O dia 1° de julho de 1858 foi modesto em termos de notícias na Londres vitoriana. A rainha Vitória saiu a cavalo, madame Tussaud anunciou uma nova efígie do presidente James Buchanan, dos Estados Unidos, em seu museu de cera, e o vapor North Star completou a jornada de Nova York ao porto da cidade em 11 dias e seis horas, estabelecendo um novo recorde. Mas na noite de 1° de julho, 150 anos atrás, houve um evento que, de acordo com o jornalista Arnold Brackman, representa "um dos grandes marcos históricos da civilização ocidental".
Membros da augusta Linnean Society, uma organização de cientistas londrina, assistiram a uma leitura de dois fragmentos inéditos sobre a evolução, em texto do famoso naturalista Charles Darwin, e também à leitura de um ensaio de Alfred Russell Wallace, um colega relativamente desconhecido do pesquisador.
Nenhum dos dois estava presente. Darwin estava em casa, na Inglaterra, de luto pela morte de um filho, vítima da escarlatina. Wallace estava na distante Nova Guiné, recolhendo borboletas e besouros.
O trabalho de Wallace, intitulado Sobre a Tendência de Variedades se Afastarem Infinitamente do Tipo Original, mas conhecido como o Estudo de Ternate, o nome da cidade do leste da Indonésia da qual ele enviou o texto para Darwin, era a primeira explicação completa sobre o processo de seleção natural, que introduziu o conceito de "sobrevivência dos mais aptos".
Para simplificar uma história complexa, como resultado do estudo de Wallace, Darwin se animou a concluir A Origem das Espécies, publicado em 1859. Sem dúvida teremos uma blitz de mídia em 2009, quando o mundo celebrará o 150° aniversário da publicação do best-seller darwiniano.
Wallace, que nem mesmo sabia que seu estudo havia sido lido na reunião da Linnean, continuou recolhendo espécimes e escrevendo sobre biogeografia, biologia das ilhas, alteração nos níveis do mar e antropologia do arquipélago malaio, uma região na qual ele passou oito produtivos anos, ainda que em relativo isolamento. Darwin, um membro da elite científica britânica, se tornou nome conhecido mundialmente.
Wallace, que deixou a escola aos 14 anos e vinha de uma família modesta, se tornou apenas uma nota de rodapé na história da ciência (ainda que uma nota importante).
Alguns pesquisadores argumentam que foi um caso de coincidência científica - que os dois homens chegaram à mesma conclusão independentemente. Não seria uma ocorrência incomum: Leibniz e Newton descobriram o cálculo separadamente e mais ou menos ao mesmo tempo. O oxigênio foi descoberto por Carl Wilhelm Scheel em 1773 e por Joseph Priestly em 1774. A fotografia em cores foi descoberta quase simultaneamente por dois franceses. Quatro pesquisadores trabalhando em separado descobriram as manchas solares. O termômetro tem seis inventores, e o telescópio nove. E assim por diante.
Mas um grupo pequeno e influente conhecido como Friends of Alfred argumenta, ainda assim, que a chave da teoria da evolução foi descoberta por Wallace, e roubada dele por Darwin. Embora Darwin, mais velho e conhecido, estivesse indubitavelmente pensando sobre a evolução e recolhendo volumosos dados sobre o tema, àquela altura ele ainda não havia publicado nada a respeito.
Wallace, de sua parte, já havia escrito diversos trabalhos sobre a evolução antes do Estudo de Ternate...
É possível dizer que Darwin plagiou Wallace? A questão pode ser tratada em termos legais e em termos leigos. O advogado David Hallmark, curador da Wallace Foundation, sediada na Indonésia, aponta que, já que Darwin não havia publicado nada anteriormente sobre o tema, e que a carta de Wallace o estimulou a fazê-lo, fica implícito que Wallace foi o primeiro e Darwin o segundo.
Além disso, ao publicar seu texto, Darwin não atribuiu a Wallace o impacto do estudo de Ternate sobre o seu trabalho, mas se apropriou da teoria do naturalista mais jovem como se fosse sua, o que indicaria plágio.
Há provas circunstanciais de que Darwin sabia ter prejudicado Wallace, e que se sentia culpado por isso. Ainda que não estejamos cientes de tudo que Darwin e seus colegas conversaram ou pensavam, existe uma reveladora seqüência de cartas na qual Darwin se refere ao assunto como "um caso miserável", e define seu relacionamento com Wallace como "uma situação delicada".
