segunda-feira, agosto 31, 2015

Jesus Cristo foi casado?

O que o papiro tem a dizer?
O recente anúncio de que cientistas comprovaram a autenticidade de um antigo papiro que traz a informação de que Jesus teria sido casado reacendeu a polêmica sobre o assunto. Três equipes de cientistas de Harvard, de Columbia e do MIT concluíram que o chamado “Evangelho da Esposa de Jesus”, escrito na língua copta e descoberto em 2012, remonta mais provavelmente ao período entre os séculos 6 e 9 d.C. De acordo com o artigo publicado na Harvard Theological Review, “a composição química do papiro e os padrões de oxidação são consistentes com outros papiros antigos, ao comparar o fragmento do Evangelho da Esposa de Jesus [que tem 4 cm por 8 cm] com o Evangelho de João”. O papiro contém a frase “Jesus disse-lhes: ‘Minha esposa...’” Mas o que a conclusão dos pesquisadores provaria, afinal: Que Jesus teve mesmo uma companheira? Ou simplesmente que o papiro é genuíno? 

O fato é que, apesar do “peso” das três instituições por trás da pesquisa, as conclusões ainda levantam dúvida. O egiptólogo Leo Depuydt, da Brown University, por exemplo, afirma que erros gramaticais do copta e o uso seletivo de negrito nas palavras “minha esposa” são indícios de que se trata de uma falsificação. [Continue lendo]

domingo, agosto 30, 2015

Conheça a primeira cidade vegetariana do mundo

Palitana fica na Índia
Sim, ela existe! Na cidade de Palitana, na Índia, está proibida a venda de qualquer tipo de carne animal ou ovo para consumo. E mais: criar bichos para abate dentro do município também virou crime – mesmo se os produtores tiverem a intenção de exportar a carne para outros lugares. A decisão foi tomada pelo governo, depois que cerca de 200 monges jainistas fizeram greve de fome para protestar contra o assassinato de animais na cidade. Segundo eles, Deus deu o direito de viver a todos os seres vivos e não cabe ao homem matar bichos para satisfazer uma vontade sua. O governo do Estado de Gujarat achou o pedido justo e decretou, em agosto, que Palitana seria a primeira cidade vegetariana do mundo. E assim está sendo desde então. A notícia agradou os cerca de 5 milhões de indianos que são adeptos do jainismo (a religião é uma das mais antigas do mundo e prega um caminho de não violência para todos os seres vivos). Quem não segue a crença, no entanto, não gostou nem um pouco da medida.

Palitana tem cerca de 65 mil habitantes e, pelo menos, 25% deles são muçulmanos – e discordam da decisão do governo. Segundo eles, a maioria das pessoas que vivem na cidade não são vegetarianas e o Estado não tem o direito de controlar a dieta das pessoas. O grupo já entrou com pedido no Supremo Tribunal Federal, juntamente com todos os pescadores da região (que, claro, também não curtiram a ideia). Eles querem a anulação da medida instituída pelo Estado.


Nota: Claro que a opção dietética se trata de uma decisão pessoal e não deve ser imposta por legislação, mas o caminho da “não violência” devia ser seguido por todos os religiosos do mundo. Na verdade, a indiferença de muitos cristãos com a saúde e o cuidado dos animais tem afastado muitos seguidores de religiões como o budismo e o hinduísmo. E é exatamente por isso que seguidores daquelas religiões ficam impressionados quando conhecem a mensagem de saúde adventista e, principalmente, quando encontram adventistas que vivem à luz dessa mensagem. A história do Ricardo (ex-hare krishna), no vídeo abaixo, é um bom exemplo disso. [MB]

sexta-feira, agosto 28, 2015

Eu aposto em Deus

Um salto de fé com razoabilidade
Nesta vida, já me tentaram convencer de algumas coisas. Como sou um indivíduo flexível e dado à abertura, se princípios absolutos e inegociáveis não estiverem em jogo, mediante o ponto de vista alheio cheguei a mudar de opinião, incorporando explicações sensatas e coerentes de outras pessoas – explicações que faziam sentido. O contrário também já aconteceu: consegui influenciar pessoas para que, por meio da reflexão, alterassem sua maneira de ver a realidade. Mudar de opinião, quando necessário, é altamente benéfico; por isso, sempre estarei disposto a mudar. Exceto numa questão pétrea e fundamental para mim: a existência de Deus e a veracidade da fé cristã. Por causa desse posicionamento, seria eu um “fundamentalista”, uma espécie de dogmático incorrigível?

Por meio de debates, alguns insistiram em me convencer de que o cristianismo é uma visão de mundo religiosa equivocada, retrógrada, castradora, opressora, obscurantista e retardadora do progresso e do conhecimento humanos! Por aí vão os adjetivos nada simpáticos... Também quiseram me fazer acreditar que Deus não é o que eu penso que seja: o Ser supremo eterno, pessoal, Criador transcendente do Universo e possuidor dos paradoxais atributos descritos na Bíblia e evidenciados na vida de Jesus Cristo – o Deus encarnado. Em vez disso, desfilaram perante mim ou um conceito de Deus estranho à noção judaico-cristã, ou uma grosseira e folclórica caricatura dEle e da religião, ou mesmo uma peremptória negação de Sua existência como fato axiomático. Por meio de sutis e bem elaborados argumentos filosóficos e científicos, mesclados com apelações retóricas, ou até mesmo fazendo uso do deboche e da crítica rasteira ad hominem, eis o estridente e enfático grito do racionalismo a me interpelar: “Não creia!”

 No âmbito do ceticismo, que de tudo suspeita, mostraram-me as mais variadas explicações para Deus e a religião. De Ludwig Feuerbach e sua teoria da projeção ouvi: “O Deus encarnado é apenas o fenômeno do homem endeusado”; “o mistério da teologia é a antropologia”; “o conhecimento que o homem tem de Deus é apenas o autoconhecimento do homem, de sua própria essência”; “o cristianismo não é mais adequado nem ao homem teórico nem ao prático: não satisfaz mais o espírito nem o coração, pois o nosso coração se interessa por coisas diferentes da eterna beatitude celeste. [...] Rejeita-se o cristianismo; ele é rejeitado no espírito e no coração, na ciência e na vida, na arte e na indústria; ele é negado radicalmente, sem escapatória, irrevogavelmente, porque os próprios homens se apossaram do verdadeiro, do humano, do antissagrado, de tal modo que do cristianismo foi tirada qualquer capacidade de resistência. Até hoje a negação era inconsciente. Só agora está se tornando uma atitude consciente, voluntária, diretamente desejável, e isso mais ainda porque o cristianismo se confundiu com as forças que querem obstaculizar essa que é a aspiração essencial da humanidade do nosso tempo, a aspiração à liberdade política. A negação consciente lança os fundamentos de que uma nova idade coloca a necessidade de uma filosofia, simples, não mais cristã, e até decididamente anticristã.”

