Cientistas não são máquinas |
Um
especialista em bioinformática, escrevendo no The Conversation,
chama à responsabilidade o mito da neutralidade da ciência. Filipe Gracio, do
King’s College de Londres, é duro, mas preciso: “Não existe busca de
conhecimento que não busque afetar o mundo. A ciência é feita por pessoas com
interesses, intenções e ambições; e a ciência é financiada por governos e
companhias com agendas. O desenvolvimento científico é sujeito às regras de
financiamento, às expectativas sobre os resultados, e às forças sociais e às
instituições que modelam nossa pesquisa.” Nesse sentido, a ciência é,
realmente, um subconjunto das “Humanidades”. O que é isso? Em outro artigo no The Conversation,
Vincent F. Hendricks, filósofo da Universidade de Copenhague, diz: “As
Humanidades são o estudo da condição humana e a maneira como interagimos com a
natureza, tecnologia, saúde, arte, política, religião, dinheiro e mistério.”
Não existe espaço para a “ciência” se isentar dessa definição.
No
entanto, alguns cientistas fariam das Humanidades sua área. As Humanidades são
um subconjunto da psicologia, eles argumentam, que é um subconjunto da
antropologia, que se reduz à biologia; que, por sua vez, se reduz à física. Mas
quem faz a redução? Humanos, é claro. A fim de evitar que se devorem uns aos
outros como grandes peixes que comem peixes pequenos, os departamentos de
ciência e humanidades geralmente ocupam prédios separados ao longo do campus,
mantendo uma trégua desconfortável. Hendricks pensa que as Humanidades devem
partir para o ataque; Gracio pensa que os cientistas precisam assumir seus
preconceitos humanos.
Gracio
dá exemplos de ideias preconcebidas, tais como leis de propriedade intelectual
governando o desenvolvimento de remédios e as tentativas recentes de se
patentear genes. Como pano de fundo, ele louva a atitude de Jonas Salk. Quando
interrogado nos anos 1950 a quem pertencia a patente de sua nova vacina contra
a poliomielite, diz-se que ele respondeu: “Não existe nenhuma patente. Você
poderia patentear o Sol?”
Gracio
pensa que aquela atitude é, tristemente, rara nestes dias. Ele sugere que os
cientistas poderiam e deveriam ser menos preconceituosos. Mas os próprios
argumentos de Gracio sugerem que isso é altamente improvável. Eis alguns deles:
Os
cientistas estão na interseção de interesses que competem entre si: ausência de
reservas e possuir propriedade intelectual.
Os
cientistas parecem se esquecer desses interesses que competem entre si. “Pergunte-lhes
sobre a natureza do progresso científico, das decisões de financiamento de seu
projeto, das forças por detrás disso ou dos interesses a que servem, e você vai
receber um olhar confuso. This is a
problem.”
Os
cientistas não podem justificar os resultados previsíveis dos projetos nos
quais estão envolvidos.
A
divulgação científica é, frequentemente, via de mão única, considerando “o
público meramente um vaso recipiente que tem de entender as decisões feitas
pelos cientistas e pelos institutos de pesquisas”.
“A
ética e a política estão ausentes conspicuamente” como tópicos no currículo
científico.
“Os
cientistas frequentemente não têm uma visão nítida do grande impacto de sua
pesquisa ou pensam a respeito das forças que a modelam.”
Gracio
não é um pessimista. Embora hoje “exista uma enorme lacuna entre os efeitos e as
consequências da ciência, e como muitos cientistas consideram essas
consequências”, ele crê, “isso é perigoso, mas há algo que nós podemos fazer a
respeito”. Assim como nós acertadamente analisamos outras atividades na esfera
pública, tais como as ações de companhias privadas ou o aporte de recursos para
programas sociais, devemos analisar a ciência.
Mas
há aquela palavra “devemos”. Alguém acredita que isso vai acontecer brevemente?
Os parágrafos finais de Gracio soam como um castelo no ar:
“Nós
cientistas deveríamos ser capazes de abordar seriamente as questões
fundamentais sobre nosso trabalho: Quais setores da sociedade servem uma agenda
particular de pesquisa? Quais agentes, públicos e privados, espera-se, sejam
beneficiados pelas descobertas antecipadas? Quais setores da sociedade podem
ser prejudicados por elas? Quais poderiam ser os usos incorretos dessas
descobertas? E essas respostas deveriam ir além das observações superficiais
para justificar o financiamento.
“Os
cientistas frequentemente não têm uma visão nítida do grande impacto de sua
pesquisa ou pensam sobre as forças que a modelam. Como tenho ilustrado, os
resultados do seu progresso têm consequências sérias. A ciência é uma força
incrivelmente poderosa que consome uma vasta quantidade de recursos, e aqueles
que fazem essa máquina funcionar precisam ter certeza de que ela está indo numa
boa direção.”
Bem,
então, talvez uma agência governamental “deveria” investigar e escrever um
relatório. Isso é como repetir o velho Princípio Poliana da IBM: “Máquinas
devem funcionar. Pessoas devem pensar.”
A
ciência não “está lá” como uma coisa neutra, robótica. O “método científico”
(seja lá o que for isso) não é uma máquina que garanta “entrada de dados; saída
de conhecimento”. A ciência é sempre mediada por seres humanos falíveis com
conhecimento imperfeito, propensos a interesses egoístas. O quadro da ciência
que o documentário “Cosmos” e o NCSE tentam
pintar está defeituoso. Nós temos todo o direito de examinar seus financiamentos,
suas agendas e seus preconceitos pessoais – como eles fazem com os nossos.
Em
vez de considerar os “cientistas” como uma espécie à parte do resto da
humanidade falível, devemos olhar a ciência do modo como C. S. Lewis olhou.
Dois comentários perspicazes de Lewis retirados do livro The Magician’s
Twin [Os gêmeos do mágico], de John West, de 2013, valem
a pena ser repetidos, assim que nós continuamos a debater a evolução, promover
o design inteligente, avaliar a
evidência, e explorar as implicações das ideias.
“Estritamente
falando, não há, eu confesso, essa coisa de ‘ciência moderna’. Existem apenas
ciências particulares, todas num estágio de mudança rápida, e algumas vezes
inconsistentes uma com a outra” (Christian
Reflections [1945], p. 82).
“Se
o pensamento popular pensa que a ‘ciência’ seja diferente de todos os outros
tipos de conhecimento porque a ciência é experimentalmente verificável, o
pensamento popular está enganado. A verificação experimental não é um novo tipo
de certeza vindo para suprir as deficiências de mera lógica. Portanto, devemos abandonar
a distinção entre o pensamento científico e o pensamento não científico. A
distinção apropriada é entre pensamento lógico e não lógico” (De Futilitate).
É
onde o debate pode se dar: sobre a lógica. Todavia, a lógica não está mais “lá
fora” do que a ciência; ela é uma filha da integridade e honestidade. Aquelas
virtudes que não saem de um tubo de ensaio, nem podem evoluir. Nós todos
estamos juntos nas Ciências Humanas. Sejamos os humanos mais honestos e lógicos
que possamos ser.