[Os
comentários entre colchetes são do leitor Marco Dourado, de Curitiba.]
[Segundo seu próprio testemunho, Cony chegou a ser considerado retardado pois só veio a falar por volta dos cinco anos de idade. No período conhecido
por “antiguidade clássica”, nosso escriba seria descartado como um animal
defeituoso, indigno de investimentos alimentares, afetivos e de manutenção. A
partir da segunda metade do século I, enjeitados, ainda que saudáveis, eram
eliminados em aterros sanitários mas escapavam da morte caso algum cristão
tomasse conhecimento da barbárie, que então barbárie não era. Se esse “vão” do
título de Cony (‘Nossa vã filosofia’) é disparado contra a filosofia baseada na
teologia cristã, ele revela mais que ingratidão particular (sem os valores
cristãos, o garotinho Carlos Heitor poderia ter sido tratado como um pedaço de
mortadela estragada). Temos em apenas três palavras o desapreço por aquilo que
nos garantiu muito das garantias e direitos individuais. Cony, de fato, é um
humanista.]
[Começa
assim o pequeno artigo de Cony:] Para nós, ocidentais, o livro-base continua
sendo a Bíblia, em seus dois Testamentos. A ela devemos o relato da criação,
escrito não se sabe por quem, apesar de os judeus atribuírem os cinco primeiros
livros a Moisés.
[Também
não se sabe quem escreveu a Ilíada,
embora os gregos a atribuíssem a Homero - e isso vale para várias das obras
antigas. Mas, sabemos, Cony não dirá sobre Satíricon
preâmbulos como “escrito sabe por quem”, embora os romanos a tenham atribuído a
Petrônio, não é, Cony? Especificamente quanto à autoria do Pentateuco, Cony age
como o revisionista neurótico Pedro Pedreira, encarnado (ops!) pelo saudoso
Francisco Milani. Pedreira desancava qualquer relato histórico que não
estivesse inquestionavelmente documentado (uma declaração do Butantã do Antigo
Egito, por exemplo, atestando que Cleópatra morrera pela picada de uma
víbora).]
[Cony
continua:] Nela [na Bíblia] está escrito que o espírito de Deus pairava sobre
as águas, até que ele deu uma ordem ou expressou um pedido: “Fiat lux”. E a luz
foi feita. Primeira pergunta: a quem ele deu essa ordem ou expressou esse
desejo? A ele mesmo, ou havia alguém ou alguma coisa capaz de atendê-lo?
[O
termo corretamente traduzido é: “Haja luz!” A Palavra do Senhor é a expressão
de Seu poder (“Porque, assim como a chuva e a neve descem dos céus e para lá
não tornam, mas regam a terra, e a fazem produzir e brotar, para que dê semente
ao semeador, e pão ao que come, assim será a palavra que sair da Minha boca:
ela não voltará para Mim vazia, antes fará o que Me apraz, e prosperará naquilo
para que a enviei”, Is 55:10, 11). Para exemplificar direi: “Haja luz na
mente de Cony!”, e para que a luz seja feita, explico a ele que as palavras do
Verbo Eterno são descrições de Seus atos. E se mais luz brilhar na mente do
escritor carioca, espera-se que ele (Cony) passe a usar maiúsculas SEMPRE ao se
referir a Ele (Deus), e não esporadicamente.]
[Cony:]
Ainda no processo da criação, Ele teria dito: “Façamos o homem à nossa imagem e
semelhança.”
[“Teria
dito” é só picuinha de Cony. Sendo a cena descrita por um profeta, Carlos
Heitor questiona a audição desse, ou sua capacidade cognitiva, ou seu
caráter. O futuro do pretérito aqui é desdenhoso. Generalizado, deveria
ser utilizado para tudo aquilo de que não temos plena certeza. Por exemplo:
Cony TERIA passado uns dias preso pelo regime militar.]
[Cony:]
Usou o plural. Haveria alguém ao lado ou acima dele?
