sexta-feira, maio 06, 2011

Respostas a um amigo ateu moderado

Olá, amigo, é sempre um prazer receber seus e-mails e conhecer seus pontos de vista. Saiba que você é um dos poucos ateus moderados (se me permite defini-lo assim) com os quais posso manter um diálogo construtivo e respeitoso. Farei meus comentários logo abaixo das suas citações entre aspas:

“O DI [design inteligente] viola as regras centenárias da ciência ao invocar e admitir causas sobrenaturais.”

O DI, quanto eu saiba, trabalha em bases científicas na identificação de design inteligente na natureza, mas não se importa com a natureza do designer. Admite a existência do designer (ou designers), mas não o invoca, como você escreveu. Flerta com a metafísica, às vezes. Mas o que o darwinismo faz, quando adota a priori uma filosofia não empiricamente testável, qual seja, o naturalismo filosófico?

“O DI a guisa de comprovação usa e abusa do argumento de autoridade, uma falácia lógica baseada no apelo a alguma autoridade reconhecida. Vide a ladainha em cima de Anthony Flew, Chesterton, C. S. Lewis entre outros.”

Na verdade, o pessoal do DI não se vale de Chesterton e Lewis, pois esses autores não eram cientistas. E Flew era filósofo (o maior filósofo ateu do século 20, sublinhe-se). Se você tivesse mencionado Michael Behe e Stephen Meyer, entre outros, teria acertado, já que esses, sim, são cientistas. Além disso, há também agnósticos e ateus que estão convencidos de que o design é real e empiricamente detectado na natureza: David Berlinski (judeu agnóstico, matemático, com livros já traduzidos em português) e Bradley Monton (ateu e professor de Filosofia), são dois bons exemplos. Você deve admitir que os darwinistas e neoateus também se valem do argumento da autoridade, pois usam e abusam da “fama” de gente como Dawkins, Crick e outros. E o que dizer do eternamente citado Darwin? O fato é que os darwinistas são especialistas no argumento da autoridade.

“A ciência se limita à busca de causas naturais para explicar fenômenos naturais. A ciência é uma disciplina em que a medida do valor científico ‘é sua capacidade de ser testada’, preferencialmente a qualquer poder eclesiástico ou coerência filosófica. Ao omitir deliberadamente explicações teológicas ou teleológicas para a existência ou características do mundo natural, a ciência não leva em consideração questões de ‘significado’ e ‘propósito’ no mundo.”

Você não acredita mesmo nisso, né? Por que, então, existe a disciplina Filosofia da Ciência? Eu poderia lhe indicar vários livros que tratam da filosofia por trás da ciência e indicar hipóteses não testáveis/não falseáveis na ciência. A ciência pode não estar debaixo da influência de poderes eclesiásticos (embora frequentemente esteja dos políticos), mas é preciso admitir que existe, sim, um mainstream oficial e que a nomenklatura (para usar uma expressão do Enézio) conduz o tipo de pesquisa que pode/deve ou não ser feito. Thomas Khun já dizia que muitos paradigmas apenas sobrevivem porque seus teimosos defensores ainda estão vivos. Ecos iluministas e marxistas ainda podem ser ouvidos em nosso tempo, fazendo do cientificismo o pensamento corrente, mas nem sempre admitido ou compreendido, mesmo por aqueles que o reverberam no meio acadêmico e na mídia secular.

“Embora explicações sobrenaturais possam ser importantes e detentoras de mérito, elas não fazem parte da ciência. Essa é uma convenção autoimposta da ciência, que limita a investigação sobre o mundo natural a explicações naturais, passíveis de serem testadas, é referida por filósofos como ‘naturalismo metodológico’.”

Criacionistas e teóricos do DI também adotam e valorizam o naturalismo metodológico. O problema, como já apontei, é o naturalismo filosófico. Você acredita mesmo que a hipótese dos multiversos, a evolução química (abiogênese), a macroevolução e a panspermia cósmica (para citar alguns exemplos) são “explicações naturais” baseadas em evidências? Essas hipóteses passam no crivo do método científico? São testáveis? Não, né. Mas são defendidas por peixes grandes da ciência... Aliás, temos até algumas excentricidades como a astrobiologia, que recebe verbas para pesquisa, embora nem sequer conte com objeto de estudo. Mas vá você tentar conseguir verbas para pesquisar evidências de uma catástrofe hídrica global e fazer escavações em encostas de montanhas (e não nas planícies da África) em busca de fósseis gigantes...

“Em outro artigo de Luis Felipe Pondé ele afirma acreditar na seleção natural. É coerente, da parte dele, considerar cafonas os ateus, que por sinal são mesmo. Mas de bobo ele não tem nada.”

Concordo com Pondé. A seleção natural existe, mas promove variações em níveis taxonômicos limitados. Os famosos tentilhões de Darwin são exemplo disso. Variaram ao longo de gerações, de ilha para ilha (Galápagos), mas continuaram sendo tentilhões. Na verdade, a seleção natural tem provado uma premissa criacionista: a diversificação de baixo nível, também chamada por alguns de “microevolução”.

Finalmente, quero destacar o fato de que, embora tenha implicações ateístas - e ateus defendem assim -, o darwinismo não precisa disso para ter mérito de considerações científicas. A mesma coisa ocorre com o design inteligente: tem implicações que favorecem o teísmo, mas não depende disso para sua plausibilidade científica.

É isso, amigo, há muito mais nuances (científicas e filosóficas) nessa discussão do que a gente possa imaginar.

Um abraço.

Michelson