quarta-feira, janeiro 30, 2013

Começando do zero

Como o Universo, o planeta Terra com toda a vida exuberante e os seres humanos vieram à existência? Essa pergunta ancestral é uma das mais importantes para o ser humano; deve ser feita por qualquer pessoa que tenha o mínimo de inclinação a indagações metafísicas.

No transcorrer dos séculos, o tema das origens ocupou as áreas mitológica, filosófica, teológica e científica, tornando-se assunto de grande interesse para a humanidade. Atualmente, quando vivenciamos um momento especial da História, a questão das origens assumiu proporções significativas, a ponto de causar um grande conflito de cosmovisões. No entanto, o problema central não se encontra em perguntar, mas em responder. A humanidade é unânime na pergunta, mas discordante na resposta. O questionamento é um só; porém, a resposta fragmenta-se em, pelo menos, três discursos principais e excludentes entre si: criação ex materia (da matéria), criação ex deo (extensão de um deus) e criação ex nihilo (do nada).   

O primeiro modelo de pensamento traz a visão materialista das origens ao defender que a matéria (ou energia física) é eterna. A criação ex materia (talvez criação seja um termo inadequado) engloba duas visões: a primeira, Deus criou (formou, construiu) a partir de matéria eterna e preexistente; a segunda, não havia Deus para criar, sendo o Universo sua própria causa. Esta última versão parece satisfazer as mentes ateísta e agnóstica, tendentes ao conceito de evolução. Reflete a Lei de Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”

A criação ex deo não deixa de ser interessante para muitas pessoas inclinadas ao misticismo panteísta. Tal visão, tão antiga e abrangente quanto a anterior, promove o conceito de que todo o Cosmos é uma emanação de certo deus, não se fazendo nenhuma distinção entre o criador e as coisas criadas. Nesse sentido, conforme Norman Geisler comenta, “o que chamamos de ‘matéria’ é ilusão, como um sonho ou uma miragem. [...] Há um Criador, mas não há criação. Ou, no mínimo, só podemos dizer que há uma criação pelo reconhecimento de que a criação vem de deus como um sonho vem de uma mente. O universo é apenas o que deus pensa”. 

Na terceira proposta - criação ex nihilo -, tudo o que existe proveio da palavra poderosa de um Deus pessoal, eterno e transcendente. Esse Ser não dependeu de matéria preexistente; Ele não é simplesmente um Formador, Arquiteto ou Construtor, mas o Originador e Produtor de toda a criação. No tocante a esse pensamento, li certa vez na internet um texto que eu poderia chamar de absurdo, elaborado por um anticriacionista. Em flagrante desrespeito às regras elementares de exegese e hermenêutica bíblicas, o autor ousou reelaborar o texto de Gênesis da seguinte forma: “E o Espírito de Deus pairava sobre a face do caos.” Na contramão do sentido explícito da Palavra de Deus (Rom. 4:17; Col. 1:16 e 17; Heb. 11:3), o autor distorce o segundo versículo do livro de Gênesis (e, por conseguinte, toda a Bíblia) para criar um subtexto estranho, num pretensioso exercício de superinterpretação. E o pior: tenta colocar a Bíblia contra si mesma! A conclusão a que o “intérprete” chega? As águas são “eternas”, não foram criadas e representam o caos primordial. Delas o próprio Deus poderia ter Se originado! Ou seja, sobrepõe-se a interpretação de certas culturas pagãs à história da criação bíblica, apenas para se tentar demonstrar que “aparentemente, nenhum sistema de pensamento mítico jamais defendeu realmente que o Universo foi criado, ou surgiu, a partir do Nada, nem mesmo o cristianismo. A dita creatio ex nihilo que muitos teólogos defendem pode não passar de um inacreditável mal entendido. [...] Não há creatio ex nihilo na Bíblia. O Universo foi criado a partir das Águas. A partir do CAOS” [em maiúsculas].

O objetivo estratégico do autor? Assemelhar o texto bíblico às narrativas mitológicas pagãs, na tentativa de desmontar a interpretação clássica, que reconhece a criação do nada pelo poder do Deus transcendente à matéria. Felizmente, não há endosso exegético para essa equivocada e esdrúxula interpretação.

