O que é fundamentalismo? |
Dizem
por aí que tudo que é exagerado faz mal. No caso do fundamentalismo religioso,
esse exagero pode ser tão ruim a ponto de ser considerado uma doença. É o que
defende a neurologista Katheleen Taylor, da Universidade de Oxford
(Inglaterra). Segundo ela, pesquisas desenvolvidas recentemente sugerem que em
breve seremos capazes de tratar o fundamentalismo religioso e outras formas de
crenças ideológicas potencialmente prejudiciais para a sociedade como uma forma
de doença mental. Ela fez essa afirmação durante uma palestra no Festival
Literário Hay, que aconteceu no País de Gales, na última quarta-feira. De
acordo com ela, as ideologias muito
radicalizadas em breve poderão ser vistas não como uma escolha pessoal, feita
com base no livre-arbítrio, mas sim como uma categoria de transtorno mental.
Katheleen também disse que os novos estudos da neurociência poderiam considerar
extremistas, por exemplo, os integrantes do Hamas (Movimento da Resistência
Islâmica), como pessoas com doença mental, ao invés de criminosos terroristas.
Prevendo
o choque da sociedade, a neurologista disse: “Uma das surpresas pode ser a de
ver pessoas com certas crenças como pessoas que podem receber tratamento médico
por conta disso.” Para Katheleen, o rótulo do que pode ser considerado
“fundamentalismo” é um tanto abrangente, e pode ir além do que você imagina.
“Eu não estou falando apenas dos candidatos óbvios, como o islamismo radical ou
alguns cultos mais extremos. Estou
falando sobre coisas como acreditar que bater nos filhos é normal. Essas
crenças também são perigosas, mas normalmente não são categorizadas como doença
mental”, afirma.
A
questão se torna complicada na hora de classificar e rotular coisas como o
fundamentalismo. Afinal, o que é ser “fundamentalista”? Outra dificuldade é
estabelecer um limite entre o que pode ser considerado uma escolha, consciente
e feita com base no livre-arbítrio, e o resultado de uma lavagem cerebral, que
pode ser diagnosticada como doença mental.
Do
ponto de vista da mente ocidental, por exemplo, a tendência para equiparar
“fundamentalismo” exclusivamente com o islamismo radical é muito tentadora,
principalmente por conta do teor das notícias que estamos acostumados a ler
sobre o que acontece no Oriente Médio. Mas fica a reflexão: quão menos “fundamentalista”
que um Osama Bin Laden é uma nação capitalista que bombardeia impunemente
regiões civis e urbanas de países como Laos, Camboja e Coreia do Norte?
Aliás,
quão menos fundamentalista é uma pessoa que aceita vender todos os seus bens
para entregar tudo o que tem a um pastor que garante a ela um terreno no céu? Em
uma escala muito maior, e potencialmente mais frutífera, está o reconhecimento
de que todo o domínio das crenças religiosas, convicções políticas e fervor
nacionalista patriótico poderiam ser considerados não só perigosos, mas uma
ferramenta de manipulação em massa.
“Todos
nós mudamos nossas crenças. Todos nós persuadimos uns aos outros para fazer
certas coisas. Todos nós assistimos publicidade. Todos nós somos educados e
temos experiências com religiões. E a lavagem cerebral, se você deixar, é o
extremo disso. É forte, é coerciva, e é como um tipo de tortura psicológica”,
declara Katheleen.
Nota:
Pode ser um “pulinho” começarem a definir como fundamentalismo a decisão de
perder um emprego ou reprovar na universidade por causa da obediência ao quarto
mandamento da lei de Deus (o sábado). Poderá, também, ser considerado
fundamentalismo a insistência na crença de que Deus criou a vida neste planeta
em seis dias literais de 24h (na verdade, isso até já é considerado assim). E o
que dizer, por exemplo, da preservação da castidade e da abstenção do uso de
bebidas alcoólicas por motivos de consciência (além de saúde)? É evidente que existem
pessoas que se tornam fanáticas e realmente extremistas em sua religião. Mas
essas são facilmente identificadas: querem obrigar os outros a ser como elas e
até estão dispostas a matar por suas crenças. O religioso equilibrado, mesmo
que ortodoxo e inflexível em sua fé, respeita os outros e estaria disposto a
sofrer e até a morrer pelo que crê, jamais a matar. Será que os “especialistas”
em fundamentalismo conseguem ver a diferença? Outra coisa curiosa: numa época
em que a um homossexual se nega o direito de buscar ajuda profissional para, se
ele quiser, deixar de ser gay, aproximamo-nos, talvez, do momento em que
religiosos terão que ser submetidos a tratamento. Que tempos! [MB]