Quando estava estudando a Bíblia para receber o batismo na Igreja Adventista do Sétimo Dia (em 1991), um dos capítulos que mais me impressionaram foi justamente Daniel 2. Como era possível que alguém vivendo cerca de 600 anos antes de Cristo* pudesse prever com tanta precisão e riqueza de detalhes a história da humanidade em apenas 49 versos? Ao mesmo tempo em que estudava as Escrituras, eu me preparava para o vestibular com o objetivo de cursar Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Naquela época, eu já sabia que para ser um bom redator era necessário saber escrever com clareza, concisão e dar o máximo de informação no menor espaço possível. Daniel fez exatamente isso!
Nesse capítulo, o profeta fala sobre o sonho que deixou Nabucodonosor intrigado. O monarca, sabendo que os astrólogos e adivinhos poderiam inventar algum tipo de interpretação (qualquer semelhança com as “revelações” vagas dos horóscopos de hoje não é mera coincidência), exigiu que eles lhe dissessem do que se tratava o sonho. Missão impossível, claro. Quando o rei disse que mataria todos os sábios, caso não lhe dessem a resposta, o desespero foi geral. Mesmo Daniel e seus amigos seriam punidos com a morte. Você acha que os hebreus se desesperaram também? Nada disso.
Daniel, Misael, Hananias e Azarias pediram tempo ao rei e foram para casa. Para quê? Simples: para orar pedindo a resposta a Deus. É em tempo de provação que o caráter se revela e aqueles moços conheciam suficientemente ao Senhor para saber que Ele não os deixaria na mão naquela situação. “Então foi revelado o mistério a Daniel numa visão de noite, pelo que Daniel louvou o Deus do céu” (Dn 2:19).
É bom lembrar que para receber a revelação de Deus Daniel havia se preparado adequadamente. Além de ser um jovem de oração, ele cuidava da saúde física, lembra? Naquele tempo, ele não tinha como saber disto, mas o fato é que o cérebro funciona como uma espécie de “antena parabólica” que Deus usa para Se comunicar conosco. Bebidas e alimentos impróprios acabam danificando essa “antena” e ofuscando os sinais. Se quisermos ouvir claramente a voz de Deus e ter discernimento claro, devemos imitar Daniel e seus amigos e manter nossa “antena” limpa.
Depois de receber a revelação, Daniel procurou o chefe dos eunucos e lhe pediu algo que deixa sua bondade ainda mais evidente: “Não mates os sábios de Babilônia” (v. 24). Inacreditável! Aquela era a chance de o profeta se livrar de uma vez por todas de seus invejosos concorrentes: os astrólogos, os magos e os feiticeiros. Mas não. Naquele momento, Daniel revelou o amor incondicional de Deus que ama até mesmo o maior dos pecadores (embora não aceite seus pecados).
Na presença do rei, o chefe dos eunucos tentou levar vantagem. Disse que havia achado alguém que tinha a resposta do enigma. Mentira. Fora Daniel quem se dirigira até ele. O profeta hebreu deixou esse detalhe de lado e atribuiu a verdadeira honra a quem de direito: “O mistério que o rei requer nem sábios, nem encantadores, nem magos, nem adivinhos o podem descobrir ao rei, mas há um Deus nos céus, o qual revela mistérios; Ele fez saber ao rei Nabucodonosor o que há de ser no fim dos dias” (v. 27, 28). No verso 11, os astrólogos haviam se saído com esta: “Só os deuses podem dar a resposta que o rei quer, mas eles não habitam com os homens.” Bela desculpa! Daniel contradiz os pretensos adivinhos e afirma que há, sim, um Deus no Céu que Se interessa pelo ser humano e interage com ele revelando Sua vontade.
Séculos depois, o grande cientista Isaac Newton expressaria essa mesma verdade nas seguintes palavras: “A autoridade dos imperadores, reis e príncipes é humana; a autoridade dos concílios, sínodos, bispos e presbíteros é humana. Mas a autoridade dos profetas é divina” (As Profecias do Apocalipse e o Livro de Daniel, p. 26).
Daniel aproveitava toda oportunidade para falar de Deus, pois sabia que Ele é o único que pode dar sentido à vida das pessoas e cuja palavra é confiável e autorizada. Não procurava chamar atenção para si, mas apontava sempre ao Senhor a quem servia.
Ao revelar exatamente o que o rei havia sonhado, Daniel conquistou-lhe o respeito e a confiança de que certamente também poderia interpretar o sonho. É interessante notar que os pensamentos do rei antes de ter o sonho diziam respeito ao que “há de ser depois disto” (v. 29), ou seja, tinham a ver com o futuro. E Deus lhe concedeu um vislumbre dos séculos seguintes por meio de uma metáfora em forma de estátua. Aparentemente, se tratava de uma simples figura humana composta por vários metais: cabeça de outro, braços e peito de prata, ventre de cobre, pernas de ferro e pés de ferro misturado com barro. Não fosse a interpretação de Daniel, dada nos versos 37 a 45, aquele seria mais um sonho sem pé, nem cabeça – melhor dizendo, esse teria pé e cabeça... mas não teria sentido algum.
