domingo, maio 31, 2015

“Eu nunca quis nada além de lutar contra o criacionismo”

"Quebrou a cara" no Brasil
Quando pretendia deixar o Brasil no dia 28 num voo para Los Angeles, o biólogo ateu militante Richard Dawkins tropeçou, machucou o rosto, levou cinco pontos e não pôde embarcar (confira). No Facebook, um internauta mais maroto chegou a escrever: “Deus é mesmo brasileiro!” Brincadeiras e provocações à parte, enquanto esteve em nosso país, Dawkins, que deveria falar sobre ciência, biologia e evolucionismo, não resistiu e pregou tratou de subjetividades como ateísmo e insultou criacionistas. Exemplo disso é a entrevista que ele concedeu à revista Galileu. Confira alguns trechos a seguir [com meus comentários entre colchetes]:

Quando e por que o senhor sentiu a necessidade de se tornar uma figura pública e advogar contra a religião e o criacionismo?

Bem, como cientista, eu me sinto apaixonado pela verdade [bem, como criacionista e cristão, eu também]. Eu amo a verdade, ela é tão empolgante, com certeza você deve concordar, afinal escreve para uma revista. O criacionismo é um insulto ao intelecto, então qualquer cientista vai querer lutar contra isso [toda generalização é um insulto ao intelecto. Conheço muitos cientistas e pesquisadores que defendem o criacionismo e não deixam de ser cientistas por isso]. Eu nunca quis nada além de lutar contra o criacionismo [puxa! É a razão da vida dele! Então o pessoal aqui no Brasil gastou uma grana pra trazer um biólogo que não veio falar de ciência, mas atacar os criacionistas!]. Nunca decidi me tornar uma figura pública, mas sempre senti a necessidade de advogar por esta causa e se, por consequência, me tornei uma pequena figura pública, foi incidentalmente. [Não, não foi incidentalmente. Dawkins vive de escrever livros, não faz pesquisas e está sempre na mídia. E ele descobriu o segredo para ser midiático: a polêmica. Ataque os criacionistas; deprecie Deus; faça campanhas ateístas com faixas e frases de efeito. Isso vende jornais.]

Existiu algum momento específico de sua vida adulta em que o senhor tenha se sentido inclinado a acreditar em algo além da ciência?

É claro que eu acredito em várias coisas no sentido da valorização: eu valorizo a música, valorizo a amizade humana e o amor humano, valorizo a poesia e todos os tipos de coisas como essas. Mas a crença implica em acreditar em algo factual, em inglês você pode usar o termo “acreditar” no sentido de “eu acredito no amor” ou algo do gênero. Eu suponho que você esteja falando de crença no sentido de acreditar em fatos, e não há nenhuma outra razão para acreditar em fatos além de evidências científicas. [Que fatos sustentam a existência de um sentimento como o amor? Quais as vantagens evolutivas da música, da arte? Num mundo em que a sobrevivência do mais forte ou mais apto, mais competitivo é um imperativo, por que perder tempo com coisas como música, pintura ou mesmo amor?]

O senhor consegue imaginar a existência de uma religião que não seja cega pelo dogma?

Não estou certo de que se chamaria religião neste caso. Eu acho que normalmente usamos a palavra religião para significar algo como uma fé, que é, em outras palavras, desprovida de evidências, e eu suponho que isso meio que signifique dogma. Eu realmente não sei, apenas não tenho interesse por religião. Isso é uma revista de ciência, não vamos falar sobre ciência? [Dawkins vive falando em ateísmo e quer puxar a orelha do repórter da Galileu por querer perguntar sobre religião? A fé não precisa ser desprovida de evidências, como quer Dawkins. O problema é que a falta de interesse dele pelo assunto faz com que ele ignore as evidências (talvez a aversão dele à religião tenha outros motivos...). A fé que eu abracei e defendo é racional e não está fundamentada no vácuo. Tenho muito boas evidências de que a Bíblia é a Palavra inspirada de Deus; de que Jesus ressuscitou dos mortos; de que Deus é o Criador do Universo. Mas será que Dawkins já parou para ouvir esse tipo de coisa? Dificilmente, pois ele vive evitando debates com apologistas cristão bem preparados.]

É claro que vamos. Em diversas ocasiões, o senhor sugeriu que os aspectos culturais da religião são uma coisa boa. Como o senhor enxerga o papel dos mitos em nosso passado e também no presente?

