segunda-feira, maio 07, 2012

Para neurocientista, Jesus era esquizofrênico

O mais renomado cientista brasileiro da atualidade, Miguel Nicolelis, vive entre Brasil, Estados Unidos e Suíça. Às vezes, completa essa triangulação em uma semana e nem sabe em que fuso horário está. Mas isso não o incomoda. Com projetos nos três países, o neurocientista paulista, fanático pelo Palmeiras, tem a ambição de fazer um adolescente brasileiro tetraplégico dar o pontapé inicial na abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Para isso, usará uma veste robótica controlada pela força do pensamento. Desvendar a possível interação cérebro- máquina é um dos grandes desafios de Nicolelis, referência na pesquisa com próteses neurais, cujo trabalho integra a lista das “Dez Tecnologias que Vão Mudar o Mundo”, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Professor de neuroengenharia da Universidade Duke (EUA), tem projetos educacionais igualmente ambiciosos no Brasil. [...] Uma amostra das ideias de Nicolelis está no livro Muito Além do Nosso Eu [...] e nesta entrevista. [Leia alguns trechos abaixo, com meus comentários entre colchetes. - MB:]

[Esquizofrenia] é um processo químico?

Entre outras coisas. No frigir dos ovos, tudo se resume a uma mudança de balanço de neurotransmissor e de atividade elétrica do cérebro. A gente percebe que são pequenas variações que levam você a ouvir vozes, ter delírios. Nos dias de hoje, aliás, a humanidade curiosamente é dominada por três esquizofrênicos que ouviam vozes, olhavam para o céu e achavam que alguém estava falando com eles.

Quem são?

Jesus Cristo, Maomé e Abraão. Muito provavelmente os três precisavam de haldol (medicamento para esquizofrenia). É arbitrária qualquer classificação que defina as bordas da normalidade. Cada vez mais a intolerância e o preconceito esculpem essa borda com seus interesses próprios ideológicos e políticos. Quando você vê o cérebro por dentro e começa a entender o que acontece, percebe como é fácil ir de um lado para outro. [Dizer que era esquizofrênico o Homem que mais marcou a história e que deixou os ensinamentos mais profundos já conhecidos é, no mínimo, grande desconhecimento de causa. A autoridade de Nicolelis em sua área de atuação é indiscutível, mas ele comete um erro muito comum entre cientistas, o de se achar apto a opinar sobre qualquer tema.]

Você falou de três símbolos religiosos. Você é ateu?

Sim, mas acho que a religião faz parte do sistema nervoso. Como o cérebro é um simulador da realidade, ele cria um modelo e uma ilusão de realidade para cada um de nós. Ele precisa de uma história: De onde viemos? Como começou o Universo? [É a típica “explicação” evolucionista para a existência da religião, ou seja, se não pode vencê-la, “sequestre-a” e explique-a segundo sua filosofia. Como o ser humano é religioso desde sua origem e a religião parece longe de ser abandonada, os darwinistas tiveram que buscar uma “explicação” para esse fenômeno, e passaram a afirmar que a fé é, também, fruto de seleção natural. Alguns de nossos supostos ancestrais começaram a crer em algo (talvez numa bola Wilson) e isso lhes foi benéfico (será que já havia endorfinas nesse suposto tempo remoto?). Pronto. Característica vantajosa, acabou selecionada. E a fé está aí até hoje.]

Materialista ou religiosa?

Exatamente. Os pigmeus africanos acham que a gente saiu do céu, que havia uma corda e eles foram descendo. Toda cultura tem uma história [ou toda cultura tem um resquício histórico de crença em Deus no Céu]. O problema é que algumas são excludentes e prejudiciais ao bom convívio da espécie, na medida em que elegem os eleitos e os não eleitos [a religião, infelizmente, também pode ser perniciosa]. [...]

Há energia no cérebro?

