Quais são as origens e as bases dos
pensamentos que levaram ao surgimento do fascismo – uma das filosofias de
resultados mais funestos já vistos na história da humanidade? Descubra na
continuação da nossa série de posts sobre
os fundamentos filosóficos das principais correntes políticas e sociais do
mundo atual. Hitler era cristão? Judeu? Cético ateísta? Uma das mentes mais
perversas e misteriosas da história humana tinha ligações mesmo com o
misticismo.[1] Mas, na base de todos os seus sofismas, o fascismo era
fundamentado na teoria da evolução.
Na última
postagem, foi produzida uma breve descrição das principais correntes políticas
e sociais que estão influenciando a política mundial na atualidade. Falou-se
sobre a influência do evolucionismo no marxismo social e político do fim do
século 19, e como Marx foi admirador de Darwin e promotor do que Engels chamou
de “evolucionismo sociológico”. Neste post,
você verá como a teoria da evolução embasou o fascismo italiano e o nazismo, e
como se percebe essa influência na política atual.
O evolucionismo como fundamento do sofisma da superioridade racial
Derivada da ideia da seleção natural
de Darwin, Herbert Spencer desenvolveu a ideia do Darwinismo Social.[3] De
acordo com esse pensador, assim como teria acontecido com os organismos na
biologia [sic], as sociedades também teriam evoluído por meio da luta que
produziria a seleção natural. O próprio termo “sobrevivência do mais apto” (survival of the fittest) foi cunhado por
Spencer e não por Darwin.[3] De acordo com o site History Hits, o darwinismo
social teve seu trágico ápice com o desenvolvimento da política genocida
nazista nos anos 1930 e 40. Na visão do movimento nazista, a raça ariana seria
um subgrupo da raça caucasiana, de origem indoeuropeia, sendo que os arianos
(povos alemães) representariam o que haveria de mais puro (e evoluído) dentre
os povos caucasianos e, por conseguinte, do mundo todo.[4]
Os teóricos raciais Arthur de Gobineau e Houston Stewart Chamberlain foram
alguns dos principais proponentes das teorias arianas de supremacia racial
vastamente utilizadas pelos nazistas[5] para justificar o massacre de povos não
arianos, em especial os judeus (semitas, mas classificados por Hans Günther e
outros como Armenóides) e os negróides. Além desses dois teóricos racistas,
Hans Günther teria identificado a emergência de cinco subtipos raciais na
Europa: nórdicos, mediterrâneos, dináricos, aplinos e leste-bálticos. Não
surpreendentemente, Günther identificou os nórdicos como ranqueados na mais
alta posição da cadeia evolutiva.[6]
Hitler teria lido a obra de
Günther, Rassenkunde des Deutchen
Volkes, o que acabaria por influenciar o ditador na sua relação com os
povos circunvizinhos e daria ao teórico racial um lugar assegurado no
departamento de antropologia da Universidade de Jena, em 1932, onde Hitler
teria assistido à aula inaugural do professor Günther.[7] Günther havia usado
diversas fotografias para classificar diferentes variações dos povos europeus,
e suas classificações foram embasadas em medidas corporais e habilidades
mentais e traços de personalidade, incluindo a religiosidade. Os judeus foram
vistos por Günther como possuindo habilidades comerciais e, segundo ele, com
fortes habilidades de manipulação psicológica que os auxiliavam no comércio. De
acordo com esse teórico, os habitantes do Oriente Médio teriam habilidades
natas não para a conquista da natureza, mas para a conquista e exploração das
pessoas.[8]
Hitler considerava perigosas as influências dos povos semitas mesmo em outras
etnias caucasianas, fato é que o Führer alemão classificou mesmo os eslavos
como “subumanos” (untermenschen), por
entender que sofreram, em maior ou menor grau, influência dos povos armenóides
ao longo da sua história.[4] Os eslavos, de acordo com Hitler, eram uma raça
nascida inerentemente escrava e carente de um mestre.[9] Surpreendentemente,
como o ditador considerou esse povo “subumano”, entendeu que a convenção de
Genebra não se aplicava a eles.[10] Essa ideia logo se espalhou para outras
etnias consideradas subumanas, e as ordens do ditador e de seus oficiais eram
de aniquilar, remover ou escravizar os conquistados que não fossem
considerados arianos. Joseph Goebblels, ministro da propaganda de Hitler,
comparou os povos eslavos a uma família de coelhos, no sentido de serem
preguiçosos e desorganizados, e referiu-se a eles, em um certo pronunciamento
na mídia alemã, como uma raça primitiva de animas advindos da tundra
siberinana, que pareciam “uma onda negra de imundície”.[11]
O fascismo italiano, apesar de ter surgido antes do fascismo alemão (nazismo),
é explorado nesse ponto pelo fato de que incorpora, essencialmente, os mesmos