Do fundador da psicanálise, Sigmund Freud, lançaram-me em rosto que Deus, fé e religião são representações fantasiosas, contos de fadas ou, quando muito, elementos ilusórios funcionalmente consoladores para os crédulos. Dessa forma, as crenças religiosas seriam “realizações dos desejos mais antigos, mais fortes e mais urgentes da humanidade; o segredo de sua força é a força desses desejos”. Para o provocante ateísmo psicanalítico, “Deus é uma ilusão infantil e a religião uma neurose obsessiva – uma questão meramente psicológica cuja gênese é psíquica, mero resultado do “temor e medo do castigo e desejo de consolo”. Simplista demais, não?

Aliado à concepção freudiana da fé está o pressuposto darwinista da vida, fundado no acaso e elevado à categoria de fato incontestável pelo evolucionismo – visão de mundo totalizadora, cujas explicações impostas aos vários campos do saber apodreceram e minaram a busca da humanidade pela sua verdadeira origem. O naturalismo ontológico teima em não reconhecer as fortes evidências de um Criador e as marcas de desígnio e propósito impressas no mundo natural. Para as mentes secularizadas, sobrenaturalidade, teleologia e criacionismo são caminhos interpretativos indefensáveis; foram banidos, mortos e sepultados, existindo apenas na forma de fantasmas que um dia assombraram o pensamento humano. É preciso afugentá-los pelo esclarecimento e a razão científica, adverte a voz do materialismo. Consequentemente, Deus foi exilado, proscrito do cenário cultural e apagado da paisagem, sobrevivendo apenas como mito teológico. Não sem resistência, claro.  

Segundo Gustavo Bernardo, doutor em Literatura Comparada, “os ateus diriam que Deus sempre foi uma ficção. Aliás, ateu que se preza não gosta muito de ser chamado de ateu, preferindo a expressão ‘não crente’. O termo ‘ateu’ sugere a descrença apenas em um deus, enquanto o termo ‘não crente’ engloba a descrença em deuses, super-heróis, fadas do dente, duendes de jardim, amigos imaginários e, naturalmente, no Papai Noel. Para o não crente, Deus é apenas um super-hiper-amigo-imaginário. Dentre os não crentes, alguns concedem que esse super-hiper-amigo-imaginário seja uma ficção necessária para a maioria, enquanto outros o entendem como uma ficção não só desnecessária como também perniciosa”.

Feuerbach, Freud, Marx, Nietzsche, Sartre, Madalyn O’Hair, Daniel Dennett, Sam Harris, Christopher Hitchens, André Comte-Sponville e outros pensadores e pensadoras, do passado e do presente, de diferentes maneiras (sofisticadas ou agressivas), entregaram-se a um combate intelectual e emocional contra a fé e o cristianismo, convencidos de que, como resumiu Richard Dawkins, “crer em Deus é acreditar num amigo imaginário”. Explicações tardias e recicladas do “grupo do contra” (de natureza sociológica, psicológica, filosófica, antropológica, histórica ou mesmo teológica) são abundantes e insistem em desconstruir o milenar conhecimento de Deus, erguido no decorrer dos séculos de história humana.

Particularmente, eu aposto em outras explicações mais convincentes e não fictícias; contudo, não irei expô-las aqui pois penso que detalhes intelectuais, apesar de importantes e válidos, são apenas a ponta do iceberg em toda essa controvérsia acerca do divino. Crendo ou negando, tratar Deus por meio de proposições e argumentos racionais significa tangenciá-Lo e, consequentemente, coisificá-Lo, reduzindo-O à limitada e falível linguagem humana, a um mero discurso permeado de abstrações. Deus encontra-Se muito além dos nossos jogos linguísticos; se falamos sobre Ele – e devemos falar – só o fazemos de forma muito precária e incompleta. Na linguagem do Salmo 97:2, “nuvens e escuridão estão ao redor dEle”; por isso, os argumentos humanos, pró ou contra, jamais O alcançaram no sentido de defendê-Lo ou negá-Lo. Sendo assim, “prová-Lo” sempre será um ato de fé experimental, o resultado de se deixar levar pelo “argumento do risco” – uma sensata aposta, conforme defendeu o notável filósofo e matemático cristão Blaise Pascal. 

A bem conhecida e controversa, a “aposta de Pascal”, apresentada nos Pensées – e amiúde mal compreendida por crentes e ateus que procuram se utilizar dela em seus embates –, continua uma abordagem existencial interessante acerca da possibilidade vantajosa do teísmo. Não é estritamente uma profissão de fé; tampouco uma tese comprobatória da existência do Deus cristão, mas “um argumento ad hominem. Baseia-se este no cálculo de probabilidade. [...] Não podemos provar a existência de Deus com certeza, mas podemos apostar e tomar partido enquanto sua existência ou não existência podem ser proveitosas ou não para a felicidade nossa neste e no outro mundo. [...] Pelo cálculo da probabilidade devemos avaliar os riscos de ganhar ou perder. A razão não pode decidir se existe Deus ou não, pois entre nós e Deus há distância infinita. Por isso, apostemos cara ou coroa, a favor da existência de Deus. Se ganhamos, ganhamos tudo. Se perdemos, nada perdemos. Portanto, é racional apostar e correr o risco de nos equivocarmos numa aposta em que temos todas as probabilidades de ganhar e nenhuma de perder”, frisou Urbano Zilles, professor de Teologia e Filosofia.

Pascal coloca o homem cético na parede, interrogando-o e apelando: “Qual será a tua aposta? A razão não pode fazer-te escolher nenhuma delas, a razão não pode provar que qualquer uma das duas esteja errada... Sim, mas deves apostar. Não há escolha, já estás comprometido. Qual escolherás então? Vejamos: já que uma escolha deve ser feita, vejamos qual te oferece o menor interesse. Tens duas coisas a perder: o verdadeiro e o bom; e duas coisas a apostar: tua razão e tua vontade, teu conhecimento e tua felicidade; e tua natureza tem duas coisas a evitar: erro e desgraça. [...] Examinemos o ganho e a perda envolvidos em apostar ‘cara’, que Deus existe. Estimemos os dois casos: se ganhares, ganharás tudo, se perderes não perderás nada. Então não hesita; aposta que Ele existe...”

