quinta-feira, julho 14, 2011

Agradecimento sarcástico

No artigo “Meu agradecimento aos criacionistas”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo do dia 14 de julho, o biólogo Fernando Reinach agradece aos criacionistas e aos teóricos do design inteligente o fato de o Museu de História Natural em Nova York estar ainda melhor do que na primeira vez que ele o visitou, há 25 anos – pelo menos no que diz respeito ao enfoque darwinista do museu. Ele diz que nessa segunda visita, “o museu não decepcionou. Está melhor, não por causa das novas tecnologias, mas porque montou um contra-ataque eficaz ao movimento criacionista”. Segundo Reinach, “há 25 anos, paleontólogos, geneticistas, ecologistas e estudiosos da evolução das espécies tinham uma vida tranquila. O darwinismo, após as décadas de polêmicas que sucederam à publicação dos primeiros livros de Darwin, parecia ter sido aceito. Focos de resistência ainda existiam entre os seguidores de algumas religiões, mas eram cada vez mais raros. A Suprema Corte dos EUA, com base na separação do Estado e da religião, havia banido o ensino do criacionismo nas escolas”.

O biólogo ignora deliberadamente o fato de que a resistência ao darwinismo – desde a sua origem – não se deveu apenas aos religiosos. Muitos cientistas se opuseram às ideias macroevolutivas filosoficamente enviesadas de Darwin e, sobretudo, de seus seguidores que levaram essas ideias ao extremo. Na verdade, a vida dos defensores da evolução foi “tranquila” enquanto áreas da ciência como a microbiologia e a biologia molecular não escancararam a “caixa-preta de Darwin”, isto é, o ultracomplexo mundo das máquinas moleculares e da informação complexa e específica sem a qual – desde a sua criação – a vida seria impossível. De qualquer forma, ainda que a “tranquilidade” dos cientistas darwinistas houvesse sido perturbada pelos “chatos” dos criacionistas, isso seria uma boa coisa, já que, em ciência (como em várias outras áreas do saber), a unanimidade costuma ser burra. O que seria das revoluções científicas (Kuhn) sem aqueles que advogam o contraditório? O que seria da ciência sem aqueles “chatos” que insistem em despi-la o quanto possível de “contaminantes” metafísicos como o naturalismo filosófico?

Para Reinach, o Museu de História Natural foi um dos líderes nessa reação contra os “chatos”. “Grande parte do material exposto [no museu] foi reorganizado para demonstrar como os fósseis sugerem que as espécies mudam”, diz ele. E é bom que ele tenha usado a palavra “organização” para se referir à didática empregada pelo museu para explicar/inculcar a teoria da evolução. Na natureza, os fósseis não são encontrados de maneira organizada. Mesmo a datação deles é assunto controverso. Assim, é preciso mesmo grande exercício de imaginação e de capacidade organizadora a fim de se apresentar ao público sequências de fósseis que sugerem o suposto aprimoramento dos seres vivos a partir de ancestrais mais rudimentares.

Reinach menciona o cavalo: “A sequência dos ancestrais do cavalo, [mostra] como cada um dos quatro dedos das patas foi atrofiando, sobrando o dedo médio com uma enorme unha que hoje chamamos de casco.” Esquece-se, porém, de que cavalos minúsculos existem ainda hoje (confira aqui) e que se fossem encontrados na forma de fósseis, também poderiam ser colocados “organizadamente” na tal sequência evolutiva do cavalo. Questionável como possa ser, a suposta evolução do cavalo ganhou espaço privilegiado no famoso museu nova-iorquino. Tudo para fazer frente à argumentação criacionista.

“O Museu de História Natural ficou melhor. E grande parte dessa melhora se deve à pressão exercida pelo movimento a favor do design inteligente. Ele forçou os cientistas e museólogos a encontrar maneiras didáticas de contar como e por que Darwin e seus sucessores concluíram que a seleção natural é ainda a melhor explicação para o que ocorreu na Terra desde que a vida surgiu, há cerca de 3 bilhões de anos. Assim, só me resta expressar aqui meu agradecimento aos criacionistas”, conclui Reinach.

Desconfio que esse esforço todo não se deva ao fato de a seleção natural ser a “melhor explicação para o que ocorreu na Terra desde que a vida surgiu [sic]”. Primeiro, porque a nova teoria da evolução, a Síntese Evolutiva Ampliada, não será selecionista, Segundo, porque não existe explicação coerente para a origem da vida. Tudo é especulação sem evidência. Darwin lidou com “microevolução” (diversificação de baixo nível), mas não foi capaz de comprovar (e nem poderia) a macroevolução – por isso mesmo há quem diga que ele acertou no varejo, mas errou no atacado.

Então, todo esse esforço didático deve ser uma reação ao fato de que as pessoas precisam ser doutrinadas para aceitar algo que não apenas o senso comum, mas a própria ciência experimental parece contradizer: a macroevolução naturalista. Nesse caso, Reinach deveria agradecer aos criacionistas sem esquecer, contudo, da própria ciência.[MB]