sexta-feira, julho 29, 2011

Existir ou viver?

Conta-se que o médico estava temeroso. Alexandre, o Grande, havia deixado seu cavalo doente para tratamento e havia dito que, se recebesse o aviso de sua morte, o portador da notícia seria, também, morto. Agora, o cavalo jazia morto. O que fazer? Quem ousaria contar o triste fato ao imperador? O médico não tinha coragem. Soldados recusavam-se a fazê-lo. Um filósofo, embora alertado sobre as consequências, decidiu voluntariamente que ele contaria ao rei a trágica notícia. "Vim trazer notícias de seu cavalo", anunciou, ao ser introduzido diante do rei.

- Como está meu cavalo? – perguntou Alexandre.

- Não tão bem quanto o senhor desejava – continuou o filósofo.

- O que, exatamente, isso quer dizer?

- Digo que, desde ontem, seu cavalo não come.

- O que mais?

- Também desde ontem, seu cavalo não se move.

Cada vez mais preocupado, Alexandre perguntou:

- O que mais?

- Desde ontem, também não respira.

- Então ele está morto! – esbravejou o jovem imperador.

- O senhor é quem está dizendo! – astutamente replicou o filósofo.

A veracidade da história pode ser questionada, visto que já a ouvi diversas vezes, porém nunca encontrei uma fonte escrita que a confirmasse. Talvez até tenha acontecido com outro rei. O fato é que a narrativa, embora se refira a um cavalo, faz uma descrição simplista do que é viver: comer, mover-se e respirar. Seria isso o que Deus planejou quando fez de Adão uma ‘alma vivente’?

Acredito que não. Acredito que viver é muito mais que comer, mover-se ou respirar. Não é possível imaginar como seria nosso período de vida neste mundo sem as emoções que sentimos, sem os relacionamentos gratificantes que marcam nossa história, sem a consciência da realidade que nos cerca e da capacidade de agir para modificá-la, sem as atividades que provocam alegria, sem os desafios que enfrentamos, sem as aprendizagens de cada dia. Há ainda o aspecto principal – a ligação com Deus, que nos dá o pleno sentido para a existência. Existir para comer, mover-se ou respirar pode ser vegetar, mas jamais viver em plenitude.

A morte recente da cantora Amy Winehouse, bem como o lamento de seus fãs, fazem-nos pensar no assunto de uma forma um pouco mais profunda. Afinal, o que pode ser mais lamentável: sua morte ou sua vida? Não quero dizer que se deve lamentar que uma pessoa viva ou desejar que morra, mas apenas refletir: podemos considerar vida, no sentido pleno, uma existência que se tornava suportável apenas através da fuga constante da realidade com o uso de drogas, legais ou ilegais? Podemos considerar vida a incapacidade de sentir prazer até mesmo nos momentos que supostamente deveriam ser agradáveis, nas viagens a lugares inebriantes, estadias em hotéis luxuosos, reconhecimento e aclamação pelo trabalho? Podemos considerar vida uma existência tão marcada pela necessidade de anestesiar-se que impede a pessoa de realizar o que mais ama e demonstrar o talento inquestionável?

Se, com empatia, formos capazes de olhar além de toda a polêmica causada, dos flashes que satisfaziam os paparazzi, de todo o alarde que causava na mídia, podemos ver um ser humano em dor emocional lacerante e constante, que necessitava de drogas psicotrópicas para anestesiar sua sensação de vazio e sofrimento. Amy comia (talvez não muito), movia-se (cada vez com menor coordenação) e respirava. Existia, porém não vivia.

E então, lamentamos por sua morte? Sem dúvida. Ela não estava nos planos do Criador para o ser humano, e se ela é contrária à Sua natureza, é contrária também à nossa. Esse é um sentimento plantado em nosso coração pelo próprio Deus. Entretanto, acredito que mais digna de lamentação é a constatação de uma existência que já não sabia o que era viver.

“Eu vim para que tenhais vida, e vida em abundância” (Jo 10:10). Esse é o plano dAquele que nos doou a vida. E diante de nossa incapacidade, como espécie decaída, de manter esse dom, Ele ainda “amou o mundo de tal maneira, que deu Seu filho Unigênito, para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha vida eterna” (Jo 3:16). Que diferença! Ao invés da existência, vida plena e eterna! Existir ou viver? Escolher Jesus é escolher a vida.

(Lilian Martins Larroca, professora e psicopedagoga)