segunda-feira, janeiro 07, 2013

Hits sertanejos incentivam o consumo de álcool

Trabalhos acadêmicos em áreas diferentes do conhecimento, como Letras, Psiquiatria e Artes, ajudaram a diminuir em 2012 a escassez de estudos em universidades sobre o sertanejo universitário. Apesar de o rótulo musical ter surgido devido ao público de estudantes, ainda não é comum o tema chegar à mesa dos professores, dizem pesquisadoras em entrevistas ao G1. Dois desses estudos abordam a relação entre as letras do gênero musical e o consumo de álcool no Brasil, sob diferentes prismas: o do mestrado de Mariana Lioto, 25 anos, em Letras na Universidade Estadual do Oeste do Paraná e o da especialização em Dependência Química de Francismari Barbin, 37, na Universidade Federal de São Paulo. As pesquisadoras levaram a sério versos como “Tudo que eu quero ouvir: eu te amo e open bar”, de Michel Teló, e “É meu defeito, eu bebo mesmo”, de Fernando e Sorocaba. O trabalho de Mariana catalogou 243 letras de sertanejos que citam bebidas. Apesar de abordar mais hits atuais, os campeões de citações provam que o tema é recorrente na história do gênero: os veteranos João Carreiro & Capataz, com 19 letras sobre “bebedeira”, e os novos astros João Neto & Frederico, com 17. 


De 48 artistas famosos do gênero sertanejo estudados por Mariana, apenas sete não possuíam nenhuma música abordando a temática, e 85% das duplas abordam o assunto em pelo menos uma canção.  


Há outros estudos recentes sobre sertanejo, mas não o bastante, segundo elas. “Encontrei referências sobre a música sertaneja até a década de 80, mas o sertanejo universitário ainda é um fenômeno a ser estudado”, diz Mariana Lioto, que escreveu a dissertação “Felicidade engarrafada: Bebidas alcoólicas nas músicas sertanejas” (conheça o trabalho). Já para encontrar exemplos de letras de sertanejos sobre “bebedeira”, ela não teve dificuldade. 


“É meu defeito, eu bebo mesmo
Beijo mesmo, pego mesmo
E no outro dia nem me lembro.
É tenso demais!”
(Trecho de “É tenso”, de Fernando & Sorocaba - cena do clipe acima) 


“Acho que fui escolhida pelo tema”, diz a paranaense Mariana. “Em minha região a música sertaneja é muito forte, principalmente entre os mais jovens. Por ter problemas de alcoolismo na minha família, me incomodava o fato de a versão sobre o consumo de bebidas alcoólicas apresentado pelas músicas ser muito diferente da realidade que eu vivi desde a infância.” 


“Acredito que existe um embate de discursos. De um lado temos a esfera médica e religiosa dizendo que beber causa dependência, gera doenças, etc. É um discurso chato, difícil de conquistar adesão. De outro lado temos a música falando que beber te dá amigos, mulheres, sexo, acaba com todos os problemas”, diz. 


A tese do trabalho de Mariana é de que a música sertaneja não só reflete um comportamento já existente, mas ajuda a “naturalizar” e incentiva o hábito de beber, fazendo associações positivas com mulheres, festas, fuga do trabalho, e escondendo os efeitos negativos. [...] 


Francismari Barbi, psicóloga clínica, autora do trabalho “A influência das letras de música sertaneja no consumo de álcool”, diz que também teve dificuldade de achar referências sobre sertanejo. “Mas outros estudos comprovam a influencia relacional entre musica e consumo de alguma substancia psicoativa, ou mesmo a letras das musicas como forte influencia comportamental entre os jovens”, completa. 


“Eu queria um tema ainda pouco estudado no Brasil e ao mesmo tempo com importância clínica e sociocultural. A música possui um elo estreito e forte com a sociedade e a cultura vigente. Isso pode contribuir para que as pessoas associem bebida com diversão ou com a ‘cura’ de diversos problemas, principalmente quando é evidenciado esse apelo em suas letras”, explica a psicóloga. 


“Parece que a tarefa de mostrar o lado negativo da substância ficou basicamente a cargo dos técnicos de saúde”, é o lamento conclusivo de Francismari. 


“Meu Deus do céu, onde é que eu tô? / Alguém me explica, me ajuda por favor / Bebi demais na noite passada / Eu só me lembro do começo da balada [...] / Achei meu carro, dentro da piscina / E o celular no microondas da cozinha” (trecho de “Balada louca”, com Munhoz & Mariano e João Neto & Frederico). [...]