domingo, abril 27, 2014

As canonizações sob a ótica bíblica

Os dois novos santos católicos
Segundo a própria Igreja Católica Apostólica Romana, canonização é o ato de atribuir o estatuto de santo a alguém que já era beato. É a confirmação final da Santa Sé para quem um beato seja santo e somente o papa, líder máximo católico, pode conceder esse estatuto. O Código de Direito Canônico da Igreja Católica, no seu cânon 1186, estabelece que “para fomentar a santificação do povo de Deus, a Igreja recomenda à veneração peculiar e filial dos fiéis a Bem-aventurada sempre Virgem Maria, Mãe de Deus, que Jesus Cristo constituiu Mãe de todos os homens, e promove o verdadeiro e autêntico culto dos outros Santos, com cujo exemplo os fiéis se edificam e de cuja intercessão se valem”; e, no artigo 1187, acrescenta que “só é lícito venerar com culto público os servos de Deus, que foram incluídos pela autoridade da Igreja no álbum dos Santos ou Beatos”.

Neste último domingo, 27 de abril, os ex-papas João Paulo II (o polonês Karol Wojtyla) e João XXIII (o italiano Angelo Giuseppe Roncalli) passaram por esse processo e se tornaram os mais novos santos conforme o entendimento católico do assunto. Oficialmente os católicos podem recorrer a eles como intermediários ou mediadores para suas orações.

Como o tempo passa e algumas ações religiosas continuam a ser realizadas praticamente sem nenhuma reflexão mais profunda acerca do seu significado e relevância espiritual no contexto bíblico, é importante pontuar se são tradições religiosas repetidas por motivações diversas (especialmente políticas ou econômicas) ou ensinamentos bíblicos embasados por aquilo que Deus revelou. Apesar de parecer, os dois termos não significam a mesma coisa. Joel Peters, estudioso dos assuntos católicos, escreveu 21 razões pelas quais não se pode aceitar a autoridade da Bíblia somente (Sola Scriptura) para assuntos de fé (http://adv.st/QREvkq). Ali está a diferença entre tradição e ensino bíblico.

Bem, sem mais rodeios, não consigo encontrar fundamentação bíblica para as canonizações de gente como os antigos papas ou piedosos católicos já mortos há séculos. Muitos deles, diga-se de passagem, que tiveram uma conduta admirável e louvável em vários aspectos. Não entro no mérito da vida dessas pessoas, pois somente Deus pode julgar o ser humano. Mas entro no mérito do processo e de seu significado. Vamos às minhas principiais considerações:

O conceito bíblico de santos não é o mesmo apregoado pelos que defendem a canonização. A palavra grega hagios, normalmente traduzida para “santos”, tem muito a ver com o conceito de pessoas separadas do pecado, portanto, consagradas a Deus. Há muitos textos, mas vamos a alguns deles que evidenciam que os santos são os cristãos vivos de hoje em dia e não apenas quem já morreu. A palavra não denota um grupo de pessoas diferenciadas ou em nível acima dos demais que estão militando na fé cristã ainda.

O apóstolo Paulo, testemunhando ao rei Agripa, relembra que ele perseguiu muitos santos e os jogou nas prisões (Atos 26:10). Ainda ele, autor da carta aos romanos, destaca na introdução que os destinatários de sua epístola são santos (Romanos 1:7). E vai além. Diz que, em determinado momento da história do mundo, os santos hão de julgar o mundo (1 Coríntios 6:2). Ele está falando de gente comum que decide se colocar nas mãos de Deus e abandonar o pecado ou de um grupo seleto de gente que, por decisão de homens, passa a exibir esse status de santos? Há outros textos nessa mesma linha e a ideia é a mesma.

Os santos, na Bíblia, são os que passam pelo processo de santificação aqui e isso não está associado a meramente se fazerem obras em favor dos outros. O apóstolo Pedro destaca que, assim como Deus é santo, Ele espera que Seus filhos se tornem santos (1 Pedro 1:15). Mas não há indicação de que essa busca por santidade deva acontecer somente depois da morte nem que está baseada apenas em boas obras praticadas. É uma ação divina que acontece obviamente enquanto a pessoa está viva (1 Tessalonicenses 5:23) e que vai até a vinda de Jesus Cristo. Logicamente, se Deus habitar na vida de uma pessoa e impressionar sua mente, isso resultará em mudança de comportamento e consequente realização de obras dignas (Efésios 2:8-10 e Filipenses 2:12, 13).

Não há qualquer aprovação divina para que alguém busque pessoas mortas como intercessores diante dEle. Os mortos não possuem consciência do que se passa com os vivos (Eclesiastes 9:5, 6 e Jó 7:8-10), portanto, não podem ser intercessores junto a Deus. No livro de Apocalipse, capítulo 5, verso 8, há menção das orações dos santos, porém, não há qualquer base para se pensar que mortos possam fazer preces. Está falando, em realidade, de uma visão profética dada ao apóstolo João em que ele tem um vislumbre do que é o santuário celestial e a comparação de que o incenso, que era usado no santuário terrestre no tempo em que o povo de Israel antigo mantinha essa representação autorizada divinamente, significa justamente a oração dos santos (ou seja, pessoas tementes a Deus).

A única intercessão amparada pela Bíblia é a de Jesus Cristo. Apesar da reputação digna e da maneira honrosa de vida que tiveram muitos homens e mulheres fiéis cristãos ao longo dos séculos, isso não os credencia a ser intercessores junto a Deus. Há um só mediador entre Deus e os homens (1 Timóteo 2:5) e, desde o tempo do santuário terrestre, fica bem claro que o sangue do cordeiro representava o perdão dos pecados, ou seja, a morte de Cristo (Hebreus 8, 9 e 10, os capítulos inteiros, e Apocalipse 19).

Mesmo que cerimônias de canonização reúnam milhares de pessoas, ganhem repercussão midiática mundial e sejam praticadas há séculos, biblicamente não encontro consistência para depositar minha fé nelas. Prefiro me manter no que dizem os textos bíblicos e espero sinceramente que os interessados em saber mais acerca do tema se voltem ao livro sagrado para conhecê-lo mais profundamente e encontrar nele as respostas para assuntos religiosos e espirituais.

(Felipe Lemos é jornalista)