Darwin admitiu, em carta ao renomado botânico Joseph Hooker (que ajudou a manipular a reunião da Linnean de forma a beneficiar o amigo), ter escrito "meia carta a Wallace na qual concedo a prioridade a ele". Darwin estava claramente dividido entre fazer o certo, por um lado, e chegar em segundo, por outro, e disse que "parece-me difícil aceitar a necessidade de perder meus muitos anos de prioridade, mas não estou certo de que isso afete a justiça básica do caso". ...
(Terra)
Membros da augusta Linnean Society, uma organização de cientistas londrina, assistiram a uma leitura de dois fragmentos inéditos sobre a evolução, em texto do famoso naturalista Charles Darwin, e também à leitura de um ensaio de Alfred Russell Wallace, um colega relativamente desconhecido do pesquisador.
Nenhum dos dois estava presente. Darwin estava em casa, na Inglaterra, de luto pela morte de um filho, vítima da escarlatina. Wallace estava na distante Nova Guiné, recolhendo borboletas e besouros.
O trabalho de Wallace, intitulado Sobre a Tendência de Variedades se Afastarem Infinitamente do Tipo Original, mas conhecido como o Estudo de Ternate, o nome da cidade do leste da Indonésia da qual ele enviou o texto para Darwin, era a primeira explicação completa sobre o processo de seleção natural, que introduziu o conceito de "sobrevivência dos mais aptos".
Para simplificar uma história complexa, como resultado do estudo de Wallace, Darwin se animou a concluir A Origem das Espécies, publicado em 1859. Sem dúvida teremos uma blitz de mídia em 2009, quando o mundo celebrará o 150° aniversário da publicação do best-seller darwiniano.
Wallace, que nem mesmo sabia que seu estudo havia sido lido na reunião da Linnean, continuou recolhendo espécimes e escrevendo sobre biogeografia, biologia das ilhas, alteração nos níveis do mar e antropologia do arquipélago malaio, uma região na qual ele passou oito produtivos anos, ainda que em relativo isolamento. Darwin, um membro da elite científica britânica, se tornou nome conhecido mundialmente.
Wallace, que deixou a escola aos 14 anos e vinha de uma família modesta, se tornou apenas uma nota de rodapé na história da ciência (ainda que uma nota importante).
Alguns pesquisadores argumentam que foi um caso de coincidência científica - que os dois homens chegaram à mesma conclusão independentemente. Não seria uma ocorrência incomum: Leibniz e Newton descobriram o cálculo separadamente e mais ou menos ao mesmo tempo. O oxigênio foi descoberto por Carl Wilhelm Scheel em 1773 e por Joseph Priestly em 1774. A fotografia em cores foi descoberta quase simultaneamente por dois franceses. Quatro pesquisadores trabalhando em separado descobriram as manchas solares. O termômetro tem seis inventores, e o telescópio nove. E assim por diante.
Mas um grupo pequeno e influente conhecido como Friends of Alfred argumenta, ainda assim, que a chave da teoria da evolução foi descoberta por Wallace, e roubada dele por Darwin. Embora Darwin, mais velho e conhecido, estivesse indubitavelmente pensando sobre a evolução e recolhendo volumosos dados sobre o tema, àquela altura ele ainda não havia publicado nada a respeito.
Wallace, de sua parte, já havia escrito diversos trabalhos sobre a evolução antes do Estudo de Ternate...
É possível dizer que Darwin plagiou Wallace? A questão pode ser tratada em termos legais e em termos leigos. O advogado David Hallmark, curador da Wallace Foundation, sediada na Indonésia, aponta que, já que Darwin não havia publicado nada anteriormente sobre o tema, e que a carta de Wallace o estimulou a fazê-lo, fica implícito que Wallace foi o primeiro e Darwin o segundo.
Além disso, ao publicar seu texto, Darwin não atribuiu a Wallace o impacto do estudo de Ternate sobre o seu trabalho, mas se apropriou da teoria do naturalista mais jovem como se fosse sua, o que indicaria plágio.
Há provas circunstanciais de que Darwin sabia ter prejudicado Wallace, e que se sentia culpado por isso. Ainda que não estejamos cientes de tudo que Darwin e seus colegas conversaram ou pensavam, existe uma reveladora seqüência de cartas na qual Darwin se refere ao assunto como "um caso miserável", e define seu relacionamento com Wallace como "uma situação delicada".
Darwin admitiu, em carta ao renomado botânico Joseph Hooker (que ajudou a manipular a reunião da Linnean de forma a beneficiar o amigo), ter escrito "meia carta a Wallace na qual concedo a prioridade a ele". Darwin estava claramente dividido entre fazer o certo, por um lado, e chegar em segundo, por outro, e disse que "parece-me difícil aceitar a necessidade de perder meus muitos anos de prioridade, mas não estou certo de que isso afete a justiça básica do caso". ...
(Terra)