Para não julgarmos mal Pascal, achando que ele era um tipo de apostador fideísta, é oportuno citar uma declaração de sua lavra que equilibra bem o posicionamento do filósofo no tocante à razão e à fé: “É preciso saber duvidar quando necessário, afirmar quando necessário. Quem assim não faz, não entende a força da razão. Há os que pecam contra esses três princípios, ou afirmando tudo como demonstrativo, por falta de conhecimento em demonstrações; ou duvidando de tudo, por não saberem quando é preciso submeter-se; ou submetendo-se a tudo, por ignorarem quando é preciso julgar.”

No pensamento pascaliano, diferentemente das polarizações e dicotomias artificialmente criadas, há um entrelaçamento harmonioso entre razão e fé, cada uma ocupando um espaço significativo e relevante dentro das pessoas. Tal entrelaçamento permite-nos decidir com segurança quando somos confrontados com as grandes incertezas da vida. Talvez, para muitos, a maior das incertezas seja esta: Deus existe?  Numa crítica a Descartes, pergunta Pascal: “Que fará, pois, o homem nesse estado? Duvidará de tudo? Duvidará que desperta, que o beliscam, que o queimam? Duvidará que duvida? Duvidará que existe? Não podemos chegar a este ponto; tenho, como fato, que nunca houve pirronismo efetivo perfeito. A natureza sustenta a razão impotente e impede que extravague até este ponto.” No entendimento de Pascal, a resposta para o impasse da existência de Deus não poderia ser estritamente racional: “A razão não pode decidir essa questão”, dizia ele.  

Muitos debates filosóficos foram travados em torno da aposta de Pascal. Mesmo em seu tempo, século 17, havia críticos severos do seu pensamento, que o acusaram injustamente de fideísta. Hoje, igualmente, de ambos os lados da questão, há quem o critique e quem o elogie. Pessoalmente, eu simpatizo com a “aposta”, porquanto, para mim, o risco de se crer no Deus cristão não corresponde a uma atitude irresponsável e ingenuamente crédula. Significa ponderar as evidências acumuladas em todas as áreas e experiências da vida para, então, decidir seguramente sobre a possibilidade real da transcendência. Isso requer tempo, culminando num ato final de vontade. Acho que o filósofo da religião Richard Swinburne concordaria comigo. Ele também argumenta: “Há uma vantagem probabilística significativa a favor da existência de Deus. Se a aceitarmos, isso significa que temos certos deveres. [...] Uma grande gratidão em relação a Deus é mais que apropriada. Devemos exprimi-la no culto e na tentativa de alcançar os Seus propósitos – o que compreende, como um passo preliminar, certo esforço para descobrir que propósitos são esses. [...] Mas Deus nos respeita; não nos forçará a essas coisas – podemos escolher procurá-las ou não. Se as procurarmos, há obstáculos óbvios neste mundo à sua prossecução. Os obstáculos são necessários, em parte para assegurar que o nosso comprometimento é genuíno. Mas a seu tempo haverá razões para que Deus remova esses obstáculos – para permitir que nos tornemos as pessoas boas que procuramos ser, para nos dar a visão de Si mesmo – para sempre.”

Costuma-se dizer que o intuito da Aposta “é oferecer razões práticas para cultivar uma crença em Deus”. A apologética pascaliana fortalece a fé cristã? Eu afirmo que, numa sequência de argumentos, a Aposta encontra-se na extremidade, como o último recurso teísta de convencimento. Em suma, faz sentido apostar em Deus? Pessoalmente, respondo que sim! E não foi só Blaise Pascal quem me convenceu disso. Existem inúmeros indicadores que apontam positivamente para a solidez e confiabilidade do cristianismo e para o Deus revelado nas Escrituras, defendido por Pascal até a morte. Basta ser um bom observador, desprovido de preconceitos e antipatias, para reconhecer a racionalidade e as coerentes justificativas da fé. Basta ter pensamentos um pouco mais profundos para perceber que o conhecimento de Deus é possível e enriquecedor.

Como teísta, estou certo de duas coisas: primeiro, do fato de que “não vos fizemos saber o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas” (2 Pedro 1:16). Segundo, Deus não precisa que o ser humano O defenda nos moldes do debate; contudo, Ele não impede que o façamos num clima de respeito, ética e tolerância. Melhor mesmo é proclamá-Lo, sobretudo em nossa forma de viver. Nesse sentido, eu recolho meus argumentos e saio da arena de discussão contenciosa. Eu simplesmente aposto nEle, cada dia, convicto das vantagens que me advirão no tempo presente e na eternidade. 

(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)

Ao atacar fanatismos dietéticos, Veja publica bobagens

Professor Alan Levinovitz
A revista Veja desta semana publicou uma entrevista com o professor de religião e filosofia na Universidade James Madison Alan Levinovitz, que lança no mês que vem um livro sobre as “mentiras a respeito do glúten”. Levinovitz embarcou na onda denuncista contra o glúten e Veja comprou (ou vendeu espaço...) a ideia, concedendo as amarelas para Levinovitz dar seu recado. A parte em que ele denuncia os que fazem da alimentação uma verdadeira religião até que é aproveitável, mas Levinovitz também falou um monte de leviandades. Convidei o neurologista e nutrólogo Elias Oliveira Lima para comentar a entrevista aqui no blog. Veja o que ele escreveu:

De uma forma geral, o professor Alan apresenta tantos equívocos em sua entrevista que, para abordar todos, eu teria que se reescrevê-la, com os respectivos comentários.  Comentarei alguns pontos apenas, já que ele chamou de “mantra religioso” as orientações do Instituto Nacional do Câncer sobre uso de alimentos orgânicos para prevenir o câncer, denominando-as “ridículas”; estou certo de que os profissionais do INCA responderão com presteza e propriedade essas colocações descabidas.

Ele tropeça logo na primeira resposta, ao afirmar: “A ciência já superou a máxima: você é o que você come.” Que ciência? Fisicamente, não há outro meio de construção do corpo a não ser com o alimento. A relação de causa e efeito da boa e da má alimentação nunca esteve tão patenteada como na atualidade, exatamente por estudos científicos.

