O preá mais raro do mundo vive na Grande Florianópolis, em Santa Catarina. Ele é simpático e sociável. Vive isolado em uma pequena ilha do litoral catarinense há 8 mil anos. Da família do porquinho-da-índia, o preá do arquipélago de Moleques do Sul, em Palhoça [conheço bem esse município, pois minha esposa é de lá], é considerado o mamífero mais raro do planeta. Primeiro, porque o único lugar de que se tem notícia que ele habite é a ilha de 9,86 hectares localizada no Estado. Segundo, porque o total de indivíduos da espécie não passa de 100. [...]
A viagem entre a ilha de Santa Catarina e a de Moleques do Sul leva uma hora e meia [de barco]. [...] Encontramos [a reportagem do Diário Catarinense] o mamífero mais raro do planeta nascido em Palhoça e fizemos belas fotos. Partimos de Moleques do Sul às 18h, deixando o bichinho em paz no seu hábitat natural. Como só existe nesse ambiente, o Cavia intermedia é extremamente vulnerável e qualquer interferência em sua “casa” pode levá-lo à extinção. Melhor deixá-lo quietinho e admirar sua beleza apenas pelas fotos.
O preá de Moleques do Sul foi reconhecido oficialmente pela comunidade científica em 1999. Ainda há poucas informações sobre a espécie. A pesquisa mais recente está sendo realizada pela bióloga Nina Furnari, do Laboratório de Psicoetologia da Universidade de São Paulo (USP). Para seu trabalho de doutorado, Nina fez o primeiro estudo sobre o comportamento do roedor catarinense. “É interessante saber como os animais vivem e do que eles precisam. Conhecendo a espécie, teremos dados para poder conservá-la”, afirma ela.
O levantamento de dados para a pesquisa de Nina foi feito durante 25 viagens à ilha, feitas entre novembro de 2007 e dezembro de 2009. No período em que ficava acampada, ela capturava os animais com armadilhas para fazer a marcação de cada indivíduo. Na sequência, soltava-os e passava de seis a oito horas observando como eles se comportam. Atualmente, ela está em fase de análise das informações coletadas.
As primeiras avaliações indicam que o Cavia intermedia possui comportamento bastante semelhante a seus parentes do continente, com algumas adaptações ao ambiente de ilha. Uma delas é a necessidade de serem mais tolerantes uns com os outros por habitarem um espaço bastante pequeno. Os preás são sociáveis entre si e possuem vínculos familiares.
Durante a pesquisa, Nina chegou a ver um grupo de 17 animais comendo juntos, mas o mais comum é ver grupos de quatro e cinco indivíduos.
A pesquisadora observou também que os animais capturados em pontos distintos da ilha tinham atitudes diferentes. Isso leva a crer que os preás não circulam por toda a ilha, mas se dividem em grupos e cada grupo habita determinada área.
Além de observação de comportamento, Nina fez a recontagem da população por amostragem. O método utilizado em 2006 para a pesquisa de mestrado do biólogo Carlos Henrique Salvador apontou que a quantidade de roedores da ilha varia mensalmente entre 30 e 60. Pelos dados da pesquisadora da USP, esse número pode ser um pouco maior, mas não deve passar de 100.
O preá catarinense figura na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUNC – sigla em inglês). A ameaça de extinção não teve influência do ser humano, mas se dá pela raridade da espécie.
O mamífero de Moleques está extremamente vulnerável porque qualquer acontecimento diferente que ocorra na ilha – a introdução de um animal que possa se tornar seu predador, como um cachorro, por exemplo – pode exterminá-lo. Para os pesquisadores, a única forma de conservar a espécie é manter o ambiente da ilha intocado.
(Diário Catarinense)
Nota: Esse é um típico caso de isolamento geográfico que promove microevolução nas espécies. É bom destacar que, a despeito das modificações comportamentais sofridas por esse preá de Palhoça (em supostos oito mil anos, já que ilhas como a de Moleques do Sul podem se formar rapidamente), ele continua sendo preá. Foi mais ou menos isso o que Darwin encontrou na Ilhas Galápagos, ao estudar a fauna diversificada de cada ilha. Os tentilhões, por exemplo, embora tivessem formato do bico e outras características selecionadas porque lhes davam vantagem na sobrevivência e, consequentemente, reprodutiva, nunca deixaram de ser tentilhões. A hipótese da macroevolução é que se constitui em extrapolação fictícia em cima das observações.[MB]