Há exatamente um ano, uma avezinha apareceu no portão da nossa casa. Era uma calopsita e estava perdida. Imediatamente a levamos para dentro, demos-lhe água e comida. Para minhas filhas, foi amor à primeira vista – e para mim também, que sempre quis ter um animal desse tipo, fosse papagaio ou calopsita. A avezinha era mansa e muita bonitinha, com suas penas cinza-claro e cabeça branca, lembrando uma miniatura de águia. Disse para minhas filhas que era possível que alguém a tivesse perdido e que certamente deveria estar muito triste. Por isso, decidimos bater de porta em porta nas casas do nosso bairro para saber se alguém havia perdido um bichinho de estimação. À medida que recebíamos “não” como resposta, crescia em nosso coração o desejo de poder adotar a calopsita, até que, numa das casas, a esperança foi por terra. “Nossa calopsita fugiu e meu filho está muito triste”, disse o homem. Pegamos a calopsita, mostramos ao vizinho e ele disse que era dele mesmo.
Enquanto caminhávamos para casa, disse a minhas filhas que havíamos feito a coisa certa, que aquele menino ficaria muito feliz por ter reencontrado seu animalzinho, etc. Mas o desapontamento era inevitável.
Dali meia-hora, o pai do menino bateu à nossa porta. Ele estava com a calopsita e me disse, constrangido: “Você foi honesto comigo e tenho que ser honesto com você... A calopsita não é nossa. Fique com ela.” Apertou minha mão e foi embora.
Reuni minhas filhas e, com a calopsita no ombro, disse-lhes que nossa honestidade havia impressionado aquele homem. Que sempre é importante falar a verdade. Que Deus nos havia recompensado por termos feito a coisa certa. Essa foi a lição número 1.
Durante um ano, a calopsita (que passamos a chamar de Psita) nos deu muitas alegrias. Ela e nossa cachorrinha Laila aprenderam a conviver bem. Viajou conosco para alguns lugares e gostava muito de ficar sobre o banco do carro, observando a paisagem passar depressa. Cortei um galho de árvore e coloquei em nosso quintal. Ela gostava de ficar ali observando os pardais que “roubam” ração da nossa cachorrinha. Comprei uma gaiola para ela dormir e uma papagaieira para ela passar o dia – mas ela gostava mesmo era de ficar em nosso ombro, bicando-nos delicadamente a orelha e assobiando. O apego era tão grande que, quando não havia ninguém no local em que ela estava, a Psita literalmente gritava pedindo companhia.
A lição número 2 apenas foi reforçada em nosso coração: os animais são nossos amigos e se apegam a nós com profundos laços de amor.
Mas terça-feira, 25, foi um dia muito triste para minha família. No meio da manhã, recebi uma ligação da minha esposa contando a tragédia: a Psita havia morrido nas mãos dela, depois de um triste acidente. Minhas filhas estavam inconsoláveis. Após o almoço, fui para casa cuidar das minhas meninas. A Gi e eu fomos até um local à beira de um riacho (a Débora ficou com a Marcella, que preferiu não ir) e sepultamos a calopsita que tanto amávamos. Depois, fiz uma oração em lágrimas, abraçado à minha filha. Agradeci a Deus os bons momentos que tivemos com nossa avezinha e pedi que Jesus logo venha para terminar com toda dor; toda perda.
Para mim, foi como voltar no tempo. Lembrei-me da dor que senti quando perdi meus animaizinhos de estimação: os cãezinhos Veludo, Rinti, Scooby e Goober, além de passarinhos que meu avô me dava. Como era triste ver sem vida aqueles amigos que tantas alegrias nos davam. Como era triste ver a vida se esvaindo de seus olhinhos – a mesma cena que apertou o coração da minha esposa enquanto segurava a Psita junto ao peito.
Mundo difícil este. É preciso permitir que os filhos sofram para criar “calos espirituais” ao mesmo tempo em que o que mais queremos é pegá-los no colo e protegê-los de toda dor. Imagino o que o Pai sente... Imagino o que o Pai sentiu ao ver Seu Filho na cruz e “não poder fazer nada”, ainda que pudesse.
E esta foi a lição número 3 que aprendemos com nossa Psita: nesta vida, tudo é passageiro e vivemos a dicotomia de um mundo que nos oferece momentos de felicidade para depois nos arrancar dos lábios o sorriso – por isso mesmo devemos olhar para o alto em busca de esperança.
Um amigo querido enviou a seguinte mensagem para minha filha: “Eu sei que você vai sentir saudades de sua calopsita. Mas sentir saudades, Gi, é uma coisa muito boa. Sentir saudades é desejar ardentemente fazer presença grandes ausências. Todas as vezes que os cristãos celebram a ceia do Senhor, eles estão declarando esse ardente desejo: fazer presença a grande ausência física de Jesus. Agora eu entendo por que eles cantavam Maranatha – ora vem, Senhor Jesus, e por que Ele vai um dia enxugar todas as nossas lágrimas...”
Algo que o professor Azenilto Brito escreveu tempos atrás também me conforta: “Gosto de pensar que Deus poderá ter uma surpresinha para os Seus filhos. Ele fará voltar à vida esses animais que nos fizeram felizes e a quem amamos e dos quais cuidamos com carinho nesta vida, para serem nossos ‘pets’ na Nova Terra. Isso serve como incentivo adicional para me qualificar, pela divina graça, a estar ali nesse mundo renovado, onde os animais serão nossos companheiros por tempos de duração eterna” (“Quando se ama uma criaturinha de Deus”).
Fiz um papel de parede com a foto da Psita e duas “amiguinhas” dela. Confira aqui.
Michelson Borges