A Sony Music, plugada nas novas configurações do mercado fonográfico, abriu uma linha de produção de música gospel. A Sony quer pregar o evangelho do reino a todo o mundo? Claro que não. A Sony quer mais gente comprando os CDs que produz. Isso tem pouco de ética protestante, mas bastante do espírito do capitalismo. Em entrevista à revista Rolling Stone Brasil (ed. 42), Alexandre Schiavo, presidente da Sony, disse: “Em 12 meses, estaremos entre as três maiores gravadoras do segmento [gospel] e espero que alcancemos a liderança em pouco mais de dois anos.” É uma frase que poderia ser dita como aposta na produção de qualquer produto, de sapato a sabonete. Mas só a Sony tem a ganhar com essa empreitada?
A caixa registradora da Sony está interessada no potencial de lucro que determinado cantor tem dentro de um nicho de mercado. Por isso, além de contratar um experiente produtor do ramo gospel, Maurício Soares, investiu na diversidade musical gospel – Aline Barros, Marcelo Aguiar (sertanejo), DJ Alpiste (rap), Banda Resgate (rock). O ramo gospel será também uma forma de manter-se no combalido setor fonográfico.
A Sony contratou também o cantor adventista Leonardo Gonçalves, cujos dois primeiros trabalhos, os CDs “Poemas e Canções” e “Viver e Cantar”, primam pela excelência das letras e dos arranjos instrumentais.
Claro que a Sony não contratou Leonardo por causa de sua idoneidade teológica. A empresa apenas percebeu o potencial de lucro que pode auferir com o talento vocal do cantor. Por isso, duas perguntas não querem calar:
1) Leonardo conseguirá manter a densidade teológica dentro de um mercado notório por sua superficialidade bíblica e penúria poética?
2) O cantor terá suficiente autonomia artística para não ser obrigado a relativizar seus posicionamentos doutrinários a fim de atender um público mais amplo?
Embora uma gravadora multinacional não deixe de interferir nas produções em que investe suas finanças, segundo Leonardo Gonçalves, há uma cláusula em seu contrato que lhe concede liberdade artística individual. A subvenção econômica não significará submissão criativa.
Não há respostas prontas para as duas questões acima. Apesar de muita gente achar que tem. Uns dizem que Leonardo está vendendo sua fé a uma marca comercial, como se ele fosse um mercador barato da religião. Calma, não podemos demonizar as práticas comerciais, pois delas dependem as vendas de Bíblias, hinários, livros denominacionais, suco e marca-páginas.
Outros creem que o contrato de Leonardo Gonçalves será uma trombeta escatológica anunciando a boa nova a toda língua, tribo e nação. Calma, vale lembrar que a maioria dos consumidores de produtos gospel são os próprios evangélicos.
Leonardo Gonçalves, um cantor de técnica vocal apurada, demonstra bom gosto na escolha do repertório, não pula nem se sacode “em nome de Jesus”, não manda o crente “tirar o pé do chão”, não faz "unção" de acessórios como bonés, bottons e agendas, enfim, é um cantor cujas atitudes não endossam o culto à personalidade que grassa no mercadão gospel. Por isso, espera-se que permaneça fiel aos seus princípios musicais e também aos princípios bíblicos que professa.
A Sony pretende distribuir mundialmente seu aguardado CD de músicas judaicas e lançar seus CDs em versão hispânica. Leonardo pode se tornar o nome adventista mais conhecido em nosso tempo. E o cantor tem demonstrado ser alguém consciente do aumento de sua responsabilidade.
Se um escritor adventista recebesse uma proposta de publicação de seus livros por uma editora secular multinacional, haveria nisso contradição? Personagens bíblicos e figuras modernas atuaram com nobreza de propósitos e firmeza de princípios em altas posições políticas e em diferentes círculos culturais. Penso que devemos ter em mente que Leonardo Gonçalves recebeu a mesma missão dos apóstolos, “ide e pregai”. Os métodos é que são outros.
O cantor tornou conhecida uma canção chamada "Brilhar por Ti". Cristãos e não-cristãos estarão vendo esse brilho. Que ele possa atuar como uma "luz do mundo" refletindo uma mensagem de esperança e que ele continue permitindo que a verdadeira Luz possa modelar sua arte.
(Joêzer Mendonça, Nota na Pauta)