Devemos grande parte do conhecimento que temos acerca do espaço aos telescópios. Esses objetos foram criados no século 17 e aperfeiçoados por muitos cientistas ao longo dos anos, o mais famoso deles Galileu Galilei. Usando telescópios rudimentares, se compararmos ao que temos hoje, Galileu percebeu a complexidade do Universo e fez afirmações revolucionárias para seu tempo. Ele identificou as crateras na superfície da Lua, percebeu que as estrelas não eram fixas e que, ao contrário do que foi afirmado por Aristóteles, a Via Láctea era formada de estrelas e não exalações celestiais. Além disso, ele descobriu quatro “planetas”, o que atualmente chamamos de satélites, que orbitam ao redor de Júpiter.[1]
Ao longo dos séculos, o conhecimento produzido com o auxílio dos telescópios foi sendo aperfeiçoado, assim como a tecnologia com que eles são feitos. Temos uma gama de tipos e modelos, desde aqueles que podemos ter em casa, até os incrivelmente complexos, posicionados em locais estratégicos do globo terrestre. Um deles é o Telescópio de Cosmologia de Atacama, localizado no deserto do Atacama, no Chile, que tem contribuído muito nas pesquisas astronômicas. Há até mesmo aqueles telescópios como o Hubble que foram enviados pela Nasa e outras agências espaciais ao espaço e são muito importantes para nos fornecer toda sorte de informações.
Apesar de toda a tecnologia disponível, ainda assim o alcance dos telescópios é limitado, especialmente seu campo visual. Os telescópios tradicionais vasculham apenas uma parte do céu por vez, o que não é muito interessante para registrar fenômenos inesperados ou que acontecem fora da região de alcance do telescópio.
Inspiração da natureza
Para resolver esse problema, os cientistas encontraram respostas e soluções na natureza com um animal que vive no fundo do mar e possui adaptações incríveis para viver em um lugar com dificuldades de visão: a lagosta. As lagostas são animais bentônicos. Isso quer dizer que elas vivem no fundo do mar, na areia, procurando comida ou um parceiro para acasalar. Por essa razão, possuem olhos poderosos adaptados para viver entre águas turvas, e muitas vezes não há luz suficiente. Seus olhos, brilhantemente desenhados, permitem que elas possam avistar potenciais presas ou até mesmo fugir de possíveis predadores. Eles estão localizados no topo de duas hastes na cabeça e são compostos por milhares de tubos quadrados e cônicos que funcionam como espelhos. Ao contrário dos nossos olhos, que usam o fenômeno da refração da luz para projetar a imagem na retina, nas lagostas a luz é refletida de quase todas as direções, ampliando seu campo de visão para 180°.[2, 3]
Em 1977, um cientista da Universidade do Arizona chamado Roger Angel teve a ideia de aplicar o que se conhecia sobre os olhos das lagostas aos telescópios espaciais usados para o estudo do espaço profundo. Assim como nos olhos daqueles animais, esses telescópios são cobertos por pequenos cubos que refletem a radiação de raio x (radiação abundante no espaço profundo) para um único ponto onde a imagem é formada. Essa estrutura é organizada de forma curva, para que o campo de visão do telescópio seja ampliado e alcance todos os ângulos. Essa tecnologia, inclusive, deixa os telescópios mais leves, o que pode ser extremamente vantajoso, já que esses equipamentos serão enviados ao espaço. Atualmente, muitos centros de pesquisas ao redor do mundo desenvolvem telescópios com essa tecnologia.[2, 3]
Inspiração vinda da natureza não é algo novo e tem que ver com uma área da ciência chamada biomimética. A biomimética estuda os modelos e processos encontrados no ambiente natural para imitá-los ou aperfeiçoar tecnologias existentes. Um exemplo muito famoso é o de um pássaro chamado martim-pescador que inspirou engenheiros japoneses a aperfeiçoar o trem-bala.
Essa área da ciência tem se mostrado um grande argumento a favor do Design Inteligente, sendo uma forma de detecção de design. Se a tecnologia, os materiais e processos são criações de uma mente inteligente, por que a natureza, que muitas vezes é usada como fonte de inspiração para construí-los, pode ser fruto de processos naturais não guiados? Não faz sentido! A mesma complexidade existente em equipamentos desenvolvidos por mentes humanas pode estar presente até mesmo em maior grau nos animais que os inspiraram, já que as estruturas desses animais, como as lagostas, são mais eficientes do que aquelas construídas por humanos, como o telescópio.
(Maura Brandão é bióloga e doutora em Ciências)
[2] https://www.bbc.com/portuguese/media-59252351
[3]
Lobsters and space telescopes. Podcast: 30 Animals That Made Us Smarter – BBC
World Service. Disponível
em https://open.spotify.com/episode/32ufG6DWJL118CMAhlTO8a?si=e9676c1e62d24195