Nunca entendi muito bem o que é um mito, quer dizer, ele é uma história, e eu suponho que seja uma história com algum significado antropológico. Uma tribo terá histórias tribais sobre a origem das coisas. Estou ciente delas, não acho que sejam muito interessantes sob meu ponto de vista, eu sou um cientista. [Mas acredita no mito segundo o qual o Universo teria surgido a partir do nada e que matéria inorgânica teria por si só se organizado para dar origem à vida, com toda a sua complexidade e tremenda quantidade de informação genética.]

Mas às vezes nossos ancestrais criadores de mitos acertavam em algumas coisas...

Como o quê?

Como por exemplo o fato de a ciência atual ter comprovado a existência de um ancestral masculino e feminino comum a todos e chamá-los de Adão e Eva. É claro que existem diferenças enormes entre a narrativa bíblica e a científica, mas o senhor acredita que a intuição humana seja capaz de expandir nosso entendimento sobre o mundo?

Estou impressionado de que você pense que o mito de Adão e Eva esteja relacionado de alguma maneira com isso [dá-lhe arrogância dawkiniana!]. Como poderíamos não ter ancestrais masculinos e femininos? Como todos os mamíferos, nós somos seres sexuais, então obviamente nós temos ancestrais masculinos e femininos [e como esses ancestrais teriam se originado de seres vivos assexuados? Nem Dawkins responde]. Quanto ao que os cientistas chamam de Eva mitocondrial e Adão cromossomial-Y, é logicamente necessário que tenha de existir uma fêmea individual que seja a ancestral universal de todos nós na linhagem feminina, não poderia ser de outra forma. E similarmente tem de haver um ancestral macho que seja nosso ancestral comum mais recente na linhagem masculina. Esse ancestral seria aquele de quem herdamos todos os nossos cromossomos Y, e similarmente da mulher herdamos todas as nossas mitocôndrias. Isso é logicamente necessário, você não precisa de mitos para chegar a esta conclusão. [Então o relato bíblico se antecipa à ciência, a ciência conclui depois que é por aí mesmo, e cientistas como Dawkins saem dizendo que o relato de Gênesis é mito? Ah, Dawkins, de onde surgiram esses primeiros macho e fêmea, e de onde surgiram os cromossomos e as mitocôndria? Só para lembrar, a mitocôndrias são minúsculas “usinas” produtoras de energia de alto desempenho. Surgidas por acaso, claro...]

Quando o senhor forjou o conceito do meme, ele estava a anos de se tornar um fenômeno generalizado na internet. Recentemente o senhor disse que os jovens estão perdendo muito ao se limitar apenas às frases de impacto e imagens engraçadas. Como o senhor descreveria um meme mais elaborado?

Um meme é uma unidade de herança cultural, a ideia é ver se podemos desenvolver uma analogia com o gene como a unidade da seleção natural de Darwin. A evolução darwinista, que eu suspeito que, de alguma forma, seja universal pelo Universo onde quer que haja vida, depende de entidades auto-replicantes, que em nosso planeta são o DNA. [Veja o que escrevi sobre memes em 2008.]

Qual é a sua opinião atual sobre a influência dos genes no comportamento humano moderno?

Os genes obviamente são cruciais para o desenvolvimento humano, é óbvio que nós não estaríamos aqui se não tivéssemos genes. Vou considerar que você quis dizer diferenças genéticas influenciando diferenças humanas, seria uma maneira de transformar sua pergunta em algo significativo [esse repórter é bem paciente com essas respostas ríspidas de Dawkins...]. Até que ponto é possível explicar as diferenças entre uma pessoa e outra através de seus genes? Digamos a tendência de ser agressivo, avarento, homossexual, altruísta - para todas essas características psicológicas seria possível examinar suas variações em humanos e a contribuição genética para essas variações através de estudos com gêmeos, por exemplo. Como um todo, a maioria das características psicológicas acaba tendo um componente genético razoavelmente alto, que não é cem por cento. [Os genes não são assim tão determinantes quanto Dawkins quer; há pesquisas recentes em epigenética, por exemplo, mostrando que a coisa é bem mais complexa do que se pensava quando O Gene Egoísta foi escrito.]

Algumas pessoas dizem que a epigenética é uma espécie de renascimento das ideias de Lamarck...

Sim, eu sei que elas dizem, e este é o problema. Isso poderia ser verdade se ela continuasse por um número indefinido de gerações. Mas é claro que outro fator para ela ser um ressurgimento do lamarckismo é que seria necessário que produzisse adaptação, como a que Lamarck visualizou do princípio de uso e desuso - digamos que quanto mais se usa um músculo, maior ele fica, e então isso é herdado pela próxima geração. Isso seria a evolução lamarckista. Não é isso que está sendo falado aqui, ninguém sugeriu que o princípio do uso e desuso leve ao crescimento de uma parte particular do corpo e seja herdado. [Ok, mas Dawkins não pode ser tão taxativo a respeito de uma área que mal se começou a estudar, a epigenética.]

