sexta-feira, maio 07, 2010

Papai Noel não existe?

Nos comentários a um dos artigos que escrevi para o Observatório da Imprensa tempos atrás, me deparei com este, do analista de sistemas Julio Prático Souza, que me chamou a atenção: “Michelson Borges, ótimo texto, mas infelizmente ele não será compreendido. Os seguidores de Schwartsman são como crianças de 11 anos que descobriram que Papai Noel não existe. Elas aproveitam para zoar os menores que ainda acreditam. Só que essa criança de 11 anos, espertinha, não sabe que o Papai Noel é inspirado em um personagem real, que por trás da história de São Nicolau está estampada a caridade, o amor e cuidado com as crianças. O espertinho de 11 anos nem ao menos entende o esforço que o seu pai faz para lhe comprar um presente e manter o lúdico vivo na sua vida, para que sua vida não se torne tão fria e sem graça tão cedo. Bom, eles não vão entender meu exemplo também, eles são péssimos com metáforas...”

Raramente tenho tempo para ler esses comentários que se estendem ad nauseam depois que um artigo sobre teísmo ou criacionismo é publicado em certos sites e blogs. Mas, quando me deparei com esse de Souza, foi inevitável pensar na atitude de ateus ultradarwinistas como Richard Dawkins e Cia. Em seus livros, Dawkins costuma bater num espantalho a quem chama de Deus. Dawkins afirma que Deus não existe, mas odeia Deus! O Deus de Dawkins é mau e leva os pecadores para um mítico inferno de fogo eterno. Dawkins condena todas as religiões pelo fato de ter havido barbaridades como a Inquisição e estar havendo atrocidades como atentados terroristas. Tomando a parte pelo todo, Dawkins sugere que todo religioso é um torturador ou assassino em potencial.

O que Dawkins e seus seguidores fazem é trombetear que Papai Noel não existe (e não existe mesmo) passando por alto o fato de que São Nicolau (esse sim) existiu. Afirmam que o Deus tirano (estereotipado graças à má compreensão da Bíblia e da cultura judaico-cristã) não deve existir (não pode existir), ao passo que se recusam a conferir o benefício da dúvida àqueles que sustentam que existe um Deus justo e amoroso, além de todo-poderoso, capaz de dar uma boa explicação para aquelas questões que nos parecem incompreensíveis – como a existência do mal e da morte, por exemplo. É como disse Millor Fernandes: “Os ateus têm um deus em que nem eles acreditam.”

O problema é este: acreditar num deus que não existe – e otras cositas más, que também não existem. No artigo “Fé na verdade”, o filósofo ateu Daniel Dennett escreve que “os cientistas têm fé na verdade, mas não uma fé cega. Não é como a fé que os pais têm na honestidade dos filhos, ou a fé que os adeptos desportivos têm na capacidade dos seus heróis para ganhar. É antes como a fé que qualquer pessoa pode ter num resultado a que vários grupos de pessoas chegaram de forma independente”.

Com respeito à ciência experimental, a ideia acima está perfeita. Mas quem disse que o naturalismo filosófico e as ciências históricas contam com dados e resultados testáveis? E quem disse que a fé cristã é “cega” e sem fundamento racional? Será que Dennett acredita em Papai Noel?

Mais à frente, o filósofo acaba misturando crença com realidade objetiva, ao comparar três eventos e afirmar que “são verdades sobre acontecimentos que ocorreram de fato”:

1. A vida surgiu neste planeta há mais de três bilhões de anos.
2. O Holocausto aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial.
3. Jack Ruby disparou contra Lee Harvey Oswald às 11h21 (hora de Dallas), no dia 24 de novembro de 1963.

Obviamente que os itens 2 e 3 podem ser forense e documentalmente provados. Há evidências reais. Mas e o Papai Noel do item 1? Evidentemente que a história real existe: a vida “surgiu” neste planeta algum tempo atrás (Nicolau). Mas quem disse que ela simplesmente “surgiu” e que foi efetivamente há três bilhões de anos (Noel), conforme pressupõe o modelo evolucionista?

Dennett depois arremata: “As pessoas não querem muitas vezes saber a verdade. [...] Elas sabem que a verdade está aí, para ser evitada ou abraçada, e sabem que a verdade é importante. É por isso que elas podem muito bem não querer saber a verdade [isso é dissonância cognitiva]. Porque a verdade pode magoar [como descobrir que Papai Noel não existe].”

Naturalistas e teístas têm seus Papais Noeis, aos quais sabem que devem abraçar ou rejeitar. O problema é quando acabam jogando o bebê fora com a água suja do banho. Naturalistas e teístas possuem aspectos factuais da realidade e elementos míticos que precisam ser descartados. Como distinguir entre uma coisa e outra? Seguindo as evidências, levem aonde levar. Abrindo a mente (sem deixar cair o cérebro) para ideias diferentes e para o contraditório. Só assim poderemos saber o que é Papai Noel e o que é São Nicolau.

Mas lembre-se: Papai Noel e o Deus de Dawkins não existem. No entanto, Nicolau e Jesus de Nazaré caminharam neste mundo.

Michelson Borges

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