Antes de questionar a competência da seleção natural em dar conta dos estágios incipientes das estruturas úteis, [George Jackson] Mivart reconheceu seu poder explicativo na abertura do capítulo 2 do Genesis of Species, ao admitir que, sozinha, ela podia explicar três fatos da evolução orgânica: a manutenção, a extensão e o desenvolvimento posteriores das variações favoráveis. Tais variações seriam suficientemente consideráveis para serem úteis desde o início para o indivíduo que as possuía. Apesar de ter reconhecido essa possibilidade explicativa da evolução orgânica, Mivart considerava que a seleção natural falharia completamente na explicação de outros fatos da evolução orgânica, particularmente, a conservação e o desenvolvimento dos começos minúsculos e rudimentares, leves e infinitesimais das estruturas incipientes, específicas e genéricas, mesmo que essas estruturas pudessem se tornar úteis mais tarde.
Mivart chamou a atenção dos leitores introduzindo citações de alguns trechos que aparecem no livro On the variation of animals and plants under domestication (publicado em janeiro de 1868) de Darwin. Em tais trechos Darwin enfatizava a importância das variações espontâneas, leves, pequenas e imperceptíveis para o processo evolutivo: “Diferenças individuais leves, contudo, bastam para o trabalho [evolutivo orgânico], e são, provavelmente, as únicas diferenças que são eficientes na produção de novas espécies.
Nosso autor citou Darwin mais duas vezes: se as frequentes aparições súbitas das variedades domésticas ocorressem nas espécies naturais isso seria uma “falsa crença”, e que na sua obra Origin of Species, Darwin também observou que a Seleção Natural age somente pela preservação e acúmulo de pequenas modificações herdadas e que se a seleção natural fosse um princípio verdadeiro, ela baniria “a crença... de qualquer grande e súbita modificação na sua estrutura”.
De fato, Darwin atribuía pouca importância às variações súbitas que produziam novas espécies, que ele chamou de sports, tais como o aparecimento de uma nectarina em um pé de pessegueiro. Para Darwin, a evolução se dava principalmente através de um processo lento e gradual, pelo acúmulo de pequenas modificações sobre as quais agia a seleção natural, preservando as modificações que fossem úteis para o indivíduo.
(Enézio Eugênio de Almeida Filho: “A natureza das críticas de Mivart ao papel da seleção natural de Darwin na origem das espécies: uma reconsideração histórica da controvérsia” [Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Lilian Al-Chueyr Pereira Martins], São Paulo, 2008)