quinta-feira, agosto 23, 2012

Tons de cinza que vêm das trevas

Na superfície, o best-seller “instantâneo” Cinquenta Tons de Cinza é ruim pela literatura “fraca”, já denunciada pelos críticos que entendem do assunto, e pelo estímulo a perversões sexuais como o sadomasoquismo (tratei disso aqui). Mas há mais do que isso nas “entrelinhas” da obra. Segundo matéria publicada no site da revista Época, E. L. James (a autora do romance pornográfico “para donas de casa”) promoveu a obra do compositor inglês Thomas Tallis (do século XVI), ao escrever que seu personagem pervertido Christian Grey aprecia as músicas dele. Detalhe: Tallis escreveu predominantemente música religiosa, em especial motetos polifônicos, peças corais compostas para várias vozes.

Segundo Época, “a segunda vez que Tallis aparece [no livro de James] é numa fase avançada da educação de alcova de Anastasia. Ela atinge o orgasmo mais intenso e agonizante de sua vida, ao ouvir uma peça coral polifônica – vendada, com fone de ouvido, em meio ao sexo com Grey”. Resultado: “Como o livro de E. L. James tornou-se o maior best-seller mundial da temporada, com 31 milhões de exemplares vendidos em língua inglesa – e 200 mil na tradução em português, lançada há três semanas –, uma fração de seus leitores curiosa em ouvir aquela música tão angelical como estimulante [!] foi suficiente para transformar Tallis, com quatro séculos de atraso, em astro das paradas de sucesso. No romance, a obra religiosa do austero Tallis é usada para animar perversões sexuais”.

E a matéria termina assim: “No caso [da música] Spem in Alium, o frisson está menos no talento dos músicos do que na profanação, pois uma peça religiosa é usada para animar práticas sadomasoquistas. [...] Para muitos especialistas, Thomas Tallis [imagem abaixo] deve estar se revirando em sua tumba na igreja de St. Alphege em Greenwich. Não surpreenderá se a peça começar a ser usada para esquentar encontros amorosos em motéis, casas de suingue e afins. Difícil será ouvi-la nas igrejas.”

Profanação é palavra bem adequada para o que James fez em sua história. Com inúmeras músicas disponíveis, ela tinha que ter usado justo uma de cunho religioso? Dado o conteúdo de sua obra, a autora poderia usar como fundo musical das perversões do casal músicas como essas “tchu-tchá” que grudam inadvertidamente em nossa cabeça quando as ouvimos excretadas de caixas de som de carros que passam voando (azar mesmo é quando param por perto...). 

Parece que, além de promover o sexo pervertido, James também tratou de dar sua pitadinha de blasfêmia em Cinquenta Tons de Cinza. Quando li a informação acima, sobre o compositor sacro, me lembrei da entrevista concedida pela autora britânica à revista Veja do dia 8 de agosto. Lá pelas tantas, ela diz: “Sou uma diletante que começou a escrever sobre dois personagens que lhe vieram à cabeça e que foi sendo levada pela história deles. [...] Eu estava muito infeliz no último emprego – e, no mesmo momento, vi por acaso o primeiro filme da série Crepúsculo. Adorei. Pedi então ao meu marido que me desse o livro como presente de Natal. Ele me deu a série toda, e eu a li inteirinha, de cabo a rabo, em cinco dias. Antes do Ano-Novo já tinha terminado – e só não a recomecei do início imediatamente porque me sentei ao computador e comecei a escrever. Foi como se alguém tivesse acionado um interruptor em mim.”

Detalhe: quando a repórter perguntou se os filhos de James haviam demonstrado interesse na leitura de Cinquenta Tons, ela respondeu: “Não, não, não. Meus meninos não leem nada, de jeito nenhum. Com a exceção de ameaçá-los com uma arma, já tentamos de tudo, mas parece que, para eles, não ler é uma questão de honra. Nesse caso em particular, acaba sendo um alívio. Não quero nem imaginar meus garotos lendo Cinquenta Tons.” Mas, e quanto aos outros garotos e garotas que estão lendo a obra? O problema é deles?

Bem, uma coisa me chama (mais) a atenção: à semelhança de J. K. Rowling, autora da série Harry Potter e de outros autores “meteóricos”, E. L. James admite ter recebido um “empurrão” de “alguém”. É quase como se tivessem sido “inspiradas”, de tal maneira que onde não havia talento nem experiência surgem fama, dinheiro e influência sobre a mente e os hábitos de milhões de pessoas. Em se tratando da disseminação do ocultismo e da bruxaria (Harry Potter), do vampirismo/satanismo (Crepúsculo, que inspirou James) e do sexo pervertido com pitadas de blasfêmia (Cinquenta Tons), não tenho dúvidas do “alguém” que está por trás de tudo isso.

Michelson Borges