Fatores emocionais e sensoriais |
Quem
curte música provavelmente já se sentiu mais feliz ou mais triste depois de
ouvir certas canções. Mas o que talvez poucos tenham percebido é que a música
também pode afetar a nossa percepção do gosto de alimentos. Quem descobriu isso
foi David Wesley Silva em sua pesquisa para a dissertação de mestrado na
Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Ele constatou que
músicas romântica e clássica podem contribuir para ampliar o grau de aceitação
de um alimento, enquanto o rock e o
chorinho podem exercer efeito contrário. Para
o estudo, Silva, que é graduado em Música, mas tinha grande interesse em
nutrição e bioquímica, criou um minibolo especial que pudesse ser consumido por
celíacos, diabéticos, vegetarianos e outras pessoas preocupadas em manter uma
dieta mais saudável. Por isso, ele criou seis variações da receita; em algumas
delas, excluiu a farinha de trigo, o açúcar, o ovo e o leite; algumas vezes,
adicionava milho, biomassa (polpa de banana verde), edulcorantes (adoçantes:
sucralose e estévia), amêndoa e coco. Essas receitas foram provadas por um
grupo de 120 voluntários enquanto ouviam quatro gêneros musicais (rock, chorinho, música clássica e música
românica). Eles também tiveram que degustar o bolo sem ouvir música nenhuma,
como forma de controle.
Rock
e chorinho provocaram menor aceitação em determinados atributos do alimento por
parte dos provadores, e esse impacto variou entre as seis formulações
diferentes do minibolo. Silva explica:
“No caso do chorinho, nossa hipótese é de que ele
exerce esse tipo de influência por ser agitado e ao mesmo tempo nostálgico. No
caso do rock, há também a questão da agitação. Em comum, os dois gêneros
apresentam padrões rítmicos enfatizados sobre os outros elementos musicais
[melodia, harmonia, etc.], o que pode desviar a atenção do provador.
Relacionamos também estudos que apontam para uma atuação fisiológica no sistema
nervoso, o que pode influenciar a resposta sensorial.”
Já
a música romântica instrumental e a clássica colaboraram para a maior aceitação
dos minibolos. O autor diz que é preciso estudar o tema mais a fundo, mas sua
teoria é a seguinte:
“Esses gêneros tendem a acalmar as pessoas. Tal
relaxamento provavelmente causa maior disponibilidade nas pessoas para aceitar
o alimento. Outros estudos apontam para associação da música clássica a
conceitos de status social, autoestima e sofisticação. Sabemos que a
música produz variados efeitos físicos, psicológicos e emocionais, mesmo
cognitivos. De outro lado, as pessoas têm as suas preferências, associadas à
cultura e histórico de vida.”
Quem
ouviu música teve média de aceitação até 14,4% maior em comparação com aqueles
que não ouviram. Essa informação pode ser muito útil para restaurantes – ou
para quando você quiser impressionar alguém com seus dotes culinários!
Pesquisas
associando alimentos e música ainda estão em estágio inicial (o que torna o
estudo na Unicamp ainda mais bacana e vanguardista), mas existem várias
envolvendo outros tipos de sons. Ao Jornal
da Unicamp, Silva mencionou um estudo no qual voluntários degustaram um
sorvete de bacon e ovos (!). Quando os cientistas colocaram sons de pintinhos
durante essa degustação, as pessoas relataram ter sentido mais forte o gosto de
ovo. Quando tocaram um som de fritura, os provadores achavam que o sorvete
tinha mais sabor de bacon.
Outro
estudo usado como referência foi realizado pelo Laboratório de Pesquisa
Crossmodal da Universidade de Oxford, na Inglaterra. Em 2012, foram compostas
duas trilhas sonoras diferentes para acompanhar a degustação de alimentos: uma
com “elementos musicais doces” e outra com “elementos musicais amargos”. Quando
voluntários provavam o cinder toffe
(um doce de café e caramelo tradicional no país) ouvindo os “sons doces”, eles
acharam a sobremesa também mais doce. Quando ouviam o “som amargo”, comentavam
que tinham comido algo amargo.
Nota: Levando em conta que a música tem grande
efeito sensorial, emocional e psicológico, seria interessante alguém, no
contexto cristão, verificar cientificamente o efeito dos estilos musicais no culto
e na adoração a Deus. Será que alguns estilos predispõem à reflexão enquanto
outros levam ao emocionalismo vazio? Será que alguns promovem a alegria
reverente enquanto outros estimulam o êxtase irrefletido? Fica aí a dica para
uma pesquisa interessante. [MB]
Leia também: "O poder da música"