O portal Terra apresentou hoje duas matérias bem contrastantes e que fazem pensar. A primeira trata das muçulmanas que usam burca e afirmam que isso se deve a uma escolha. Às vésperas da votação da lei que visa a proibir, na França, o uso das controversas roupas islâmicas femininas, duas mulheres adeptas do niqab (o véu integral que deixa os olhos à mostra, ao contrário da burca, que permite a visão apenas através de uma tela em tecido na região ocular) testemunharam ao Terra o desconforto que a intensa polêmica traz para elas. Elas reclamam o direito de poder usar o que quiserem, como qualquer francesa. “A minha leitura do Corão me leva a acreditar que o mais correto é guardar minha intimidade, não mostrar o meu bem mais precioso, o meu corpo, para todo mundo. Pode ser que algum dia eu mude de ideia, mas, por enquanto, sou feliz assim”, conta Haila, dona de casa e mãe de quatro filhos.
“A decisão de usar o véu, o niqab ou a burca pertence a cada mulher, e somente a ela”, disse Assia, por telefone. “É um grande engano pensar em contrário. Nós somos tão feministas quanto qualquer outra mulher engajada. Defendemos os direitos de todas as mulheres e somos contra a violência, a opressão e o desrespeito.” Para ela, a mulher muçulmana que escolhe vestir o niqab ou a burca é inclusive mais livre que as demais, na medida em que precisa enfrentar a sociedade para firmar a sua posição.
Elas admitem que os companheiros são “orgulhosos” por elas usarem o niqab, mas rejeitam com fervor a ideia de que cobrem o corpo apenas para agradar aos maridos. “Essa concepção da mulher muçulmana faz parte da propaganda contra o Islã, que vem aumentando cada vez no Ocidente”, disse Assia, e completou: “Mesmo se já estou acostumada com os insultos e olhares de reprovação na rua, ainda me magoa ser vista como um extraterrestre, sendo que há uma pessoa muito feliz embaixo destas roupas.”
No outro extremo da escala da decência, outra reportagem dá conta de que o decote da modelo paraguaia Larissa Riquelme foi tão cobiçado por fotógrafos durante a Copa do Mundo que terminou virando uma espécie de outdoor. Uma ação de marketing inusitada estampou o nome de uma marca de desodorantes nos seios da morena durante o jogo entre Paraguai e Espanha pelas quartas de final e rendeu lucros. “Os clientes adoraram e pedem que levemos mais AXE (a marca) para suas lojas para eles venderem mais”, diz um dos responsáveis pela ação, o gerente de marketing Jorge Ritter.
Larissa havia prometido ficar nua caso os paraguaios vencessem e estava sendo acompanhada por uma série de jornalistas. Cada reação sua enquanto torcia no estádio Defensores del Chaco era documentada em dezenas de fotos e acompanhada por câmeras de TV de vários países. Inclusive do Brasil. Enquanto isso, lá estava a tatuagem, saltando a cada pulo de Larissa, alcançando milhões de expectadores. Provavelmente o primeiro seio patrocinado da história das Copas do Mundo. E quando, aos 38 do segundo tempo, o espanhol David Villa marcou e acabou com a esperança de Larissa, lá estava a tatuagem promocional, ganhando visibilidade com o choro da musa da Copa.
A ação de marketing contou também com uma série de cartazes com fotos da modelo torcendo só de sutiã.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, evidentemente. Mas uma coisa salta à vista (e não são os atributos frontais da moça): não li ainda algum tipo de crítica à coisificação humana promovida pela modelo que faz dos seios outdoors para divulgar uma marca. Criticam as muçulmanas por esconder e aplaudem a paraguaia por escancarar. Aquelas são retrógradas, fundamentalistas e fanáticas. Essa é ousada, inovadora, liberada. Isso é a quintessência da hipocrisia de uma sociedade pervertida que quer viver sem amarras, sem moral e sem Deus – ou, pelo menos, com um deus bastante permissivo.[MB]