Ele mesmo cita, abordando o sentimento de culpa, um estudo que revelou que, entre japoneses, franceses e americanos, estes são os mais “conscientes no que diz respeito à nutrição, os que se sentem mais culpados pelas escolhas alimentares e os que mais sofrem com obesidade e são os menos saudáveis”. Atribuir esses resultados ao sentimento de culpa é distorcer grotescamente o óbvio.

A partir de comportamentos sectaristas de pequenos nichos da população, ele projeta práticas e ideias para setores ou grandes grupos populacionais. Quando diz que conhece gente que “deixa de ir a reuniões familiares por não saber a origem do que será servido”, ou “por medo do açúcar colorido artificialmente”, ele se refere a um comportamento extremista que está restrito a pequenas parcelas da população, mas coloca como padrão dos que “vivem com medo de ser impuros”, que quer dizer “medo de estar doente”.

Ele menciona como objetivo de comer “divertir-se com os amigos, desfrutar cultura e história”. E quem disse que não há diversão com amigos quando a refeição é saborosa e saudável? Haja preconceito e desinformação! A frase “para aproveitar a vida o importante é ser flexível e não ficar impondo regras a si próprio” me lembrou uma psicóloga que frequentava um grupo de estudos em saúde de que eu participava, que dizia pensar diante de um prato da mais gordurosa comida baiana: “Isto aqui vai me fazer muito bem”, e o devorava. Embora estivesse convicta de seu poder mental transformador, ele não foi suficiente para livrá-la de doenças tão destruidoras de sua saúde que a certa altura teve que se retirar da cidade e de seu exercício profissional, indo para o campo para se cuidar de forma radical.

A afirmação de Levinovitz de que “não podemos transformar os alimentos em remédios” abalroa um dos maiores pilares da alimentação de todos os tempos. Foi Hipócrates, o pai da medicina, quem disse na Grécia, cinco séculos antes de Cristo: “Seja o teu alimento o teu remédio.” De lá para cá, educadores e profissionais de saúde, bem como importante parcela dos cientistas têm procurado aprimorar as condições de aproveitamento das melhores qualidades dos alimentos, buscando preencher esse axioma ao máximo, em benefício das novas gerações. Isso é tão verdadeiro e importante que hoje já se formulam os nutracêuticos, remédios criados a partir das vantagens nutricionais dos alimentos.

Levinovitz acha que, “se uma pessoa acredita que sua fé faz bem e proporciona uma vida melhor, é positivo convencer os outros a se juntarem a ela”, mas condena quem “aplica o mesmo entusiasmo religioso à comida e aos exercícios”. Onde está a diferença? Até se poderia dizer o contrário, já que comer de forma frugal e exercitar-se diariamente traz resultados palpáveis e rápidos, enquanto abraçar outros dogmas religiosos é muito mais complexo e intangível, fora o fato de que escolher uma religião é uma decisão de foro muito íntimo.

Finalmente, como professor de religião, ele deveria levar em conta os ensinamentos do apóstolo Paulo que, em sua primeira carta aos Coríntios, menciona: “Quer comais, quer bebais [...], fazei tudo para a glória de Deus”, e “não sabeis que sois templo do Espírito Santo?” O Criador planejou objetivos muito mais nobres e elevados para os alimentos que ingerimos, além da simples diversão.

quinta-feira, agosto 27, 2015

Espermatozoides usam arpões para se fixar ao óvulo

O milagre da vida
Uma pesquisa conduzida por cientistas da Universidade da Virgínia, nos EUA, constatou a presença de proteínas na ponta dos espermatozoides de mamíferos que lembram pequenos arpões. Os estudiosos supõem que esses pequenos filamentos existem para ajudar o espermatozoide a se fixar na parede do óvulo e fecundá-lo. A pesquisa levou 14 anos para ser concluída, e foi publicada no periódico científico Andrology. O trabalho foi liderado pelo biólogo John Herr, especialista em reprodução da Escola de Medicina da Universidade da Virgínia. Há anos, ele e sua equipe descobriram uma proteína na ponta dos espermatozoides, a SLLP1 [imagem abaixo]. Estudá-la era tarefa complicada – era difícil determinar qual o formato da SLLP1 e, sem essa observação, não era possível construir hipóteses quanto a sua função. Para isso, Herr precisou da ajuda de Wladek Minor, pesquisador do departamento de biologia celular da mesma universidade. Minor utilizou uma técnica que cristalizou a SLLP1. Feito isso, o cristal formado foi resfriado a temperaturas criogênicas, de modo a preservar seu formato sem quebrar. Ele então foi bombardeado com raios-x. Observando a refração dos raios-x, os pesquisadores conseguiram calcular qual o formato da proteína. A SLLP1 tem formato de filamento, forma pequenos arpões. A equipe de Herr acredita que a estrutura, localizada na ponta do espermatozoide, existe para ajudar na penetração do óvulo. A descoberta pode mudar a forma como compreendemos a fecundação nos mamíferos.


Nota: Os detalhes que vão sendo descobertos sobre a fecundação e as especificidades do espermatozoide e do óvulo apenas aumentam a noção da complexidade do processo. São tantos detalhes irredutivelmente complexos que deveriam estar presentes já na primeira relação sexual que, caso não existissem, não estaríamos aqui, agora, falando sobre isso. Leia os textos a seguir para saber mais sobre essa engenharia da reprodução. [MB]

Explosão de fraudes em estudos deixa ciência em xeque

Aumentam os retracts
Observação e formulação de hipótese, realização de testes e experimentos, compilação e interpretação dos resultados, construção de teoria, redação de artigo, análise dos pares, publicação em um periódico reconhecido e replicação. Um breve resumo do método científico moderno mostra o rigor que as pesquisas devem seguir. Mesmo assim, a expansão da pesquisa veio acompanhada de uma explosão no número de estudos retirados da literatura, seja por erros sistemáticos ou de modelagem, má conduta ou mesmo má-fé, formada pela infame trinca plágio, manipulação e fraude. Um levantamento da revista Nature mostrou que, só na primeira década deste século, o índice de anúncios dos temidos retracts, palavra em inglês que define o envio dos artigos para o esquecimento dos anais da ciência, multiplicou-se por dez, muito acima da alta de 44% na produção científica. Para além de apenas manchar ou destruir reputações, os casos de fraude são os que mais preocupam os especialistas por colocar em risco o próprio futuro da ciência, tanto pela má distribuição dos já limitados recursos investidos em pesquisas quanto por minar a confiança da sociedade nos seus cientistas, o que pode se traduzir em ainda menos investimentos. [Continue lendo]

