O Datafolha registrou ontem no TSE uma pesquisa, encomendada pela Folha e pela TV Globo, para o segundo turno da eleição presidencial, que ocorre no dia 31. Os questionários serão aplicados nos dias 7 e 8. Serão ouvidas 19.400 pessoas. O Datafolha quer saber as coisas de praxe: em quem o sujeito vai votar, em quem votou no primeiro turno, se o apoio de Lula a um candidato – e, agora, de Marina – altera a opinião do eleitor, a avaliação do governo Lula… Até aí, vá lá, embora haja o que dizer a respeito das questões acima – fica para o fim do texto. Vamos ao que é essencial: o Datafolha resolveu saber o peso que a questão do aborto teve no primeiro turno e terá no segundo. Huuummm… É uma curiosidade que nasce de uma tese. Também isso vai para o fim. Quero abordar o que considero uma exorbitância e, vênia máxima, talvez um servicinho prestado ao PT – involuntário, é claro. [...] Uma coisa é tentar saber se a opinião de um candidato sobre o aborto pode ou não interferir na escolha do eleitor; outra, bem diferente, é transformar pesquisa eleitoral num verdadeiro inquérito. É o que faz o datafolha. Querem ver?
P.17-18 - Pergunta a religião do entrevistado (evangélico pentecostal, não-pentecostal, umbanda, candomblé, espírita, católico, etc…);
p.19 - A Igreja orientou a NÃO votar em algum candidato? (mostra o cartão com os nomes);
P.20 - A pessoa mudou?;
P.21 - Se mudou, em qual dos candidatos deixou de votar (mostrar cartão);
P.22 - Diz qual é o estatuto do aborto legal e pergunta se a pessoa é favorável à lei, à ampliação dos casos de aborto legal, ao fim da criminalização do aborto, etc.;
P22ª - O entrevistado recebeu orientação para não votar naquele candidato da P.19 por causa do aborto?
Digamos, só digamos, que se constate que uma porcentagem relevante de eleitores recebeu, sim, a orientação de suas respectivas igrejas. E daí? A eventual confirmação dessa hipótese, com a indicação da confissão religiosa, exporá as igrejas e os religiosos – padres, pastores e outros – à pressão; no caso, é evidente que será à pressão oficial. Não sejamos hipócritas: embora, até agora, só a Igreja Universal do Reino de Deus tenha orientado seus fiéis a votar na candidata Dilma, é evidente que essa pesquisa tenta confirmar uma hipótese: foi a migração do voto evangélico que impediu a vitória de Dilma no primeiro turno.
O PT economiza um dinheirão. Poderia ele mesmo encomendar a algum instituto uma pesquisa como essa, não é mesmo? O Datafolha decidiu fazer de graça. É claro que isso pode ser, sim, matéria de interesse até sociológico – mas não durante o processo eleitoral. Nesse período, a divulgação desses dados pode servir de bússola de campanha a um único partido: o PT.
“E se a pesquisa constatar, Reinaldo, que isso não aconteceu?” Não muda o espírito da coisa. É evidente que se tenta buscar um “fenômeno” que explique a murchada da candidatura de Dilma Rousseff nos cinco ou seis dias finais do primeiro turno, num ritmo que não é lá muito usual, a menos que tenha acontecido, então, o tal evento excepcional ou que os institutos, os honestos, tenham andado errados durante um bom tempo.
E só para encerrar: Datafolha, Ibope e os demais precisam avaliar o governo Lula e a popularidade do presidente semana a semana, o que é repetido pelas TVs à exaustão? Isso já começa a ficar ridículo. Que variação se espera entre uma sexta-feira e outra?
(Reinaldo Azevedo)
Nota: O que mais incomoda nessa pesquisa não é necessariamente o agrupamento eclético do formulário que põe a Igreja Adventista no mesmo “balaio” que o Santo-Daime, por exemplo. Um problema sério, apontado apropriadamente pelo Reinaldo Azevedo, é este: “Digamos, só digamos, que se constate que uma porcentagem relevante de eleitores recebeu, sim, a orientação de suas respectivas igrejas. E daí? A eventual confirmação dessa hipótese, com a indicação da confissão religiosa, exporá as igrejas e os religiosos – padres, pastores e outros – à pressão; no caso, é evidente que será à pressão oficial.” O problema não será apenas a pressão antes do 2º turno, mas a possível retaliação posterior, mesmo que o PT não vença a eleição (ele cresceu muito no Congresso e no Senado). É esperar (já que não se pode fazer muito mais que isso) para ver.[MB]