terça-feira, outubro 21, 2008

A intolerância dos centros do “pensamento livre”

Deu no blog do professor Orlando Tambosi: “Em boa parte de suas áreas, as universidades estão mais próximas das ideologias que do conhecimento, notadamente o científico. Não é raro o ressentimento contra as ciências naturais, um instrumento que se revelou poderoso tanto na acumulação quanto na aplicação do conhecimento. Essas ideologias estão a serviço de causas e partidos que a história já rechaçou, mas ainda habitam mentes pouco inquietas e mais afeitas ao dogmatismo.

“Não bastasse o que vem da política, agora surgem também tentativas de fazer da universidade espaço para discussão de pseudociências com base em visões fundamentalistas das religiões. É o caso do criacionismo – defendido particularmente por fundamentalistas cristãos nos EUA –, inimigo ferrenho da teoria da evolução. Aos poucos, o criacionismo penetra também no Brasil. Na USP de São Carlos, por exemplo, está prevista para [16/10] uma palestra em defesa da última versão do velhíssimo argumento teleológico, a ‘teoria do Design Inteligente’.

“Isto gerou, justamente, reação por parte dos cientistas. A propósito, recebi duas correspondências – entregues às autoridades universitárias – que me foram enviadas pelo professor Marco Antônio Batalha, do Departamento de Botânica da Ufscar, e que reproduzo abaixo, na íntegra. ...”

Fui aluno do professor Tambosi, quando cursei Jornalismo na UFSC, nos idos anos 90. Na época, cheguei a fazer um trabalho sobre criacionismo (datilografado em laudas e devolvido por ele) como um dos requisitos para a disciplina dele. Tirei nota razoável e ele não teceu comentário algum sobre o conteúdo. Não sei se essa postura belicosa dele em relação aos criacionistas se fortaleceu de lá para cá (espero que não por minha causa...) ou se ele apenas quis ser tolerante com um calouro cristão. O fato é que, com todo respeito ao meu ex-professor (de quem sempre apreciei as aulas), ateus também podem ser exageradamente fundamentalistas (ex.: “o devoto de Darwin” [Veja], Richard Dawkins) e igualmente se valem de argumentos “velhíssimos” (mesmo em fase de revisão não divulgada) para defender sua visão darwinista filosófico-naturalista.

O foco de toda a discórdia e exasperação darwinista/atéia é a tentativa de se debater o criacionismo nos campi universitários. Curiosa essa resistência rabiosa. Lembro-me de que nos tempos de faculdade volta e meia via um cartaz de divulgação de palestras de um mestre hindu, astrólogo ou de algum “guru” da medicina alternativa, ou coisa que o valha. Nunca ouvi alguém questionar o fato de um campus secular abrigar esse tipo de gente e assunto. Mas criacionismo, não. Esse é “pseudociência”.

Na carta reproduzida no blog do professor Tambosi, o professor Batalha reclama de o Instituto de Física de São Carlos (IFSC) ter abrigado palestra do físico criacionista Adauto Lourenço e afirma que “tentativas como esta são um retrocesso a um passado distante, onde o homem atribuía fenômenos físicos naturais, como uma tempestade ou um eclipse, a um castigo divino e não a fenômenos físicos hoje elucidados”. Batalha bate num espantalho, ou seja, ataca uma religião há muito superada, coisa que alguns ex-ateus já perceberam (confira aqui).

Ao contrário do que o Sr. Batalha e outros afirmam, a Teoria do Design Inteligente (TDI) não é sinônimo de Criacionismo, e chega a abrigar em suas fileiras até mesmo agnósticos e ateus como David Berlinski. Na verdade, a idéia é blindar o darwinismo de qualquer discussão e a melhor maneira de se conseguir isso é associando à TDI o preconceito já infelizmente e sedimentado contra o Criacionismo.

