Um
surto de sinceridade varreu a comunidade científica durante a semana passada.
Normalmente, os periódicos científicos exigem uma postura impessoal, linguagem
técnica e precisão absoluta para publicar um estudo. Por causa disso,
dificilmente captam o que acontece de verdade nos laboratórios. Os trabalhos
parecem ser feitos por seres geniais, incapazes de errar. Os cientistas, no
entanto, resolveram quebrar esse véu de silêncio e mostrar as verdadeiras
práticas por trás de suas pesquisas. No Twitter, eles criaram a hashtag
#overlyhonestmethods (métodos honestos demais, em inglês) e começaram a postar
mensagens revelando o que deveria estar escrito em muitas pesquisas científicas
se elas exigissem honestidade absoluta.
Tudo
começou com duas postagens de uma neurocientista e blogueira conhecida apenas
como @dr_leigh, publicadas na segunda feira. “Nós fizemos o experimento número
2 porque não sabíamos o que fazer com o resultado do experimento número 1
#overlyhonestmethods”, escreveu. Em seguida, postou: “A incubação durou
três dias porque esse é o tempo pelo qual o estudante esqueceu o experimento na
geladeira #overlyhonestmethods.” Como se fosse uma verdade há muito tempo presa
na garganta dos cientistas, o uso da hashtag explodiu, gerando milhares de
mensagens na rede social.
Com
isso, escancararam para o mundo o que antes era uma piada interna da comunidade
científica. Algumas das postagens brincavam com a própria linguagem usada nas
pesquisas, citando truques e macetes empregados para agradar os revisores e
chamar atenção para a pesquisa.
“Dois
dias para isolar a proteína, cinco semanas para pensar em um hilário nome de
duplo sentido para o gene.” @drugmonkeyblog
“Nós
usamos jargão em vez de inglês simples para provar que uma década de
pós-graduação e pós-doutorado nos tornou espertos.” @eperlste
Os
tuítes serviram para mostrar que o trabalho científico nem sempre acontece de
modo tão objetivo quanto o citado nos periódicos. Os experimentos, por exemplo,
podem ter resultados diferentes do esperado, e a hipótese inicial tem de ser
alterada. Os erros e os improvisos, muitas vezes, são mais importantes que os
acertos. No entanto, as publicações costumam tratar o cientista como se ele
tivesse domínio completo de todos os passos do experimento. “Ao publicar um
artigo queremos parecer controladores totais do universo. Mas às vezes é o
acaso que nos leva a descobrir algo que não estamos procurando”, diz Leandro
Tessler, professor do Instituto de Física da Unicamp.
“Queríamos
saber o que aconteceria se fizéssemos X, só pela diversão. Grande explosão! Nós
criamos a hipótese depois.” @BoraZ
“As
fatias foram deixadas em um banho de formol por mais de 48 horas, porque eu as
coloquei ali na sexta-feira e me recuso a trabalhar nos finais de semana.” @aechase
“As
amostras foram preparadas por nossos colegas do MIT. Nós assumimos que não
havia nenhuma contaminação porque, bem... eles são do MIT.” @paulcoxon
É
claro que nem todas as histórias citadas aconteceram de verdade, mas são
reveladoras das condições enfrentadas pelos pesquisadores em seu cotidiano. Os
tuítes foram sintomáticos da falta de dinheiro para pesquisa, dos equipamentos
defasados e do improviso generalizado – o que não impede o trabalho de ser
feito. “Mesmo em laboratórios muito ricos, às vezes é mais prático usar
material improvisado. As fitas dupla-face, por exemplo, são conhecidas como as
melhores amigas do cientista ótico, pois ajudam a montar as diversas partes dos
equipamentos”, diz Tessler.
“Nós
não lemos metade das pesquisas que citamos porque elas estão atrás de um paywall (sistema de assinatura de
algumas publicações científicas).” @devillesylvain
“Deveríamos
ter feito mais experimentos, mas nosso financiamento acabou e publicamos o
estudo mesmo assim.” @ScientistMags
“As
amostras de sangue foram giradas a apenas 1.500 rotações por minuto porque a
centrífuga fazia barulhos assustadores a velocidades maiores.” @benosaka
As
mensagens também foram reveladoras da personalidade de alguns pesquisadores. Em
vez de ser movidos pelos propósitos científicos mais nobres, eles também podem
ser guiados pela inveja, ambição e mesquinharia – como qualquer ser humano.
Isso acaba dificultando o trabalho em equipe.
“Nós
decidimos dividir o papel de autor principal do estudo porque essa é uma
decisão menos sanguinária do que duelar.” @eperlste
“Nós
não demos a referência para determinada informação porque ela vem de uma
pesquisa de nossos arquirrivais.” @AkshatRathi
“Eu
usei estudantes como objetos de pesquisa porque os ratos são caros e costumamos
ficar muito ligados a eles.” @oprfserious
Em
vez de depor contra o método científico, o fenômeno #overlyhonestmethods pode
ter ajudado o público a compreender o que, de fato, acontece nos laboratórios.
Segundo Tessler, a cultura popular cultiva uma imagem equivocada dos
pesquisadores. A ideia do cientista maluco, controlador, descabelado e genial
surge da própria maneira de se ensinar ciência nas escolas. “Ao ler alguns
livros didáticos de física, temos a impressão de que Isaac Newton formulou
todas as suas teorias logo após sentir a maçã caindo em sua cabeça”, afirma
Tessler.
Com
os tuítes, os cientistas mostraram que são pessoas comuns, passíveis de falhas,
atos de egoísmo e até donos de algum senso de humor. E essas características,
ao invés de atrapalhar, podem ajudar a chegar a novas descobertas científicas.
Não espere ver, porém, essa honestidade aparecer tão cedo nos periódicos
científicos.
“Os
cérebros foram removidos e dissecados, em média, em 58 segundos. Sabemos disso
com essa precisão por causa de uma competição em nosso laboratório.” @SciTriGrrl
“Não
sabemos como os resultados foram obtidos. O aluno de pós-doutorado que fez todo
o trabalho abandonou os estudos para abrir uma padaria.” @MrEpid
“Não
posso enviar os dados originais porque não me lembro o que significam os nomes
dos meus arquivos no Excel.” @mangoedwards
“Os
locais onde colhemos amostras coincidiram com resorts tropicais porque o
trabalho de campo não precisa ser somente lama e agonia.” @Myrmecos
“Os
dados usados estão velhos porque, no tempo entre escrever o trabalho e fazer a
revisão, eu tive um filho.” @researchremix
(Veja.com)