Nota do químico da Unicamp Dr. Marcos Eberlin: “Sou um grande fã da ciência, minha casa e minha vida (profissional), e respeito muito os muitos que tentam contribuir por meio dela, com sinceridade, para uma sociedade e um mundo melhores - eu faço o que posso -, e jamais venderia a minha ‘alma’ por um artigo que fosse, pois dou contas, sobretudo, a um Deus que tudo vê e tudo sabe, e é bom, mas justo. Lembrei-me do versículo “maldito o homem que confia no homem”, e de tantos artigos que leio, às vezes na Nature, Science e outras, sobre provas da ‘coisa horrorosa’. Lembrei-me de elos perdidos, vida em sopa escaldante, dinos & canários, semelhança genética... a foto acima me lembrou dos embriões de Haeckel, sem falar das mariposas de Manchester, dos bicos de tentilhões. Olha o estrago à ciência que uma cosmovisão equivocada tem feito. Se fossem todos retratados, aí, caramba, a porcentagem de retracts explodiria!”

Desenhos mostram a triste realidade do mundo

Para Cutts, o trabalho não deveria ser uma corrida de ratos sem alma pelo todo-poderoso dinheiro. Consumismo não deveria ser tão importante em nossa vida. E os meios de comunicação social, bem, são em muitos casos algemas que ansiosamente colocamos em nós mesmos. Sendo assim, o criativo ilustrador e animador de Londres, Inglaterra, faz imagens que criticam a vida moderna. Segundo ele, a insanidade da humanidade é uma piscina infinita de inspiração.

(Bored Panda, via Hypescience)












Revista Vida e Saúde de setembro

quarta-feira, agosto 26, 2015

Holocausto: traumas foram passados para gerações futuras

Dor de pais para filhos: retrato da vida
Uma pesquisa em torno de pessoas que descendem de vítimas do Holocausto revelou grandes descobertas relacionadas à transmissão genética humana [leia mais aqui]. Segundo a pesquisa, foram encontrados vestígios de trauma transmitidos para os genes dos mais novos. As informações são do The Guardian. Realizada por um time do hospital Mount Sinai, em Nova York, nos Estados Unidos, a pesquisa analisou material genético de 32 judeus, homens e mulheres, que ficaram presos em campos de concentração nazistas, onde eram submetidos aos mais variados tipos de tortura psicológica e física. Logo após essa análise preliminar, foram analisados também os genes dos filhos dessas pessoas e comparados com os de famílias judias que viviam fora da Europa durante a Segunda Guerra. O que se encontrou foram desordens de estresse muito agudas, todas promovidas por mudanças genéticas.

Esse é um dos trabalhos mais claros em relação à transmissão de traumas para uma criança, em uma área chamada de “herança epigenética”. Basicamente, a tese defende que influências ambientais, como tabagismo, dieta e estresse podem afetar genes de gerações futuras.

A importância do estudo se dá principalmente pelo fato de que a ideia ainda gera muita controvérsia dentro da ciência. Durante muitos anos o impacto da sobrevivência ao Holocausto em gerações futuras tem sido estudado a fundo. Os especialistas, agora, comemoram a evolução.

“Esse estudo fez algum progresso útil. O que nós estamos começando aqui é o primórdio de uma compreensão de como uma geração responde às experiências de seus antepassados, descobrindo de que forma os genes interagem com o mundo e as mudanças constantes que acontecem”, afirma Marcus Pembrey, professor do University College of London e um dos entusiastas do tema.


Nota: Em Êxodo 20:5 e 6, lemos o seguinte: “Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que Me odeiam. E faço misericórdia a milhares dos que Me amam e aos que guardam os Meus mandamentos.

Muitas vezes, atribuem-se a Deus consequências que Ele não evita e que derivam de nossas escolhas. Não estaria aí, nessas palavras do decálogo, uma prefiguração da epigenética? De qualquer forma, essa pesquisa da equipe do hospital Mount Sinai é mais um alerta, especialmente àqueles que pretendem ser pais, de que seus hábitos de vida podem influenciar os filhos e até os netos.

Há mais de um século, Ellen White escreveu: “Pai e mãe transmitem aos filhos suas características, mentais e físicas, e suas disposições e apetites” (Temperança, p. 173, 174). “Se antes do nascimento de seu filho, ela [a mãe] é condescendente consigo mesma, egoísta, impaciente e exigente, esses traços se refletirão na disposição da criança. Assim, muitas crianças têm recebido como herança quase invencíveis tendências para o mal” (A Ciência do Bom Viver, p. 372, 373). “Onde quer que os hábitos dos pais sejam contrários à lei física, o dano causado a si mesmos repetir-se-á nas gerações futuras” (Temperança, p. 173, 174).

Mas a boa notícia é esta: “Cristo deu Seu Espírito como um poder divino para vencer toda tendência hereditária e cultivada para o mal, e gravar Seu próprio caráter em Sua igreja” (O Desejado de Todas as Nações, p. 671; grifo acrescentado).

Como a pornografia cria o “cliente”

Atores do filme Uma Linda Mulher
Hoje eu quero falar sobre a construção social da masculinidade, especificamente da construção social do cliente. Vamos partir do princípio de que homens não “são assim mesmo”. Na verdade, são socializados para serem clientes, estupradores, agressores de mulheres e cafetões. Mas o que temos que entender e nos perguntar é: De onde vem isso? O que faz um homem chegar ao ponto de pagar por sexo com uma mulher que ele nunca viu na vida? Uma mulher que ele sabe muito bem que prefere estar em qualquer lugar do que ali e que provavelmente está nessa situação por ter sido abusada sexualmente, por ser pobre e estar desesperada. Um dos fatores – não o único – mas um fator-chave que leva os homens a procurarem prostitutas é a pornografia. A pornografia é a principal fonte de “educação sexual” nos dias de hoje; não há nada mais poderoso como educação sexual do que ela, e vou falar de como a pornografia, a mídia e a cultura pop criam os clientes. Mas como a mídia e a cultura pop fazem isso? Glamourizando a prostituição e ignorando, polindo e reabilitando clientes. Vamos começar lembrando do filme Uma Linda Mulher

Pense na história: um cliente que se apaixona pela prostituta e eles vivem felizes para sempre. Todos concordam que foi um sucesso, não? Faturou milhões. Bilhões, provavelmente. E o que Hollywood faz sempre que um filme fatura milhões? Faz de novo, faz a parte 2. Minha pergunta é: Cadê Uma Linda Mulher 2?  Vamos imaginar como seria: eles fazem um lindo casamento entre a prostituta e o cliente e eles vão viver em uma linda casa. E um dia eles brigam, e então do que ele vai xingá-la? “Sua p...!”
“Sua p... imunda!” “Não discuta comigo porque, senão, adivinha, te jogo de volta na rua de onde você veio!” Me responda uma coisa: Quantas prostitutas você acha que vivem felizes para sempre com seus clientes? Está vendo por que eles não podiam fazer Uma Linda Mulher 2?

