sexta-feira, outubro 22, 2010

A opção pela amoralidade

O filósofo Joel Marks parece ser um homem honesto. Durante a maior parte de uma longa carreira, ele não teve nenhuma dificuldade em harmonizar seu ateísmo com o compromisso com uma filosofia moral essencialmente kantiana. Naturalmente, ele havia sido obrigado a ignorar a alegação de Kant de que Deus e a alma são postulados necessários da razão prática (que, francamente, sempre me pareceu algo de uma falha no vidro deontológico da segunda Crítica), mas, em outros aspectos, ele seguiu em grande parte o script de Kant. Ao longo dos últimos anos, porém, Marks passou por uma espécie de conversão, que o deixou, segundo ele, na curiosa posição de ter de “aprender a viver tudo de novo”. Como explica em um artigo na última edição do periódico Philosophy Now, ele demorou a perceber que, durante muito tempo, afadigou-se debaixo de uma ilusão, e que ele deveria ter analisado antes a hipótese de que existe o certo e o errado.

Para sua própria surpresa, ele agora concorda com todos os “fundamentalistas” que afirmam que, sem Deus, não pode haver moralidade. Sem um “comandante”, ao que parece, realmente é impossível existir qualquer norma moral. E assim, como um ateu convicto, Marks se vê compelido – apenas por honestidade intelectual – a “abraçar a amoralidade” [ausência de moral; não imoralidade, que viola os princípios da moral].

Ele afirma não ter simplesmente abandonado seus antigos princípios morais em troca do egoísmo predatório prudente; nem deixou a compaixão para se tornar adepto de um hedonismo mais bem elaborado (como Michel Onfray). Ele agora acredita que o que chamamos de moralidade é apenas o resíduo de processos evolutivos e que o “propósito” real dela é promover a sobrevivência da espécie. Mesmo assim, de acordo com ele, é possível escolher a compaixão, porque lhe agrada fazê-lo. Ele deu a essa teoria o nome de “desirismo”.

Dessa maneira, ele pode até tentar persuadir outros a adotar as causas que ama, tal como a bondade para com os animais, sem estar sujeito a obedecer à Verdade (misticamente escrito com inicial maiúscula). Tudo o que ele tem a fazer é se reconciliar com uma ética no modo condicional. [Leia mais]

(David B. Hart, filósofo cristão, contribui para o periódico First Things. Seu livro mais recente é Atheist Delusions: The Christian Revolution and Its Fashionable Enemies [Ilusões ateístas: a revolução cristã e seus inimigos da moda], Yale University Press, 2009)

Nota: O artigo de Joel Marks, “An Amoral Manifesto” [Um manifesto amoral] pode ser lido aqui.