Na
superfície, o best-seller
“instantâneo” Cinquenta Tons de Cinza
é ruim pela literatura “fraca”, já denunciada pelos críticos que entendem do
assunto, e pelo estímulo a perversões sexuais como o sadomasoquismo (tratei
disso aqui). Mas há mais do que isso nas “entrelinhas”
da obra. Segundo matéria publicada no site da revista Época, E. L. James (a autora do romance pornográfico “para donas de casa”)
promoveu a obra do compositor inglês Thomas Tallis (do século XVI), ao escrever
que seu personagem pervertido Christian Grey aprecia as músicas dele. Detalhe:
Tallis escreveu predominantemente música religiosa, em especial motetos
polifônicos, peças corais compostas para várias vozes.
Segundo
Época, “a segunda vez que Tallis
aparece [no livro de James] é numa fase avançada da educação de alcova de
Anastasia. Ela atinge o orgasmo mais intenso e agonizante de sua vida, ao ouvir
uma peça coral polifônica – vendada, com fone de ouvido, em meio ao sexo com Grey”.
Resultado: “Como o livro de E. L. James tornou-se o maior best-seller mundial da temporada, com 31 milhões de exemplares
vendidos em língua inglesa – e 200 mil na tradução em português, lançada há
três semanas –, uma fração de seus leitores curiosa em ouvir aquela música tão
angelical como estimulante [!] foi suficiente para transformar Tallis, com
quatro séculos de atraso, em astro das paradas de sucesso. No romance, a obra
religiosa do austero Tallis é usada para animar perversões sexuais”.
E
a matéria termina assim: “No caso [da música] Spem in Alium, o frisson está
menos no talento dos músicos do que na profanação, pois uma peça religiosa é
usada para animar práticas sadomasoquistas. [...] Para muitos especialistas,
Thomas Tallis [imagem abaixo] deve estar se revirando em sua tumba na igreja de St. Alphege em
Greenwich. Não surpreenderá se a peça começar a ser usada para esquentar
encontros amorosos em motéis, casas de suingue e afins. Difícil será ouvi-la
nas igrejas.”
Profanação
é palavra bem adequada para o que James fez em sua história. Com inúmeras músicas
disponíveis, ela tinha que ter usado justo uma de cunho religioso? Dado o
conteúdo de sua obra, a autora poderia usar como fundo musical das perversões
do casal músicas como essas “tchu-tchá” que grudam inadvertidamente em nossa
cabeça quando as ouvimos excretadas de caixas de som de carros que passam
voando (azar mesmo é quando param por perto...).
Parece
que, além de promover o sexo pervertido, James também tratou de dar sua
pitadinha de blasfêmia em Cinquenta Tons
de Cinza. Quando li a informação acima, sobre o compositor sacro, me
lembrei da entrevista concedida pela autora britânica à revista Veja do dia 8 de agosto. Lá pelas
tantas, ela diz: “Sou uma diletante que começou a escrever sobre dois
personagens que lhe vieram à cabeça e que foi sendo levada pela história deles.
[...] Eu estava muito infeliz no último emprego – e, no mesmo momento, vi por
acaso o primeiro filme da série Crepúsculo. Adorei. Pedi então ao meu marido
que me desse o livro como presente de Natal. Ele me deu a série toda, e eu a li
inteirinha, de cabo a rabo, em cinco dias. Antes do Ano-Novo já tinha terminado
– e só não a recomecei do início imediatamente porque me sentei ao computador e
comecei a escrever. Foi como se alguém
tivesse acionado um interruptor em mim.”
Detalhe:
quando a repórter perguntou se os filhos de James haviam demonstrado interesse na
leitura de Cinquenta Tons, ela
respondeu: “Não, não, não. Meus meninos não leem nada, de jeito nenhum. Com a
exceção de ameaçá-los com uma arma, já tentamos de tudo, mas parece que, para
eles, não ler é uma questão de honra. Nesse caso em particular, acaba sendo um
alívio. Não quero nem imaginar meus garotos lendo Cinquenta Tons.” Mas, e quanto aos outros garotos e garotas que
estão lendo a obra? O problema é deles?
Bem,
uma coisa me chama (mais) a atenção: à semelhança de J. K. Rowling, autora da
série Harry Potter e de
outros autores “meteóricos”, E. L. James admite ter
recebido um “empurrão” de “alguém”. É quase como se tivessem sido “inspiradas”,
de tal maneira que onde não havia talento nem experiência surgem fama, dinheiro
e influência sobre a mente e os hábitos de milhões de pessoas. Em se tratando
da disseminação do ocultismo e da bruxaria (Harry Potter), do vampirismo/satanismo (Crepúsculo, que inspirou James) e do sexo
pervertido com pitadas de blasfêmia (Cinquenta Tons), não tenho dúvidas do
“alguém” que está por trás de tudo isso.
Michelson Borges