Mulheres foram assistir a isso, não foram? E todo mundo amou, certo? Esse é um sinal de quanto as mulheres estão colonizadas, de como o patriarcado está nas nossas mentes e molda quem somos.

Outra pergunta: Que ator estrela de Hollywood bateu tanto em uma mulher que ela acabou no hospital e o processou? Saiu em todos os jornais britânicos, mas nos EUA nem uma palavra: Jack Nicholson.[1] Se você não acredita em mim, existe um laudo que está no processo feito pela prostituta. E o laudo diz como ele bateu e jogou ela de cabeça no chão porque não queria pagar pelo programa depois de ter feito sexo com ela e outra mulher. Viu como a mídia colabora com o silêncio para manter isso invisível? E naquele mesmo ano, depois disso ter acontecido, ele estava na primeira fila do Oscar e ninguém tocou no assunto.

Conhece Eliot Spitzer, o cliente mais famoso dos Estados Unidos?[2] Sabe o que ele era antes de ser desmascarado como um cliente? Governador de Nova York. Antes de ser pego gastando 10.000 dólares por mês com prostitutas, sabe o que ele estava prestes a lançar? Uma campanha anti-prostituição. Ele era tão violento como cliente que era difícil achar prostitutas que aceitassem sair com ele. Ainda descobriram que ele traficava mulheres de um estado para outro. Ele foi “reabilitado” e agora tem um programa de TV. E sua esposa o apoia.

Mas o que leva homens como Charlie Sheen, Tiger Woods, Eliot Spitzer, Hugh Grant, Jerry Springer e Eddie Murphy a se tornarem clientes? Vamos analisar uma das forças sociais que constroem a masculinidade: a pornografia.

1. É a legitimação cultural da compra e venda de mulheres.
2. É a prostituição filmada: mulheres sendo pagas para fazer sexo. A diferença entre prostituição e pornografia é que você pode continuar vendendo a mulher quantas vezes quiser, mesmo depois de morta você pode vender sua imagem várias e várias vezes. Não existe limitação física das mulheres na pornografia, pois o sexo prostituído está gravado.
3. É a representação visual do sexo prostituído.
4. É o uso de mulheres traficadas sexualmente.
5. É criadora de demanda.

Vou explicar como ela cria a demanda explicando como a indústria pornográfica funciona. Sempre que falo sobre pornografia, me dizem que ela sempre existiu, e eu concordo com isso. Desde o início dos tempos, sempre existiu pornografia. Mas o que eu quero falar é sobre a indústria pornográfica.

A industrialização do sexo

É necessário conhecer e entender a indústria pornográfica para mudar a visão que temos sobre o assunto. A indústria pornográfica começou em 1953 com a primeira edição da Playboy. Nunca antes na história uma revista pornográfica tinha circulado pelo mainstream do capitalismo. É por isso que temos que pensar nisso como uma indústria. Temos que analisar como um plano de negócios de um pequeno grupo de administradores de empresas pensando em como criar demanda e construir mercado.

É difícil ter estatísticas exatas, mas é uma indústria que movimenta aproximadamente 97 bilhões de dólares no mundo todo. E lembre-se de que 97 bilhões de dólares compram muitos políticos na América. O montante de dinheiro que os pornógrafos investiram para o desenvolvimento da internet foi crucial para a sua criação. A internet não comanda a pornografia, a pornografia comanda a internet:

- 37% da internet é pornografia.
- Existem mais de 26 milhões de sites pornôs.
- A indústria pornográfica fatura 3.000 dólares por segundo.
- 40 milhões de usuários consomem pornografia regularmente nos EUA.
- Uma a cada quatro buscas do Google são por pornografia.
- Mais de um terço de todos os downloads feitos são pornografia.
- A cada ano são lançados mais de 13.000 filmes pornôs.

Numa conferência recente, os pornógrafos anunciaram que estão investindo em desenvolvimento de celulares, pois em países em desenvolvimento muitas famílias têm apenas um computador em casa e os homens não conseguem baixar pornografia no meio da sala. Já com um celular, os homens podem achar um lugar sozinhos para assistir pornografia. E onde a pornografia chega, o tráfico de mulheres e a prostituição vão atrás.

Esse é o nível de pesquisa que eles fazem para entrar em países superpopulosos. “A ‘corporatização’ da pornografia não é algo que acontece ou que vai acontecer, é algo que já aconteceu – e se você ainda não se ligou nesse fato, não há mais lugar nessa mesa para você. É Las Vegas acontecendo de novo: os independentes, mafiosos renegados e empreendedores visionários sendo varridos pelas grandes corporações” (Adult Video News, 2009).

Pornografia não é um amontoado de imagens aleatórias, não é fantasia – fantasia acontece na cabeça, pornografia acontece nos bancos internacionais do capitalismo. Dois lugares completamente diferentes. O que significa fazer parte da indústria pornográfica hoje:

- Aumentar o capital.
- Contratar gerentes e contadores.
- Fazer fusões e aquisições.
- Fazer exposições comerciais.
- Fazer negócios com outras empresas (bancos, empresas de cartão de crédito, operadoras de TV a cabo, etc.).

