segunda-feira, maio 07, 2012

Geneticistas e biólogos querem blindar Darwin

Primeiramente veio a notícia de que a Academia Brasileira de Ciências (ABC) publicou, em março, uma carta repudiando a divulgação de conceitos criacionistas. Agora, um grupo de cientistas está propondo à Universidade de São Paulo (USP) a criação de um Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP) sobre Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica, que ajudaria a preservar a biologia de questionamentos que, de acordo com eles, não são feitos com base em argumentos científicos, e sim pressupostos religiosos [clique aqui]. A discussão não é novidade. Em 2005, a Sociedade Brasileira de Genética já havia se manifestado formalmente contra o criacionismo. De lá para cá, o assunto voltou à tona algumas vezes, de modo que há dois meses militantes da genética no Brasil, membros da ABC, decidiram expor oficialmente o sentimento de afronta pela “divulgação de conceitos sem fundamentação científica por pesquisadores de reconhecido saber em outras áreas da Ciência”.

O pesquisador de saber reconhecido em questão é Marcos Eberlin, bioquímico da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da ABC. Com um currículo respeitável em sua área, a espectrometria da massa, Eberlin é notório defensor da Teoria do Design Inteligente (TDI). “Quando venho para a Unicamp deixo minha filosofia em casa. Não somos o bispo Macedo nem o [ex-presidente dos EUA, George W.] Bush”, afirma Eberlin. Ele dissocia o chamado DI do criacionismo, afirmando que o primeiro não parte de nenhum pressuposto ideológico ou filosófico, enquanto o segundo parte da ideia de que existe um deus e que a ciência deve buscar evidências dele.

“Acharam esse nome bonito de design inteligente, mas no fundo é o criacionismo e são pessoas com criticas que procuram fazer contraposição a Darwin. Se apresentam como ciência para tenta discutir”, opina o biólogo e biologista molecular Samuel Goldenberg, um dos articuladores da carta da ABC. [O esforço para associar DI a criacionismo tem como objetivo impedir a discussão. Se fazem parecer que DI é religião, acabam com o debate científico e blindam o darwinismo. Lamentável! – MB]

De acordo com Goldenberg, a possibilidade de debate científico nem é considerada. “Não estamos nem contrapondo nenhuma ideia contra criacionismo, não vamos entrar nesse tipo de discussão, porque é estéril. Nossa preocupação foi o envolvimento da ABC, porque ela tem um peso muito grande. São acadêmicos de outra área, é como se eu dissesse agora que a Teoria da Relatividade está errada, sem entender nada de física”, argumenta. [É bom lembrar que Darwin não era biólogo, era teólogo...]

“Ele fala da Academia no site dele e parece indicar, embora não fique explícito, que a ABC estaria apoiando o criacionismo”, reforça o geneticista Francisco Salzano, pesquisador e professor da UFRG e também acadêmico. “Não há intenção de entrar em polêmica com ele porque isso poderia até ser contraproducente, mas achamos que não se poderia deixar em branco. Essa foi a razão de fazer uma manifestação bem geral sobre o assunto”, esclarece.

“Quando defendo a TDI, meus argumentos são científicos, acadêmicos e racionais, não misturam teologia nem filosofia. O grande problema é que a questão tem implicações teológicas e filosóficas fortíssimas”, pondera Eberlin, acrescentando que os cientistas têm “uma obrigação, que não é nem opção, de questionar e debater teorias. E o evolucionismo é uma delas”. Em suas palestras (uma delas já teve mais de 100 mil downloads na internet), o químico, que é evangélico e afirma conhecer “um pouco” das ciências biológicas, assegura que, do ponto de vista molecular, seria impossível evoluir como no darwinismo.

Para o design inteligente, a vida não se desenvolveu no planeta de forma natural, mas teria sido projetada por uma “mente” criadora, que poderia ou não ser o deus criacionista. A grande maioria dos cientistas acha que o nome design inteligente foi apenas uma manobra conceitual para continuar pregando o mesmo [manobra é dizer que DI é criacionismo e, por isso, indigno de dividir espaço de debate com o darwinismo]. A ideia do DI abarca diversos pensamentos (inclusive com defensores do darwinismo) e participantes de diferentes religiões (“e até ateus”, assegura Eberlin). “Minha única regra é seguir o que os dados me dizem”, pontua.

Goldenberg conta que a preocupação também gira em torno do fato de que um país como o Brasil, “que deveria ser laico, onde existe uma profusão de religiões e seitas e onde existe uma massa importante com pouca cultura”, seria propício para que acontecesse algo parecido ao que se propôs nos Estados Unidos, “onde a cada aula de genética dada seria necessário dar uma de criacionismo também” [mais uma vez confundem laicismo com ateísmo/naturalismo filosófico. O Estado laico pressupõe a saudável separação entre igreja e Estado e a mais saudável ainda garantia de liberdade de expressão]. “Não adianta, não são coisas que se podem contrapor, um é seita, religião, e o outro é ciência”, sentencia. [Numa só palavra: absurdo!]

O químico reclama do “rótulo” de religião e de ser chamado de “obscurantista e medieval” e acusa os cientistas de usarem “a força de um paradigma e o establishment acadêmico”. “Darwin hoje jamais defenderia sua teoria, tenho certeza absoluta disso”, assegura Eberlin, em uma declaração que arrepiaria geneticistas. [Sim, porque Darwin era menos darwinistas do que seus defensores ultradarwinistas de hoje. Em seu tempo, o naturalista não contava com os potentes microscópios de hoje, nem com os conhecimentos em bioquímica e biologia molecular que nos fizeram abrir a caixa-preta chamada célula. – MB]

(Clarissa Vasconcellos, Jornal da Ciência)

Nota: A atitude desses geneticistas e biólogos é bem diferente da do biólogo evolucionista James Shapiro, entre outros de mente aberta.[MB]