Poderia contar uma ou duas dessas histórias engraçadas que mencionou [em sua autobiografia]?

Eu desenvolvi a ideia, especialmente mais para o fim do livro, de que a mínima mudança em quase qualquer lugar é suficiente para mudar todo o resto da história. Por exemplo, eu imaginei um dinossauro espirrando em um momento crucial que impediu que ele pegasse um pequeno mamífero em particular, e aquele mamífero foi em frente para se tornar o ancestral, o Adão de todos os mamíferos que sobreviveram, todos nós devemos nossa existência a este espirro hipotético desse dinossauro do Cretáceo. Eu acho este um pensamento interessante, e tento jogar pequenas reflexões, pensamentos como este, resultando de história que conto. [Temos que admitir: Dawkins tem muita imaginação!]

Tem algum arrependimento em sua carreira cientifica?

É difícil isso, não? Eu acho que depois de escrever O Gene Egoísta eu basicamente dei uma guinada para o caminho de escrever livros ao invés da pesquisa [grande problema esse, não para o bolso dele, evidentemente]. Eu cheguei a fazer um pouco mais de pesquisa, mas obviamente não o mesmo tanto que eu teria feito se não tivesse me dedicado a escrever livros. E eu não acho que eu me arrependa disso, de certa forma sim, mas eu provavelmente fiz mais pela ciência ao escrever livros do que teria feito através de uma pesquisa muito restrita que teria sido possível fazer [quanta modéstia!]. Eu nunca teria sido um grande pesquisador, de qualquer forma. [Há quem diga – ateus, inclusive – que nem pensador, nem escritor, nem filósofo ele é...]

O senhor disse uma vez que a ciência é a poesia da realidade. O senhor é um cientista. Diria que considera a si próprio também um poeta?

Bem, eu não escrevo versos, eu acho que alguns de meus escritos poderiam ser chamados de prosa poética, de um jeito parecido com o que diziam que Carl Sagan escrevia prosa poética [agora ele ofendeu o Sagan!].

Comentário do amigo Frank Mangabeira: “Superinteressante e reveladora essa afirmação de Richard Dawkins. Nada surpreendente também: mais uma demonstração de como se entender a psicologia do ateísmo. O ‘cientista’ ateu se sente insultado pelo modelo criacionista das origens, pautado, em suas pressuposições, no teísmo bíblico. Sem querer incentivar qualquer disputa maniqueísta sobre tão polêmico assunto, eu me pergunto: Quem anda insultando quem? Quem vocifera aos quatros cantos do planeta, de forma apologética, as ilusões da religião e as ‘verdades’ da evolução? Mais: Onde está a contribuição verdadeiramente científica de Dawkins para o mundo? Cadê suas pesquisas? Seria o biólogo de Oxford uma boa referência para tirarmos conclusões acerca de nossas origens? Duvido. Enquanto isso, criacionistas bem informados, que não se sentem nem insultados nem intimidados pelo modelo naturalista-metafísico presente na ciência atual, estão desenvolvendo suas pesquisas com o rigor científico, a honestidade intelectual e a humildade necessários, a exemplo do Geoscience Research Institute.

“Embora Dawkins afirme que ama a verdade, desconfio da sua ‘verdade’, pois seu dogmatismo ateu é evidente: digno de um fundamentalista extremo. Quem sabe, por trás da ciência de Dawkins, esconda-se o desejo pessoal de que sua visão de mundo seja o paradigma da realidade. Grande pretensão! Mais honesto foi o filósofo ateu Thomas Nagel que, numa confissão franca, trouxe à tona o seu querer: ‘Quero que o ateísmo seja verdadeiro e fico apreensivo com o fato de algumas das pessoas mais inteligentes e bem informadas que conheço serem crentes religiosos. Não se trata apenas de que não creia em Deus e, naturalmente, espero estar certo em minha crença. É que eu espero que não exista nenhum Deus! Não quero que exista um Deus; não quero que o Universo seja assim’ (Nagel 2001, p.130). 

“Para Freud, ‘o homem é cego diante do próprio desejo’. Quem são os cegos? Os criacionistas, os evolucionistas ou ambos? Não se insulte com minha pergunta. Questione e pesquise com sinceridade, para poder enxergar melhor. Interaja com visões de mundo diferentes, sem hostilidade, porque a verdade é sempre engrandecida quando procedemos assim. Aprendemos mais e nosso intelecto se expande. E cuidado com os desejos...”

Leia mais: "Cristianismo, ciência e o obscurantismo do século XXI"