quinta-feira, outubro 02, 2008

Lúcifer: agente secreto de Deus?

Papel aceita tudo (e páginas na internet também; por isso é bom checar sempre as fontes). O livro especulativo e altamente comercial da vez é Satã – Uma Biografia, de Henry Ansgar Kelly, professor emérito da Universidade da Califórnia em Los Angeles e autor de outros livros sobre a figura literária do Demônio. Segundo Kelly, a história de que Lúcifer era um anjo poderoso que se rebelou contra Deus e levou a humanidade à queda não é bíblica e teria sido “montada por teólogos cristãos dos séculos 3 e 4, responsáveis por uma leitura um bocado criativa das Escrituras”. Para ele, o Satanás bíblico não seria um rebelde contra Deus, mas uma espécie de “agente secreto” ou “chefe do FBI” divino, responsável por testar a lealdade dos seres humanos.

Segundo matéria publicada no G1, “Kelly vai além da maioria dos outros estudiosos modernos da Bíblia, os quais, como ele, afirmam que as poucas aparições de Satanás no Antigo Testamento se referem a uma figura que é subordinada a Deus, e não inimiga do Criador. Para Kelly, no entanto, a situação não muda substancialmente nas menções ao Maligno no Novo Testamento. ‘O Satã no Novo Testamento deve ser percebido como tendo uma posição equivalente a um Primeiro-Ministro, ou um Procurador-Geral da República, ou diretor do FBI, e não mais diabólico do que muitos dos mais zelosos representantes dessas posições aqui na Terra’, escreve o pesquisador. A visão geral expressa nos Evangelhos e nos outros livros bíblicos do começo do cristianismo, segundo o autor, é que Satanás simplesmente toma gosto excessivo por suas funções de testador da humanidade, e por isso perde as boas graças de Deus, sendo expulso do Céu.”

O autor menciona os livros bíblicos de Jó e Zacarias como exemplo de citações ao “promotor” Lúcifer. Para ele, a serpente de Gênesis nem teria algo a ver com Satanás. Além disso, Kelly ignora os textos de Ezequiel 28:13-19 e Isaías 14:12-14, sem falar nos do Apocalipse, que ele distorce. (Para saber mais sobre a origem de Lúcifer, clique aqui).

Em sua análise do livro do Apocalipse, Kelly afirma que a última parte desse drama cósmico é a “demissão” de Satanás de seu papel de acusador na corte de justiça divina. No capítulo 12 do livro, lê-se: “Foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que os acusava, dia e noite, diante de nosso Deus.” Para Kelly, essa visão é apresentada como uma profecia para o futuro, de forma que a chamada queda de Satanás e dos anjos que o seguem não poderia ter acontecido antes da criação do mundo. Nada mais falso.

É o tipo de interpretação estapafúrdia que certamente agrada ao próprio Lúcifer. Se não coloca em dúvida a existência do inimigo, pelo menos tira de cima dele toda a malignidade que lhe é atribuída pela Bíblia. O que Kelly faz, na verdade, é lançar sombras sobre o caráter de Deus, que passa a ser uma espécie de “sócio” do maligno. E retira de Satanás a alcunha de rebelde e traidor.