Filosoficamente, a criação ex nihilo é a mais coerente das três propostas. Além disso, está solidamente estabelecida na Bíblia. E para os contestadores desse pensamento Norman Geisler explica mais uma vez: “O ditado ‘nada vem do nada’ não é absoluto. Significa que algo não pode ser causado por nada, não que nada não pode vir depois do nada. Isto é, algo pode ser criado do nada, mas não por nada. Deus fez o universo existir a partir da inexistência. Ex nihilo simplesmente denota movimento de um estado de nada para um estado de algo. Não implica que o nada é um estado de existência do qual Deus formou algo. Nada (além de Deus) é um estado de inexistência que precedeu o surgimento do Universo. Quando ateus e panteístas usam a preposição ex, eles querem dizer ‘de’ no sentido de uma causa material. Com ex um teísta quer dizer uma causa eficiente. O meio-dia vem ‘da manhã’, depois da manhã, mas não literalmente dela.” Criar do nada, portanto, é produzir, originar – concepção que só o teísmo judaico-cristão defende ao reconhecer, singularmente, o Deus revelado nas Escrituras.    

Da criação ex materia só posso extrair o secularismo, o relativismo, as filosofias do desespero, a ética situacional, a eliminação da metafísica e a ausência de Deus: tudo me leva ao vazio existencial e desemboca na morte. Da criação ex deo aparece um deus impessoal, deus-energia, sem personalidade, do qual procedem o bem e o mal presentes no mundo. Nessa visão, eu, a criatura, sou apenas uma ilusão ou, quando muito, um ser que se dissolverá no Todo. Não, não fico satisfeito com isso, pois “nenhum princípio intangível, nenhuma essência impessoal ou simples abstração poderia satisfazer às necessidades e anelos dos seres humanos nesta vida de lutas com o pecado, tristeza e dor. Não basta crermos na lei e na força, em coisas que não têm piedade ou nunca ouvem o brado por auxílio. Precisamos saber acerca de um braço todo-poderoso que nos manterá, e de um Amigo infinito que tem piedade de nós. Necessitamos de nos agarrar à mão aquecida pelo amor, confiar em um coração cheio de ternura. E efetivamente assim Deus Se revelou em sua Palavra” – é a conclusão a que chega certa autora cristã. É também a minha, ao rejeitar a criação ex deo.  

Por que prefiro a criação ex nihilo? Simplesmente porque ela me proporciona a melhor explicação não só para o problema das origens, mas também para a lei de causalidade e para o dilema da nossa existência neste mundo de dor e pecado. Indica-me um futuro esperançoso ao apontar para os prometidos “novos céus e nova terra”. Além do mais, a visão de Deus embutida nesse conceito é a única a satisfazer os anseios das pessoas que lutam tanto contra o mal externo quanto contra o mal intrínseco à sua natureza. E se, do nada, Deus foi capaz de criar o Universo inteiro e de formar um planeta tão lindo e maravilhoso, é do nada também que Ele cria em nós um novo coração, um novo mundo interior. O rei Davi, sabedor dessa verdade, passou pela experiência da recriação quando pediu a Deus: “Cria em mim, ó Deus um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável” (Sal. 51:10). Davi havia pecado gravemente e sabia que seu mundo interior estava um caos. Todavia, esse homem “segundo o coração de Deus” conhecia também o poder da palavra do Senhor. A seu pedido, Deus o refez nova criatura. Ex nihilo foi-lhe gerado um novo ser espiritual, conforme a imagem do Criador.

Há milhões de vidas caóticas neste planeta. Deus deseja pôr ordem e beleza em todas elas, começando do zero, se preciso for. Muitas pessoas se sentem como se fossem nada, vagando pela vida sem razão ou propósito, sem amor. A você apresento uma verdade tão segura quanto a origem dos céus e da Terra pela palavra divina; verdade consoladora que me chegou num momento muito difícil: “Quando a sua vida parecer estar cheia do nada, lembre-se de Deus; pois é do nada que tudo começa.”
      
(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe; com exclusividade para o blog Criacionismo.com.br)