Calar seres pensantes e discordantes, não lhes dando acesso à “grande imprensa” (postura adotada pelo Marcelo Leite, da Folha, por exemplo) e impedi-los de falar nos centros que deveriam ser universitários (de saberes universais) não é novidade em nosso país. Algumas universidades já impediram o Dr. Marcos Eberlin (a despeito do currículo e da importância dele como cientista) de falar sobre o design inteligente (isso que nem criacionismo era...), e eu mesmo já senti na “pele” a hostilidade que pode se levantar quando se questiona o pensamento darwinista. No ano passado, “maculei” o “templo sagrado” do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da Ufscar, quando fui convidado pela pós-graduação em Fisioterapia para falar sobre criacionismo e as razões filosóficas que embasam o teísmo. O convite me foi feito pela Dra. Eloísa Tudella. Ambos fomos hostilizados por palavras e em e-mails que foram parar até mesmo no MEC. Isso tudo a despeito do fato de termos sido rigorosamente educados e abertos ao diálogo em nossa exposição do assunto no auditório do CCBS.

Voltando à carta do Sr. Batalha, ele diz que “não podemos aceitar que ideais religiosos de qualquer vertente sejam apresentados a nossa comunidade como alternativa ao pensamento racional, crítico e científico”. E quem disse que toda religião é irracional, acrítica e não científica? Batalha incorre no erro (ou preconceito) da generalização. Essa oposição entre pensamento científico e religioso não precisa e não deve ser alimentada. Cientistas de renome do passado e do presente conseguem harmonizar bem essas duas facetas da realidade.

Batalha também acusa: “Esse tipo de evento, que visa a promover uma ideologia religiosa disfarçada de ciência alcança a inconstitucionalidade, segundo a Constituição Federal do Brasil (CF/88 – Art. 19). O Brasil é um país laico, e assim, nenhuma crença ou religião pode exercer pressão ideológica junto aos cidadãos livres, nem imprimir sua presença em órgãos e espaços públicos.” A velha confusão entre laicismo e ateísmo. O Brasil é, sim, um país laico, mas isso não é sinônimo de “país ateu”. E, infelizmente, o que se vê é um grupo de pessoas se valendo do darwinismo para propagar a visão ateísta/materialista. Batalha ainda erra ao dizer que o criacionismo seria uma “suposta alternativa ao método científico universalmente aceito pela comunidade acadêmica mundial”. Nada mais errado. Se dissesse que o criacionismo é tido como alternativa ao darwinismo, até vá lá. Mas não ao método científico. Todos os criacionistas que conheço adotam e respeitam o método científico. São, portanto, naturalistas quanto ao método. Mas não aceitam o naturalismo filosófico, pois esse sim extrapola os limites do método científico (aliás, os criadores do método científico – Galileu, Copérnico, Newton, et al – eram cristãos).

E a maior das contradições na carta do Sr. Batalha: “Ressaltamos que não se trata de uma restrição à liberdade de expressão, mas é imperativo respeitar a missão desta e de toda a universidade: a busca do saber e a propagação do pensamento crítico e racional e não a divulgação de ideologias religiosas como contraponto ao pensamento científico e racional.” Repito: ninguém quer esse contraponto. A batalha que o Sr. Batalha aponta não é desejada por nenhum criacionista esclarecido. E nada melhor, no processo de propagação do pensamento crítico e racional, do que o contraste/comparação entre idéias e o contato com pensamentos e ideologias alternativos/discordantes.

Dar espaço aos criacionistas para falar nas universidades “laicas” é, segundo Batalha, aplicar “um verniz de respeitabilitade” nesse pessoal de “idéias retrógradas”. Verniz de respeitabilidade são palavras do ultra-darwinista fundamentalista Richard Dawkins, talvez uma das fontes amargas onde o professor brasileiro tenha bebido...

Agora note a pressão e a ameaça sutis: “Pelas razões acima, consideramos que a palestra ‘Criacionismo Científico’ [do professor Adauto] deva ser cancelada, outrossim, sentir-nos-emos na obrigação de relatar o uso indevido de recursos públicos junto a autoridades competentes.”

Sei que meu ex-professor Orlando Tambosi pensa que a velha máxima jornalística de se ouvir os dois lados se trata de uma bobagem. Penso diferente: para entender a fundo uma controvérsia é preciso ouvir e ouvir bem os dois lados. Sem preconceitos. De mente aberta. Acho que está faltando isso a nossa mídia e a muita gente nos centros “universitários”.

Michelson Borges

"If there is a dangerous delusion in the world, it is not so much moderate religion, as Dawkins would have it, but fundamentalism in all its forms — ideological, scientific and religious — as the imposition of dogma that brooks neither doubt nor respect for disagreement." John Cornwell