preceitos do nazismo, mas com diferenças que podem ser mais bem explanadas
depois de compreendidas as premissas que se tornaram notoriamente manifestas no
nazismo. Distinções se destacam pelo fato de que o fascismo italiano
incorporava à raça ariana a etnia mediterrânea, como não poderia deixar de ser.[14]
Mas, talvez, a mais destacada dessemelhança entre o fascismo italiano e o
nazismo seja a de que Mussolini considerava como elemento racial superior os
aspectos culturais e espirituais associados à etnia em
questão. É reportado que Mussolini rejeitou a ideia de superioridade
genética per se, embora o fator
biológico não tenha sido eliminado por completo do racismo fascista.[15]
Mussolini via o nordicismo – aspecto fascista alemão que apregoava o arianismo
como manifesto sobretudo em cabelos loiros e olhos azuis – como um complexo de
inferioridade que havia sido imposto aos povos mediterrâneos, inerentemente
alijados dessas características, e desejava que esse sentimento de baixa
autoestima não retornasse aos corações italianos.[14] No entanto, parece que
beber do próprio veneno não impediu que Mussolini participasse, em grande
medida, das ideias racistas que ceifariam a vida de milhões de vidas inocentes
durante as campanhas do eixo na segunda guerra mundial.
Hitler judeu?
Muita discussão foi realizada em torno dos critérios para a classificação de
povos e indivíduos como arianos mas, de maneira geral, bastava que um cidadão
tivesse apenas um dos avós identificado como judeu para perder sua classificação
“ariana”. Curiosamente, Hitler nunca teria conseguido provar a “arianidade” de
todos os seus avós, dos quais acredita-se que o avô paterno possa ter tido
origem judaica, embora esse fato venha a ser contestado por outros
historiadores.[12] Todavia, em 2010 um artigo do jornal britânico The Daily Telegraph publicou um
estudo no qual foram coletadas amostras de saliva de 39 parentes de Hitler e
não chegou à conclusão definitiva sobre a questão da ancestralidade judaica do
ditador alemão. Um cromossomo, chamado Haplogroup E1b1b1, encontrado nas
amostras de Hitler, é considerado raro nos povos da Europa ocidental, mas é
comumente encontrado nos povos bérberos do Marrocos, Algéria, Tunísia e nos
judeus Asquenazi e Sefárdicos. Esse cromossomo está presente em cerca de 20%
dos cromossomos Y dos judeus Asquenazi e até 30% dos cromossomos Y dos judeus
Sefárdicos. No entanto, a conclusão geral é a de que não se pode dizer se
Hitler era judeu, embora não seja possível descartar completamente a hipótese
de alguma influência na ancestralidade.[13]
Os evolucionistas contra-atacam
Muito embora vários defensores do evolucionismo tenham iniciado uma espécie de
guerra santa para tentar desvincular o darwinismo dos fundamentos do
nazismo, é notável que o pressuposto da superioridade racial, que
fundamentou atrocidades vistas durante a tentativa de construção do Terceiro
Reich na Alemanha hitlerista, se constrói sobre um pressuposto evolucionista.
Richard Weikart, no seu livro Hitler’s
Religion: The twisted beliefs that drove the Third Reich,[2] afirma que uma
suposta perseguição do evolucionismo darwinista pelos nazistas foi, na verdade,
limitada e bastante pontual, e, na realidade, não poderia ser chamada de
perseguição. Livros darwinistas teriam sido queimados em fogueiras alemãs, mas
isso ocorreu com centenas de outros títulos, de teor inclusive oposto ao
evolucionismo. O autor diz que altos oficiais da SS (organização
paramilitar nazista, responsável por grandes crimes de guerra), professores,
políticos e filósofos empregados pelo partido eram darwinistas declarados e
proeminentes. A evolução humana e biológica era tema do currículo escolar e
universitário na Alemanha de Hitler. Na verdade, segundo Weikart, a real
motivação para a afirmação de que o darwinismo fora banido da Alemanha nazista
foi um artigo de um jornal para bibliotecários de 1935 que orientava as
bibliotecas alemãs a banirem o darwinismo ultrapassado, citando Haeckel e
Ostwald, mas não Darwin. De fato, tratou-se de uma orientação menor, realizada
por um oficial de baixo escalão, para eliminar algumas obras de um
evolucionismo muito embrionário e que jamais teve efeitos de coibir ou
desincentivar o ensino do evolucionismo na Alemanha nazista.[2]
Conclusão
É possível, e mesmo provável, que o fascismo tivesse surgido mesmo sem a
construção da teoria da evolução por Darwin ou por qualquer outro autor. Hitler
não era um ser cético e desprovido de espiritualidade,[1] razão pela qual se
pode supor que não foi, evidentemente, a razão que moveu não apenas Hitler, mas
também Mussolini e outros a produzirem tal estado de coisas que culminaram com
uma das maiores matanças da raça humana em vários séculos.
