A ciência surgiu da necessidade do homem de explicar fenômenos naturais por uma perspectiva que buscava ser exata e não mítica. Séculos depois da evolução científica, a humanidade não deixou de lado seus ritos religiosos. Os fatores intrínsecos a essa fé, que é presente em todos os lugares do mundo embora se manifeste de maneiras distintas, têm sido alvo de um projeto chamado “Explaining Religion” (Explicando a Religião), ou EXREL. Psicólogos, biólogos, antropólogos e estudiosos de religião de várias universidades europeias e norte-americanas passaram três anos coletando dados sobre diversos aspectos que envolvem a prática religiosa, e os resultados estão começando a ser publicados. O projeto é considerado o maior estudo científico sobre o assunto e reforça uma tendência crescente de a ciência querer explicar as crenças.
Em seu site oficial, o EXREL diz que busca descobrir os principais elementos comuns a todas as tradições religiosas, bem como os mecanismos cognitivos que dão suporte ao pensamento religioso e ao comportamento humano. O assunto é tão complexo e indefinido que os participantes do estudo consideram o trabalho feito até agora essencialmente uma coletânea de dados sobre os quais foram construídos esquemas interpretativos para serem postos à prova.
Dentro do projeto, por exemplo, a antiga premissa de que o mal é punido e o bem é recompensado, que teria ajudado na evolução de muitas religiões, foi objeto de estudo do pesquisador Nicolas Baumard. Após submeter entrevistados a um experimento, ele percebeu que, no inconsciente, os voluntários acreditam que há algum tipo de destino que vincula eventos e o comportamento dos seres humanos. Em si, a experiência não é suficiente para tirar conclusões seguras, mas, juntamente com outros elementos, pode contribuir para um diagnóstico estabelecido.
Para a professora de sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e doutora em Sociologia da Cultura e Religião, Cecília Mariz, o estudo como um todo parece inovador porque procura adotar novos conhecimentos e novas tecnologias (como, por exemplo, aparelhos que permitem mapear atividades cerebrais) no estudo da religião: “Um dos dados que me parece bem especial seria a relação que observaram entre presença de dopamina e crença em Deus. No entanto, os dados apenas não dizem muita coisa. Haverá sempre a questão se aqueles que possuem mais dopamina acreditam mais ou se é a religião que aumenta a dopamina.”
Cecília Mariz ressalta que é nítida a tendência de se estudar a religião através de um viés psicológico e biologicista, como é o caso da pesquisa desses estudiosos das universidades inglesas e norte-americanas. Mas, ela lembra que, para cientistas das áreas de Sociologia, Antropologia e História, a religião sempre foi uma questão importante.
O padre Pedro Magalhães, da Fundação Padre Leonel Franca da PUC-RJ, autor do livro A fé em Deus de grandes cientistas, ressalta, no entanto, que a teologia é um pouco pária na academia e que são poucas as universidades que têm uma faculdade dessa área: “Na Inglaterra, Oxford (onde a EXREL é centrada) tem uma tradição de debate nesse sentido, ao contrário de Cambridge, por exemplo. Mas, em geral, tem havido um movimento muito forte de fóruns de discussão sobre o assunto, o que é muito positivo.”
Engenheiro e doutor em matemática aplicada, padre Pedro Magalhães explica que o cientista sempre buscou entender o que há por trás do sentimento religioso. Cecília Mariz lembra ainda que, diferentemente do que se imagina, algumas religiões surgiram do desejo de unir crença e ciência: “O espiritismo teve esse projeto em seu surgimento. E a Igreja Católica sempre pede apoio aos cientistas para analisar fenômenos que se pretende reconhecer como milagres.”
(Opinião e Notícia)