[Será
que o escritor (e, presumo, também leitor) Cony nunca ouviu falar da
doutrina da Trindade? Ou estaria fazendo média com seus amigos unitaristas, que
acusam os cristãos de politeísmo?]
[Cony:]
Bem, a linguagem - qualquer linguagem - é metafórica ou simbólica, traduzindo
em letras aleatórias uma realidade espiritual ou física para a transmissão de
um conhecimento.
[Por
que “aleatórias”? E no que isso implica que a descrição do evento da Criação
seja metafórica e não real? Se eu disser “Carlos Heitor Cony, após passar oito
anos inteiros espezinhando diuturna e injustamente um dos governos mais
importantes da história da república brasileira, foi premiado indevidamente
pelo sucessor e inimigo desse com uma indenização nababesca e uma pensão de
marajá, chamados de bolsa-ditadura (vide Millor)”, estarei sendo metafórico?
Infelizmente, não.]
[Cony:]
Será que o Deus cultuado no Ocidente é um Deus menor, um demiurgo como queria
Platão, com jurisdição limitada ao que nós chamamos de Universo?
[Em
que a doutrina da Trindade diminui o Deus cristão,
Cony-estranhador-de-termos-plurais? Leia os capítulos 1 tanto de Gênesis como
de João e perceba que as três Pessoas da Tri-unidade estão ali nitidamente
especificadas: o Espírito Santo de Deus (Gn 1:2), o Verbo-Filho Unigênito de
Deus (Jo 1), além do próprio Deus-Pai (Gn 1:1). Onde se encontra nas Escrituras
Sagradas menção a algum demiurgo?]
[Cony:]
A mesma pergunta transcende ao Deus criado por judeus, árabes e cristãos em
oposição aos deuses do paganismo, responsáveis por civilizações antigas, como a
dos persas, a dos egípcios, a dos gregos e a dos romanos. Paganismo que fez
Abraão abandonar sua cidade natal - qualquer entendido em palavras cruzadas
sabe que ele saiu de Ur, na Mesopotâmia, porque acreditava e fez seus
descendentes acreditarem num único Deus.
[Alô,
editores do Grupo Coquetel! Vejam de onde Carlos Heitor Cony deve ter tirado
suas ilações teológicas: das palavras cruzadas publicadas por vocês (Picolé?
Fácil? Letrão?).]
[Cony:]
Ele teria usado o plural para fazer o homem à sua imagem e semelhança. Seria
Ele o responsável pelo antropomorfismo, dando à sua criatura as características
ontológicas de seu Ser, sendo Ele “ens ut ens”?
[Cony
quase, quase chegou lá. Digo “quase” porque se realmente tivesse compreendido o
texto, concluiria que os plurais “façamos” e “nossa” se devem ao fato de o homem
ser “imagem e semelhança de Deus” - um Ser Triúno - por três
similaridades:
1)
Ao contrário dos outros seres vivos deste planeta, o homem é um ser moral: tem
a capacidade, o direito e o dever de fazer escolhas morais.
2)
Ao contrário dos anjos, o homem pode gerar vida à sua imagem e semelhança, isto
é, produzir descendência.
3)
O homem, enquanto isolado, não pode ser imagem e semelhança de Deus pois o Criador
é um relacionamento entre Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.]
[Cony:]
Daí o nome de Deus em hebraico ser plural: Elohim.
[Se
essa é a conclusão mais lógica, para que tantos descaminhos nos parágrafos
anteriores? Deve ser o tributo que o vício paga à virtude.]
[Cony
termina:] São perguntas que não sei responder, como não sei se Lula tinha ou
não domínio do fato que resultou no mensalão.
[Finalzinho schmaltzy,
como nos sitcoms furrecas (furreca, aliás, é uma tradução possível para esse
termo yiddish) que poluem a grade de programação da TV. Nada que surpreenda;
começou mal, terminou mal. ]