Segundo o profeta, cada metal da estátua representa um reino que sucederia Babilônia, e é aí que a precisão histórica da profecia surpreende, porque foram exatamente três grandes reinos (Medo-Pérsia, Grécia e Roma) que surgiram no cenário mundial depois da Babilônia (o ouro), representados, respectivamente, pela prata, o cobre e o ferro. E depois de Roma? Na sequência de metais surge uma mistura estranha: ferro com barro. E todo mundo sabe que eles não se misturam. Perfeito de novo! Com a fragmentação do Império Romano (as pernas de ferro), os povos bárbaros que o invadiram formaram dez reinos (o mesmo número de dedos dos dois pés da estátua), em parte fortes (ferro), em parte fracos (barro), segundo o verso 42.
Os governantes desses reinos tentaram a unificação por meio de casamentos (v. 43), mas não deu certo. Na profecia, nunca mais surgiria um reino mundial depois de Roma. Carlos Magno, Napoleão Bonaparte, Kaiser Guilherme e Adolf Hitler bem que tentaram, mas contra a profecia não tem jeito. E é assim que a Europa permanece até hoje: fragmentada em Estados independentes. Mas como termina o sonho?
No verso 44, Daniel diz que “nos dias desses reis”, ou seja, na época da Europa, uma pedra (símbolo inequívoco de Jesus e Seu reino, conforme Ef 2:20; 1Co 10:4; Lc 20:17, 18), cortada sem auxílio de mãos humanas, atingirá a estátua nos pés, fazendo-a desabar. Essa pedra encherá toda a Terra (v. 35). Dessa forma, Daniel não apenas descreve a sucessão dos impérios, mas também localiza a volta de Jesus numa época específica: a da Europa, que existe desde 476 d.C.
Esse sonho relatado no capítulo 2 de Daniel fornece uma espécie de base sobre a qual as profecias seguintes e mais complexas do livro (e mesmo do Apocalipse) serão construídas. Conforme escreveu Newton, “entre os velhos profetas, Daniel é o mais específico na questão de datas e o mais fácil de ser entendido. Por isso, no que diz respeito aos últimos tempos, deve ser tomado como a chave para os demais” (ibidem, p. 26).
O grande cientista inglês disse ainda que “a realização de coisas preditas com grande antecedência será um argumento convincente de que o mundo é governado pela Providência” (ibidem, p. 180).
Nabucodonosor percebeu isso e o impacto da revelação do sonho foi tão grande sobre o rei que ele disse: “Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador de mistérios” (v. 47).
Esse mesmo Deus que guia a história quer dirigir a sua vida. Você aceita?
(Michelson Borges, jornalista e mestre em teologia)
Pense e discuta:
1. Qual a sua reação quando as coisas dão errado?
2. O que você pode fazer para melhorar sua vida de oração?
3. O que você sente ao perceber que Deus tem a história nas mãos?
4. O que a precisão histórica da Bíblia lhe diz sobre a confiança que podemos ter na Palavra de Deus?
(*) Daniel é de fato uma obra do sexto século? Para muitos estudiosos modernos, não. As profecias referentes a persas, gregos e romanos são “prova”, de acordo com esses autores, de que Daniel era uma espécie de “repórter”, falando do que acontecia em seus dias. Portanto, as profecias de Daniel teriam surgido mais tarde, uns cem anos antes de Cristo. É claro que esse entendimento é válido para aqueles que não acreditam que os profetas sejam realmente capazes de prever o futuro, como a Bíblia mesma ensina. Por outro lado, Gleason Archer, conhecido estudioso do Antigo Testamento, argumenta que somente um autor tão antigo poderia falar com tanta exatidão do sexto século (cf. Merece Confiança o Antigo Testamento?, p. 345). Ou seja, Daniel conhece o século 6 a.C. pela mesma razão que você e eu conhecemos tão bem o século 21 – porque ele viveu naquele período. E ainda que o livro fosse mais recente, continuam impressionantes as profecias acerca do Império Romano e da atuação da “ponta pequena”. Leia mais sobre isso no Apêndice.
Deus e deuses
O que faz o Deus cristão diferente de outros deuses, nos quais os povos acreditaram ao longo da História? Francis Schaeffer dizia que os deuses poderiam ser de dois tipos: pessoais ou infinitos. Para ele, o Deus da Bíblia era o único a reunir as duas características.
Note, por exemplo, um texto típico sobre isto: “Pois assim diz o Alto e Sublime, que vive para sempre, e cujo nome é santo: ‘Habito num lugar alto e santo [Deus é infinito], mas habito também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito do humilde e novo alento ao coração do contrito [Deus é pessoal]’” (Isaías 57:15).
Na narrativa de Daniel, é patente essa diferença entre Yahweh e os deuses babilônicos. Instados por Nabucodonosor a descrever seu sonho e a expor sua interpretação, os sábios retrucaram (Dn 2:11): apenas os deuses poderiam atender o rei, mas os tais “não habitam com os homens” [deuses infinitos, impessoais]. Em contraste, na presença do rei, Daniel expressou haver “um Deus no céu” [infinito], o qual revela os mistérios [pessoal, pois Se comunica, revelando-Se e à Sua vontade aos homens]” (v.28).
Deus é único e o único que pode nos salvar (Is 45:22).
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Leia também: "Daniel 1 - O campo que leva ao Céu"