Cada vez que um homem compra pornografia, isso vai para um cartão de crédito. Agora imagine quanto dinheiro as empresas de cartão de crédito ganham com isso. Agora pense nas conexões entre a mídia mainstream e a pornografia. Um exemplo de como essa conexão funciona são as RealDolls, mulheres de silicone “anatomicamente corretas”, cuja lista de espera para comprar é de seis meses. Todos os anos em Las Vegas acontece uma convenção pornô. Eu fui lá e entrevistei o cara que estava no estande da RealDolls e perguntei: “Por que você acha que os homens compram essas bonecas?” Ele me olhou direto nos olhos e disse: “Isso os ajuda a desenvolver relacionamentos com mulheres.” Ok. Então perguntei: “Você já assistiu ao filme A Garota Ideal (Lars and the real girl)? Sabe, o filme em que um cara se apaixona por uma boneca? Estrelando Ryan Gosling, uma grande estrela de Hollywood.” Ele me respondeu: “Se eu já assisti? Nós fomos os consultores do filme e no dia do lançamento nosso site caiu de tanto que os homens acessaram.”

Quando lidamos com a indústria pornográfica, estamos lidando com um poder cultural, social e político que tem a capacidade de definir o panorama sexual, pois trabalha como qualquer outra indústria. Concordamos que a indústria de alimentos molda a maneira como comemos, que a indústria da moda molda a maneira como nos vestimos, então como é possível que a indústria do sexo seja a única que não molda o comportamento humano? Se a indústria pornográfica não molda a maneira como nos comportamos, então tudo que sabemos sobre sociologia e psicologia está errado. Teríamos que concordar que todos nós nascemos com certa sexualidade e que ela se mantém intocada pela cultura, e sabemos que isso é impossível; sabemos que a sexualidade é construída pela cultura.

Quando falo em pornografia, que imagens vêm a sua cabeça? Revista Playboy? Pessoas fazendo sexo? A revista Playboy está falida e só sobrevive porque vende sua marca e investe em outras empresas mais hardcore sob outros nomes para manter sua marca “limpa”. A Penthhouse faliu e a Hustler se diversificou. [...]

É assim que a pornografia é hoje: não existe mais soft-porn (pornô leve) e hardcore (pornô pesado), o que existe é feature-porn (pornô “longa metragem”) e gonzo-porn (pornô “sem roteiros”). O soft-core não existe mais porque migrou para a cultura pop. O nível de hipersexualização das artistas pop atuais seria considerado soft-porn 15 anos atrás. Hoje olhamos para a mídia e ficamos dessensibilizados a um nível de hipersexualização que é totalmente novo. E por causa dessa hipersexualização da cultura pop a pornografia teve que ficar mais hardcore para se diferenciar da MTV, por exemplo.

Para a indústria, o feature-porn é o que eles chamam de “mercado para casais”. É um filme de uma hora e meia, música suave, às vezes tem história, mas o sexo é hardcore. Os homens costumam mostrar esses filmes para as namoradas para elas se acostumarem com sexo hardcore.

No documentário The price of pleasure (O preço do prazer), por exemplo, um rapaz fala sobre como ele quer apresentar sexo anal para sua namorada, mas não sabe como fazer. Então ele pega um filme feature-porn, que sempre tem sexo anal, e espera o momento certo para propor sexo anal a ela: o momento em que ela não fizer mais careta para as cenas. Ou seja, quando um homem sugere assistir um feature-porn com uma mulher, geralmente ele quer que ela se anime a fazer sexo hardcore com ele. Resumindo, é esse tipo de pornô que homens e mulheres costumam assistir juntos. Mas quando homens estão sozinhos, o que eles assistem mesmo é gonzo-porn (pornô “sem roteiros”): é assim que eles chamam o pornô pesado sem história nenhuma. O “pai” desse tipo de pornô é um homem chamado Max Hardcore. [...] Ele é um sádico sexual e um dos donos da indústria gonzo. Ele, na verdade, inventou a pornografia com vômito. Esse homem usa espéculos como instrumento de tortura em vaginas e ânus de mulheres.

Quando comecei minhas pesquisas 15 anos atrás e entrevistei pornógrafos da indústria, nenhum deles queria chegar perto do Max Hardcore; ninguém queria ser dono dessa empresa; ele era considerado muito extremo. Da última vez que estive em Las Vegas, ele tinha o maior estande no centro da convenção pornô e tinha a maior fila de autógrafos lá.  Ele agora é o centro da indústria pornográfica. 

Não existe um jeito melhor de contar a história da pornografia do que contar a história da marginalização de Max Hardcore até sua chegada ao topo. [...] Você não pode deixar que o cara que vai se masturbar assistindo aquele sexo violento veja qualquer sinal de humanidade naquelas mulheres; porque na maioria das vezes os homens que chegam até esses filmes pornôs não são sádicos. Mas a questão é como fazer homens que não são sádicos sexuais se masturbarem vendo sexo sádico? Isso é um problema na indústria, porque você concorda que a maioria dos meninos de 13 anos não é sádico sexual ainda, não é mesmo?

Isso é muito importante. Porque quando você faz tráfico de mulheres, você tem que mostrar que aquelas mulheres “são diferentes das que você conhece”. Você faz essa divisão porque, quando chega a hora de assistir tortura sexual, ninguém vai olhar nos olhos daquela mulher e ver um ser humano, mas sim uma p.... Homens com frequência discutem comigo dizendo que as mulheres que fazem esse tipo de filme amam o que estão fazendo, e eu sempre rebato: “Você já pesquisou? Conversou com as atrizes?” E eles respondem: “Dá para ver que elas gostam.” E o mais interessante é que, na verdade, você vê o contrário. Elas são péssimas atrizes. Podemos ver que elas estão chorando, que elas estão chateadas e que, no final, elas estão completamente acabadas. [...]

Agora imagine um menino de 11 anos, hormônios aflorando, ele digita “pornô” no Google imaginando que vai ver alguns seios e é isso que ele encontra. Como eles o mantêm no site? Os pornógrafos pensaram nisso muito bem: “Sabe o que a gente diz sobre romance e preliminares? A gente diz [...]! Esse site não é para meias-bombas tentando impressionar vadias metidas. A gente pega lindas p... e faz o que todo homem realmente gostaria de fazer. A gente faz elas engasgarem até a maquiagem borrar e... [impublicável]” (texto de um site pornográfico).

Imagine um menino de 12 anos, ele não sabe que vai assistir isso e se assusta, mas os pornógrafos planejaram isso muito bem, eles dizem: “Faça o que todo homem realmente gostaria de fazer.” Essa é a isca. Eles estão dizendo para o menino: “Você é um homem de verdade? Porque se você for, é isso que você realmente gostaria de fazer.” E o que você acha que um menino de 12 anos vai fazer? Vai fugir assustado porque não é um “homem de verdade”? Claro que não! Ele está construindo sua masculinidade. E como você a constrói? Você vaga pela cultura se perguntando o que significa ser um homem. É assim que eles conquistam os meninos. Assim como as mulheres vagam pela cultura se perguntando “O que significa ser uma mulher?”, e encontram Beyoncé, Lady Gaga e Rihanna, eles vagam pela cultura e encontram isso. É como uma aranha espalhando a teia.

