terça-feira, outubro 26, 2010

Política e religião: um “namoro” perigoso

Qual a situação, força de atuação e influência que a religião tem sobre a política hoje?

A força é muito grande, não tanto da religião institucionalizada, como foi no passado e será no futuro, mas da religião popular. Os políticos, sabedores da força que a religião exerce sobre nações religiosas como o Brasil e os Estados Unidos, por exemplo, enveredam por esses temas tentando conquistar votos e apoio. Às vezes, até misturam temas que não são necessariamente religiosos, como aborto e ensino do criacionismo. Essa confusão e esse enfoque religioso trazem de novo a sombra ameaçadora da união entre Igreja e Estado. Essa união nunca foi boa e nunca será.

Por que os políticos de hoje em dia têm utilizado tanto a religião para atingir as grandes massas?

Políticos utilizam qualquer fonte de mobilização que estiver ao alcance deles. Pode ser a religião ou mesmo a identificação de um inimigo comum. Joseph Goebbels fez isso com terrível maestria nos tempos do nazismo, colocando muita gente em seu país contra judeus, negros e outras etnias. Goebbels se aproveitou do antissemitismo secular na Alemanha, agravado pelo ódio que Lutero promoveu contra os judeus ao perceber que eles não se converteriam em massa ao cristianismo. No caso do Brasil, país de maioria católica, é bastante vantajoso para os políticos e candidatos atrair para a arena política temas que envolvem fé e ética religiosa. Vencerá aquele que conseguir se identificar mais fortemente com as crenças do povo. Por isso é tão comum ver candidatos comparecendo a missas e a cultos religiosos nesta época de campanha eleitoral. Isso não é bom, pois o foco da discussão acaba sendo desviado das questões mais importantes num Estado laico, como educação, saúde e liberdade.

É importante que os cristãos participem da política?

Os cristãos devem ser sal da terra e luz do mundo, e creio que esse imperativo passa pelo exercício da cidadania. Votar faz parte disso. E se temos que votar, que o façamos com consciência e esclarecimento. Para o verdadeiro cristão, a solução definitiva de todos os problemas da humanidade é a volta de Jesus. Assim, o ponto mais importante a ser considerado nas propostas dos candidatos políticos é a postura deles com relação à liberdade religiosa e de expressão. Isso porque enquanto desfrutarmos dessa liberdade poderemos pregar sobre a vinda de Cristo e sobre as verdades bíblicas, sem nos esquecermos de que, evidentemente, enquanto estivermos neste mundo, temas como saúde, educação e justiça social devem ser tratados com muita seriedade.

Por que os cristãos devem participar da política?

Porque eles, talvez mais do quaisquer outras pessoas, devem ajudar a promover a ética e a honestidade em todas as esferas da sociedade. E devem não apenas fazer isso votando nos melhores candidatos possíveis, mas também cobrando deles depois de eleitos. Os profetas bíblicos anunciavam as verdades divinas, mas também denunciavam corajosamente os desmandos das autoridades, especialmente quando elas falhavam com os pobres e menos favorecidos. Isso deixava Deus triste, irado e inconformado, e deve nos entristecer e inconformar também.

Deixar de participar das decisões políticas não seria uma espécie de omissão ou conformismo?

Sem dúvida. E é bom lembrar que podemos pecar por ação e omissão. Como disse Edmund Burke: “Para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados.” O temor que muitos cristãos têm de se envolver com questões políticas possivelmente seja herança dos anabatistas, que dividiam a realidade em “coisas sagradas” e “coisas profanas”. Tudo que dizia respeito à política se encaixava no segundo caso.

Como explicar o poder que a política teve, através da igreja, para implantar movimentos tanto para o bem, como para o mal? Alguns exemplos: Inquisição, nazismo, fascismo, ditadura militar, etc.

Foi bom você ter dito “igreja” em lugar de “cristianismo”. Muita gente confunde as duas coisas. O verdadeiro cristianismo nunca assassinou ninguém. Nunca utilizou a violência e nunca fez concessões a poderes políticos para se favorecer disso. Pelo contrário, os verdadeiros cristãos sempre foram perseguidos e incompreendidos, pois entendem que o reino que almejam não é deste mundo e que devem prestar obediência e submissão, sobretudo a Deus. Igrejas sedentas de poder humano é que firmaram alianças espúrias que acabaram trazendo perseguição e morte a muitas pessoas. Com o poder estatal nas mãos, a igreja medieval condenou muitas pessoas à fogueira. E, quando se aliou a regimes como o fascismo, ela fez vistas grossas à crueldade e à injustiça. Claro que não devemos nos esquecer de que regimes ateus, como o da ex-União Soviética, levaram à morte muito mais pessoas do que a Inquisição e as Cruzadas juntas. Isso é mais uma prova de que o Estado deve ser laico (nem religioso, nem ateu); e que deve manter as liberdades de culto e de expressão, para que a democracia seja garantida.

(Entrevista concedida pelo jornalista Michelson Borges à rádio Novo Tempo)