais estar acordado pode se distinguir de estar dormindo. O resultado é que fico tonto e esse sentimento só reforça a idéia de que eu posso estar sonhando.” Descartes imaginou a possibilidade de um terrível demônio estar constantemente dando a ilusão de que todas as certezas humanas são corretas, quando na realidade elas não fariam qualquer sentido. O filósofo conclui que, como não se pode provar se esse demônio existe ou não, nenhuma de suas opiniões era segura.

** REALIDADE

Fazendo uma busca através das páginas da Bíblia, pode-se perceber que Descartes chegou bem perto da verdade. De fato, há um demônio profundamente interessado em transmitir a idéia de que esta é a única realidade ao nosso alcance. Lúcifer, o anjo rebelde, depois de dar início ao que ficou conhecido como o grande conflito cósmico, introduziu o vírus da maldade neste mundo e procura de todas as maneiras concebíveis manter as pessoas nesta imensa “matrix” de pecado, sem perspectivas de futuro além da sepultura e alheias ao que ocorre por detrás dos bastidores do grande drama espiritual. Com suas artimanhas, ele consegue fazer mais ou menos o que os três filmes Matrix fazem com seus espectadores: paralisa-os, anestesia-os para a realidade verdadeira. Como escreveu Arnaldo Jabor, no jornal O Estado de S. Paulo, do dia 17 de junho, comentando o segundo filme da trilogia (Matrix Reloaded), “a ação na tela é incessante, de modo a nos paralisar na vida; o conflito é permanente, de modo a privar o espectador de ver seus conflitos reais”.

O conflito real da humanidade é contra o pecado em suas diversas formas. Mas, no contexto bíblico, a grande diferença em relação à história apresentada em Matrix é que, diferentemente do filme, os que vencerem o mal habitarão novos céus e nova terra; um lugar onde não haverá mais dor, tristeza ou morte. No filme, é compreensível que alguns humanos não queiram deixar seu mundo virtual, quando descobrem que o mundo real está arrasado. Mas, no que diz respeito à “matrix do pecado”, sair dela é indiscutivelmente um bom negócio.

Michelson Borges