Os meninos acabam excitados e traumatizados. Essas crianças são vítimas da indústria pornográfica porque fazer isso com um menino de 12 anos é vitimá-lo e traumatizá-lo, pois não é isso que ele procura. Essa é a idade em que ele desenvolve suas preferências sexuais, e quanto mais ele desenvolve suas preferências sexuais pela pornografia, mais a pornografia define quem ele é. Quanto mais a pornografia define quem ele é, mais provavelmente ele vai se tornar um cliente. Porque quantas mulheres ele vai encontrar que vão fazer esse tipo de coisa? Ele vai querer fazer essas coisas. E é assim que a pornografia cria demanda. [...] Ninguém precisa ser PhD para entender o que isso significa: nojo e ódio às mulheres numa idade em que os meninos estão desenvolvendo suas preferências sexuais. [...]

Você tem noção de que um pequeno grupo de homens em Los Angeles está construindo a preferência sexual dos meninos pré-adolescentes no mundo todo? Isso é o que eu chamo de colonização cultural na sua pior forma. Porque quando você coloniza sexualmente uma cultura, você a coloniza por completo.

Um relatório médico da indústria pornográfica mostrou que atualmente as atrizes estão contraindo gonorreia na garganta e nos olhos e clamídia no ânus. Você acha justo que a cada ano um grupo de mulheres de cada geração tenha que lidar com isso? Você acha que elas são diferentes de mim e de você?

Antigamente, o que os meninos adolescentes faziam quando os hormônios começavam a agir? Roubavam a Playboy do pai. Você tinha acesso limitado à pornografia. Por pior que a Playboy fosse, ela não chegava aos pés do que a pornografia é hoje. Nunca antes uma geração de meninos foi criada com acesso 24 horas à pornografia pesada. Esse tipo de experimento social nunca foi feito antes. E esses meninos vão crescer e se tornar políticos, advogados, médicos, ou seja, os líderes da próxima geração, pois quando eles crescerem ainda viveremos numa sociedade patriarcal. E eu pergunto: Que tipo de pais, advogados, juízes vão se tornar esses homens criados pela pornografia gonzo? Esse tipo de pergunta não está sendo feita. E como socióloga e estudiosa de pornografia, posso garantir que haverá implicações que você ainda nem pode entender. Porque assim que você perde a habilidade de se conectar emocionalmente com alguém, que tipo de ser humano você se torna?

E qual é o futuro da pornografia? Bom, a pornografia está num beco sem saída. Sabe por quê? O problema que eles enfrentam hoje é o seguinte: eles já fizeram tudo o que podiam com o corpo de uma mulher, até quase matá-la. Não sobrou mais nada. E porque a pornografia é tão rentável, acessível e anônima, e porque tantos homens a usam todos os dias, se instaurou uma total dessensibilização. O que faz o sexo ser interessante? A pessoa com a qual você está fazendo sexo e a conexão que tem com ela. Mas a pornografia destruiu toda essa conexão e deu lugar ao nojo e ao puro ódio às mulheres.

Veja o que disse um diretor de filmes gonzo: “O problema com o mercado de sexo extremo, o sexo gonzo, é que tantos fãs querem ver coisas cada vez mais extremas que estamos sempre procurando novos caminhos para fazer coisas diferentes.” Bom, e sabe para onde a indústria pornográfica está indo?

Em 2003, a lei que proibia pornografia com mulheres de 18 anos que aparentavam ter menos de 18 anos foi derrubada. Do dia para a noite, houve uma explosão do que eu chamo de “pornografia infantil legalizada”. Estão na sessão “teen” dos sites pornográficos. O tipo de filme que temos hoje em dia é: Primeira vez com o papai, P... do papai, Tudo bem, ela é minha enteada 7. Você sabe quantas enteadas são estupradas? Isso não é coincidência. Pedófilos costumam ir atrás de mulheres com filhos. E aonde tudo isso está nos levando?

Um tempo atrás entrevistei estupradores de crianças que não eram pedófilos. Explico: nenhum deles se encaixava na descrição do que é um pedófilo – homens que em média aos 14 anos começam a molestar crianças e quando chegam à fase adulta deixam um rastro de centenas de vítimas. Esses homens que entrevistei estavam presos por posse de pornografia infantil e por estuprar uma criança depois dos 50 anos, e quando eu perguntei se eles eram pedófilos, eles ficaram ofendidos e disseram: “Claro que não! A gente prefere sexo com mulheres adultas!” Então eu perguntei: “Mas se vocês não são pedófilos, por que estupraram crianças?” E a resposta que eles me deram foi: “Ficamos entediados com a pornografia adulta e queríamos tentar algo novo.” E sabe quanto tempo eles levaram para estuprar uma criança depois de ver pornografia infantil? Um ano.

É isto o que a sociedade fez: abriu as portas para uma nova geração de homens que nunca antes havia considerado uma criança como vítima, e agora considera.

Você conhece o termo aliciamento, não? Aliciamento é quando um molestador foca numa vítima criança, mas ele não bate ou violenta, ele diz o quanto ela é especial, o quanto ela é legal, ele compra presentes, ele diz o quanto ela é gostosa até que chega um ponto em que a criança acredita que a coisa mais importante na vida dela é o quanto ela é atraente.

Nesse dia das entrevistas, eu aprendi uma lição valiosa sobre a nossa cultura, e ela não me foi dada por um acadêmico, mas por um estuprador que estava preso por violentar a enteada de 10 anos. Vou chamá-lo de Dick. Quando entrevistei Dick e perguntei como ele estuprou a criança, ele disse: “A cultura fez boa parte do aliciamento por mim.” Foi aí que a minha ficha caiu. Vivemos numa sociedade aliciadora. Não existe mais um único aliciador aliciando uma única criança de cada vez; o que existe é uma cultura inteira aliciando nossas meninas a se comportarem inapropriadamente de maneira sexual e aliciando nossos meninos a serem fãs de pornografia gonzo. Nossa cultura se tornou um aliciamento coletivo.

(Gail Dines, FestivalMarginal)