Marcos Romano é psiquiatra |
Marcos
Romano é médico-psiquiatra pela Unicamp, ex-professor de Psiquiatria da
PUC-Campinas, especialista em Dependência Química pela Unifesp/EPM, com artigos
publicados na área de Políticas Públicas para Álcool e Drogas. É psiquiatra
clínico há vinte anos, e é um dos primeiros especialistas do Brasil a
diagnosticar e tratar o Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH) em adultos,
tendo recebido formação em TDAH em cursos com especialistas dos EUA, e no
Brasil frequentemente é convidado a palestrar e fornecer treinamento a colegas
médicos sobre TDAH. É autor de capítulos nos livros Aconselhamento em Dependência Química (Neliana Buzi Figlie, Selma
Bordin, Ronaldo Laranjeira. São Paulo: Roca, 2004), e TDAH ao Longo da Vida (Mario
Rodrigues Louzã Neto e colaboradores. Porto Alegre: Artmed, 2010).
A
neurociência não materialista é
um novo campo de estudo que têm contestado o conceito clássico naturalista de
que a eletroquímica do cérebro produz a consciência. Evidências recentes oriundas dessa
área de pesquisa têm sido utilizadas pelos proponentes da teoria do design inteligente (TDI) e do criacionismo. Um texto
publicado neste blog no mês passado [“Evidências de uma consciência além do
cérebro”], capítulo do e-book “Teoria do Design Inteligente”, têm suscitado
algumas dúvidas entre os leitores. Essas dúvidas foram, então, sintetizadas para a realização dessa entrevista
concedida a Everton Alves:
Como entender a ciência
não materialista, visto que a depressão, causada por alterações químicas no
cérebro, mostra que tudo acontece na esfera materialista? Uma vez que os
remédios atuam e curam a depressão, não seria evidente que tudo está restrito ao
âmbito material?
Dr. Marcos Romano: Em
primeiro lugar, o diagnóstico de depressão é meramente descritivo e não
explicativo. Em segundo lugar, como saber se o que se passa no cérebro de um
deprimido é consequência ou causa de ele estar deprimido? Em terceiro lugar, esse
raciocínio se baseia em um encadeamento de inferências e associações indevidas.
Um exemplo disso é dizer que antidepressivos curam depressão, logo, sabemos
como os remédios agem; portanto, a ação desses medicamentos deve estar
relacionada à causa da depressão, então, a depressão é um fenômeno biológico e
de causalidade conhecida. Certamente, essa é a lógica – equivocada, diga-se de
passagem – utilizada por algumas pessoas.
Outra falácia seria dizer
que antidepressivos “curam a depressão”?
Nenhum
estudo jamais demonstrou isso. A “efetividade” de um antidepressivo é medida
pela “redução significativa da intensidade e do número de sintomas”. O que é
então uma melhora (não “cura”) significativa? Pode-se dizer que é quando o
paciente alcança uma melhora de 30 a 40% em comparação com seu estado anterior.
É válido acrescentar que os estudos realizados a fim de analisar as melhoras no
tratamento duram entre oito e doze semanas. Além disso, os estudos não avaliam
como esses pacientes ficam após esse período.
Ainda
em relação à “efetividade” existem outros pontos a serem discutidos, tais como:
(1) Qual o percentual dos pacientes avaliados no estudo que melhoram de forma
significativa? Podemos dizer que entre 60-64%. Dentre esses, muitos irão piorar
novamente dentro de um ano. (2) Qual o índice de efetividade do placebo nesses
estudos (lembrando que são estudos “controlados”, isto é, o medicamento é
avaliado comparando seu efeito com o efeito de um placebo)? O índice é de cerca
de 50% (note que a efetividade do medicamento não é muito superior à do
placebo, é apenas um pouco superior). Aliás, por que o placebo faz com que 50%
dos pacientes avaliados nos estudos melhorem? Isso é algo ainda não respondido
pela ciência.
Vale
lembrar que esses índices de efetividade são os medidos nos estudos, em que as
condições favorecem a melhora (por isso o placebo também atinge índices tão
altos). A realidade clínica, no entanto, é bem diferente. Porém, o remédio
ainda assim é melhor que o placebo, caso contrário não haveria razão para
usá-lo. Mas não é uma Brastemp, nem
de longe (risos).
Afirmações
do tipo “Sabemos como o antidepressivo age” também são uma grande mentira. O
correto seria dizer que sabemos como ele age in vitro. O efeito dele in vivo
nunca foi verificado, sendo apenas inferido.
E o que dizer em relação
à teoria dos neurotransmissores?
Ela
nunca foi confirmada. E existem grandes furos nela. Por exemplo, o efeito dos inibidores
seletivos de recaptura da serotonina (ISRS). Eles agem, em tese, bloqueando o
receptor pré-sináptico da serotonina, dificultando sua recaptação, aumentando
dessa forma o tempo de permanência da serotonina na fenda sináptica e, por
conseguinte, seu efeito.
O
problema é que se sabe que em poucos dias esse efeito é revertido por um
aumento do número de receptores! E, quando o medicamento faz o efeito clínico, algumas
semanas depois, o efeito neuroquímico dele já teria sido revertido pelo
organismo. Por que então ele funciona? Pois é, ninguém nunca conseguiu
explicar...