Um nó se formou em minha garganta e os olhos se encheram de lágrimas várias vezes nesta semana, ao ler, ouvir e ler sobre a calamidade que se abateu sobre meu Estado natal. É diferente quando acompanhamos relatos de ataques terroristas, tsunamis e terremotos em terras distantes, nas quais nunca pisamos. Dói saber que nesses lugares pessoas sofrem a perda de entes queridos e de bens adquiridos à custa de muito trabalho e luta. Mas quando se trata de uma terra conhecida, a nossa terra, o nosso povo, a dor é mais aguda. Fere a alma, como se um pedaço de nós fosse atingido, ao mesmo tempo em que uma espécie de remorso agride o fundo da consciência: “Por que eu não estava lá para ajudar?” É uma pergunta sem sentido, eu sei, mas não tem explicação. É fruto do desconsolo, da sensação de impotência que prostra o ser humano e o faz perceber dolorosamente o quanto suas conquistas e aquisições são efêmeras e frágeis; o quanto, nessas horas que fazem o tempo congelar, o que mais importa, acima de qualquer outra coisa, é a preciosa vida humana. E nada mais.
Mesmo morando há mais de dez anos em outro Estado, é para Santa Catarina que minha esposa, filhas e eu vamos todas as férias. É lá que estão nossos pais e demais parentes. Lá estão nossas raízes, nossa história, nossa origem. Ao ver as fotos das cidades nas quais já estive, das ruas antes bonitas, decoradas com flores, capricho de um povo ordeiro e trabalhador, agora sepultadas pela lama, percebo uma vez mais o quanto nossa rotina, nossos sistemas, nossos bens materiais são frágeis. Num dia, o povo estava indo para o trabalho, para a escola, tomando banho de mar, almoçando em restaurantes, comendo, bebendo, passeando. Dali pouco tempo, estavam privados até mesmo dos itens mais básicos como água, comida, roupas, fraldas e outras coisas que de tão aparentemente banais passam despercebidas em tempos comuns.
Li histórias que de tão surreais nem consegui me ver na pele de quem as viveu. Uma senhora de pouco mais de 50 anos viu toda a família, com exceção de um filho, ser levada pela avalanche de lama juntamente com a casa e tudo que lhes pertencia. Chegou a segurar a mão da filha grávida, que depois sumiu no rio lamacento. A moça tinha apenas 17 anos. Outra mulher, de 42 anos, teve que sepultar o marido com a ajuda da filha. Ele morreu afogado e como a família ainda estava isolada, numa região até então inacessível, não podiam esperar por um sepultamento mais digno. Isso é cenário de guerra, mas os “combatentes” têm que adquirir experiência enquanto lutam para sobreviver. Jamais imaginariam passar por prova tão terrível. E quem poderia se sentir preparado para esse tipo de cenário?
As tragédias freqüentemente deixam amostra o melhor e o pior das pessoas. Enquanto outros brasileiros sensibilizados se mobilizavam para enviar donativos aos desabrigados, oportunistas aproveitavam o caos para saquear supermercados e lojas. Se ainda estivessem em busca de comida... Mas não, muitos desses carregavam latas de cerveja para um futuro “churrasquinho com os amigos”, como disse um indivíduo. Esse é o ser humano – contraditório, equilibrando-se nos extremos da bondade e da maldade. E esta é a vida que vivemos.
A dor é forte, mas oramos para que logo passe e meus conterrâneos consigam ir adiante, com a cabeça erguida, superando o medo e administrando as perdas.
Em momentos assim, quando a realidade explode em nossos olhos, a maior de todas as preces deve ser a mesma que manteve acesa a fé do ancião isolado na ilha de Patmos: “Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22:20). Somos todos ilhados neste mundo miserável. Mas logo nossas lágrimas serão enxutas pelas mesmas mãos que um dia foram pregadas na cruz para nos tirar da condição de flagelados pelo pecado.
Meu coração é catarinense, mas o de Deus é universal.
Michelson Borges