A revista Veja desta semana ajudou a dimunuir o entusiasmo dos jornalistas sensacionalistas que anunciaram a criação de "vida sintética" em laboratório. Na matéria "Eles ainda não são deuses", a semanal explica: "O extraordinário anúncio de Craig Venter exige uma explicação que, para ser bem clara, deve começar pelo que a pesquisa com o genoma do Mycoplasma mycoides não é:
"Ela não é a criação artificial da vida, nem a criação de vida artificial. Isso significa que Venter não partiu de matéria inanimada e com ela produziu um ser vivo. Tampouco produziu um ser com base em alguma química vital misteriosa desconhecida da ciência.
"Não é a criação de célula ou bactéria sintéticas. A equipe americana conseguiu, sim, desenhar, sintetizar e montar o genoma de uma bactéria e inserir esse material em uma bactéria diferente. O genoma é o conjunto completo do material hereditário que a maioria dos seres vivos carrega e utiliza para produzir descendentes da mesma espécie. Portanto, não houve a criação sintética de um organismo vivo completo, mas apenas de seu núcleo genético.
"Não é a invenção de um novo genoma. Venter e equipe recriaram um genoma que já existe na natureza. A metáfora mais clara e obrigatória é com alguém que desmonta um relógio, depois remonta as peças, instala o conjunto em um estojo diferente e o mecanismo volta a funcionar normalmente. Ainda assim, para fazer o mecanismo genético sintético funcionar na nova célula a equipe americana precisou enxertar sua criação com DNA natural da célula receptora.
"Não é o maior avanço genético de todos os tempos. O título fica ainda com Crick e Watson, pais da biologia molecular. Craig Venter levaria o título se tivesse criado o primeiro ser vivo artificial, sem um antepassado, portanto, a partir de matéria inanimada. Isso ainda é privilégio da natureza. Continua de pé o repto lançado por Charles Darwin, pai da teoria da evolução, morto em 1882, segundo o qual todo o seu trabalho poderia ser jogado na lata de lixo se lhe apontassem um 'único ser vivo que não tivesse um antepassado'."
É preciso dar os parabéns à revista pelo contraponto. Mas não dá pra elogiar muito. Nas páginas amarelas dessa mesma edição, Veja publicou entrevista com o professor Jared Diamond, que defende a democracia como requisito indispensável para o progresso. Mas o mesmo Jared faz uma afirmação não muito democrática: "Não é possível ser biólogo, nem mesmo um bom médico, se você não acredita na evolução." O que dizer do Dr. Ben Carson, adventista e criacionista? E o Dr. Ariel Roth, autor de vários livros e ex-pesquisador do Geoscience Research Institute? Negar que existam bons cientistas criacionistas é igualmente um tipo de fundamentalismo.
Jared também associa (e sabemos que Veja endossa isso) o "anti-intelectualismo americano" e o "fundamentalismo evangélico". É a velha atitude arrogante daqueles que pensam que as pessoas que seguem a Bíblia e se pautam por ela não podem ser pensantes. É a contradição dos que sustentam a necessidade de pluralismo e mente aberta, desde que "não me venham com cristianismo bíblico".
Parece que o jornalismo de Veja é pé no chão, mas pisa com salto alto.[MB]