Ele tem um campo elétrico e magnético, mas muito pequeno. Não tem como um sinal sair do cérebro, passar pelo crânio e ir da minha cabeça para a sua. É impossível! Mas você pode registrar esses sinais, transmiti-los artificialmente - como a gente já faz - e mandá-los para uma máquina ou, em teoria, para outro cérebro. É nisso que estamos trabalhando. [Curiosamente, uma mulher sem educação formal, em meados do século 19, escreveu sobre eletricidade no cérebro (cf. Conselhos Sobre Saúde, p. 182). Ninguém sabia disso, até então. Teria ela também ouvido vozes?] [...]

Máquina humanizada...

Isso é uma barbaridade científica. Não há nenhum computador que tenha a chance de reproduzir atributos humanos. Isso é pura balela, propaganda ideológica. É uma visão capitalista, de que você não vale nada e pode ser substituído por um robô. A máquina consegue executar movimentos repetitivos. Não consegue escrever poesia, pintar como Picasso, tomar decisões baseadas na natureza humana. Todas as características que fazem a gente ser como é resultam de processos extremamente complexos no cérebro e são fenômenos não computáveis. [Máquinas exigem tremendo design inteligente, muita informação e grandes investimentos. Nicolelis admite a quase infinita superioridade humana sobre as máquinas, mas não crê em Deus, sendo, portanto naturalista/darwinista. Vai entender...]

Isso define o limite da tecnologia?

Claro, ela é uma expressão da nossa capacidade criativa. Por isso são tão interessantes esses achados neurofisiológicos recentes, que mostram que todas as ferramentas que criamos são assimiladas pelo cérebro como uma extensão do nosso corpo: mouse, caneta, raquete de tênis, bola, carro, bicicleta. O cérebro cria a ilusão do que o nosso corpo é. E tudo o que a gente experimenta é uma ilusão; é um modelo do mundo.

Tudo é ilusão?

Sim. Se seu cérebro fosse diferente, você ia ver o mundo diferente. A sua história de vida foi diferente da minha; nós dois olhamos uma rosa vermelha e ela evoca memórias peculiares em cada um. Até recentemente a gente achava que a sua experiência e a minha, ao olhar uma coisa assim, era a mesma. Hoje a gente sabe que não é: o cérebro tem uma opinião. Esse ponto de vista foi construído ao longo da sua vida e da minha e ao longo da nossa espécie do ponto de vista evolutivo. Nosso cérebro vai ter um papel cada vez mais relevante na ampliação do nosso alcance como espécie. O nosso corpo vai perder relevância. [Se é assim, por que devo confiar nas conclusões a que meu cérebro chega? Ou nas conclusões a que qualquer cérebro chega? Por que devo aceitar a opinião subjetiva de um ateu em detrimento da de um teísta, se tudo é ilusório e resultado de nossa “história de vida”?] [...]

Como você cuida dos neurônios?

Pensando. Desafiando a mente a pensar em coisas a que não estou habituado. É como um exercício físico.

Não cansa?

Demais. Tem dias que o esforço é tanto que eu capoto e acordo no outro. Estou ligado o tempo inteiro. Para mim isso não é trabalho, é prazer. [...]

Isso prejudica o Brasil?

A ciência brasileira é muito provinciana. A academia de ciências também, e a maneira de financiar é cartorial. Nosso modelo é um dos mais perniciosos para um jovem cientista penetrar. Os sujeitos mais seniores dominam tudo e se você não tem um padrinho não consegue nada, porque é clube fechado. Nos Estados Unidos é o contrário: as possibilidades de financiamento para os jovens são garantidas de forma a assegurar uma renovação contínua de talentos. Aqui, o negócio é manter o status quo. [Mas os americanos não são considerados retrógrados por certos cientistas tupiniquins, justamente pelo fato de que grande parcela daquela população crê na Bíblia? A religião cristã não seria fator de atraso? Pelo jeito, não.]

[Com todo respeito à genialidade de Nicolelis, essa entrevista deixa mais uma vez evidente que uma coisa é o conhecimento técnico de uma pessoa, outra são suas subjetividades. A excelência numa área não autoriza todos os comentários dessa pessoa com respeito a outras áreas, especialmente no que diz respeito a temas religiosos/filosóficos. – MB]