O fascismo não dependeria vitalmente do darwinismo para existir, mas pode-se
concluir, com bastante segurança, que o darwinismo proveu uma justificativa,
ainda que, na melhor das hipóteses, distorcida para que tais opositores do bem
pudessem fazer prosperar seus desejos mais sórdidos de conquista e poder total.
Opositores do cristianismo e diversos defensores do evolucionismo têm se
reunido para dizer que Hitler era cristão e perseguiu o evolucionismo, o que
dificilmente se faria em uma análise mais aprofundada e honesta.[2] Hitler e
seus comparsas buscaram no misticismo qualquer centelha de esperança de obter
vantagem no projeto de dominação global pelas vias mais obscuras que pudessem
conceber.[1] Nem a mais abjeta interpretação das Escrituras permitiria tais
comportamentos sob a alcunha de “cristianismo”.
Surpreendentemente, porém, levado em seus extremos, o pensamento evolucionista
apregoa justamente isto: a sobrevivência do mais apto. Mais apto significa ser
mais astuto e sagaz? Significa ser o mais fortemente armado? O mais inteligente
e forte no objetivo de destruir os competidores pelos recursos escassos da natureza?
Pode-se racionalizar que, assim como nos enxames de animais que vivem em
coletividade, que a sobrevivência do companheiro de espécie é estratégica. No
entanto, essa justificativa não é suficiente, não apenas para explicar o
verdadeiro altruísmo, mas também para eliminar a possibilidade da destruição
gerada pela competição pelo alimento escasso e pela reprodução dos melhores
espécimes.
Em oposição à morte, à destruição e frustração que são resultado certo das
filosofias humanas alijadas de Deus, Cristo certa vez disse: “Eu vim para que
tenham vida, e vida em abundância” (João 10:10). A Bíblia não somente oferece
uma resposta adequada para os conflitos humanos, mas também a melhor resposta e
a única saída completamente e mais do que satisfatória para a angústia humana.
Alexsander
Silva
Referências:
[1] Knowles, C. (2008). Nossos
deuses são super-heróis. Ed. Cultrix.
[2] Weikart, R. (2016). Hitler's
Religion: the twisted beliefs that drove the Third Reich. Regnery History.
[3] Browne, A. (2018, august 7).
Social darwinism in nazy Germany. Disponível em:
https://www.historyhit.com/social-darwinism-in-nazi-germany/
[4] Longerich (2010). Holocaust:
The Nazi Persecution and Murder of the Jews. Oxford; New York: Oxford
University Press.
[5] Yenne, Bill
(2010). Hitler's Master of the Dark Arts: Himmler's Black Knights and the
Occult Origins of the SS. Minneapolis: Zenith.
[6] Bruce David Baum. The
Rise and Fall of the Caucasian Race: A Political History of Racial [7]
Identity. New York, New York, USA; London, England, UK: New York University
Press, 2006. P. 156.
ohn Cornwell. Hitler's Scientists:
Science, War, and the Devil's Pact. Penguin, Sep 28, 2004. [1],
p. 68
[8] Alan E
Steinweis. Studying the Jew: Scholarly Antisemitism in Nazi Germany. Harvard
University Press, 2008. P. 28.
[9] Marvin Perry. Western
Civilization: A Brief History. Cengage Learning, 2012. P. 468.
[10] Anne Nelson. Red
Orchestra: The Story of the Berlin Underground and the Circle of Friends Who
Resisted Hitler. Random House Digital, Inc., 2009. P. 212.
[12] Toland, John (1992)
[1976]. Adolf Hitler. New York: Anchor Books.
(Algumas referências foram retiradas
da Wikipedia)
[13] Adolf Hitler: Was Hitler jewish?
Disponível em: https://www.jewishvirtuallibrary.org/was-hitler-jewish.
[14] Aaron Gillette. Racial Theories
in Fascist Italy. London, England, UK; New York, New York, USA: Routledge,
2001. Pp. 39.
[15] Glenda Sluga. The Problem
of Trieste and the Italo-Yugoslav Border: Difference, Identity, and Sovereignty
in Twentieth-Century. SUNY