Um grupo de muçulmanos cercou, na noite de sábado, uma igreja cristã no bairro de Imbaba, no Cairo. A ação deu início a um conflito que resultou na morte de 12 pessoas; há pelo menos 220 pessoas feridas. Dois templos foram incendiados. A imprensa “islamicamente correta” – o “politicamente correto” de turbante – tem tratado a questão como “confronto entre cristãos e muçulmanos”. Errado! Desde a chamada “revolução democrática”, a minoria cristã copta, 10% da população, tem sido implacavelmente perseguida pelas mais variadas correntes muçulmanas. Invasão e destruição de igrejas e casas de cristãos mereceram senão pequenas notas na imprensa, como se fossem casos isolados. Não são. A ocorrência do sábado teria sido provocada por um grupo de militantes salafistas, corrente extremista do Islã que tem ganhado vulto depois da queda de Mubarak. A intolerância religiosa é crescente. Esses eventos expõem o caráter da chamada “revolução democrática” no Egito.
No fim de maio, Duda Teixeira, da Veja, entrevistou Esam El-Eriam, porta-voz da Irmandade Muçulmana no Egito. Leia quatro perguntas e quatro respostas:
Que opinião o senhor tem a respeito das brigas recentes entre muçulmanos e cristãos coptas?
Isso é a contrarrevolução.
Eu e meu fotógrafo viajamos até Soul, onde uma igreja e casas de cristãos foram incendiadas. Os moradores muçulmanos nos impediram de entrar na vila, acusaram-nos de ser espiões estrangeiros e nos ameaçaram… Parece-me improvável que estivessem a serviço de americanos e israelenses.
Se quiser, posso dar o telefone de uma pessoa na vila de Soul para acompanhá-los em segurança.
Quem está ateando fogo às igrejas?
O pessoal do Partido Nacional Democrático (de Mubarak), os agentes da segurança de estado e os criminosos. Estou triste porque bispos e o papa Shenouda III (da Igreja Ortodoxa Copta) apareceram em público para reclamar dos ataques apresentando-se como cristãos. Isso não é bom.
Eles não podem declarar abertamente sua fé?
Os cristãos devem se defender como civis, não em nome de um setor da sociedade. Somos todos egípcios.
Voltei. O representante da Irmandade “oferece” segurança aos repórteres. Para ele, a minoria cristã é composta de provocadores contrarrevolucionários, a turma de Mubarak é que põe fogo nas igrejas, e os cristãos não podem falar como cristãos – embora ele próprio seja porta-voz da “Irmandade Muçulmana”.
O estopim do conflito de sábado foi o boato de que uma ex-cristã, convertida ao Islã, estaria sendo mantida prisioneira numa igreja. Era, obviamente, uma mentira. Não importa! Tudo serve de pretexto. O tal Esam El-Eriam acredita que os cristãos não têm nem mesmo o direito de reclamar. Na entrevista, ele previu que o Egito terá um governo religioso em cinco anos. Anotem aí: há apenas duas religiões perseguidas hoje no mundo: a Fé Bahá’i, no Irã, e o cristianismo, que enfrenta a fúria de correntes muçulmanas em vários países da África e da Ásia. A quase totalidade dos mortos em decorrência da intolerância religiosa, no mundo, é cristã.
O evento de sábado expõe uma das faces da “revolução egípcia”: a perseguição religiosa aumentou brutalmente no país. A “democracia”, como está sendo entendida por lá, não sabe conviver com a pluralidade. É apenas o começo!
(Reinaldo Azevedo, Veja)
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