O telhado da casa de um jovem estava pegando fogo, mas, dentro do imóvel, ele não se dava conta do que estava acontecendo. Até que um amigo viu a fumaça, correu até lá e, à medida que se aproximava, gesticulava freneticamente para o rapaz que o viu pela janela. Avisado do perigo, ele saiu da casa e chamou os bombeiros. A lição é clara: às vezes (quase sempre) alguém que está fora da “casa” tem uma perspectiva mais ampla e consegue ver coisas que aquele que está dentro não vê. Nesta semana, recebi de um amigo ateu um artigo publicado por Rubens Pazza, que é biólogo, mestre em Biologia Celular e doutor em Genética e Evolução, e por isso merece todo o respeito. No texto, Pazza afirma que “definitivamente, evolução não ocorre ao acaso”, e pergunta: “Mas, afinal, o que torna a evolução biológica não aleatória?” Sei não... Acho que Pazza está há tanto tempo dentro do edifício darwinista que não consegue ver a fumaça – e meu amigo ateu parece não ver meus acenos do lado de fora da janela.
Pazza diz mais: “Sem mesmo cunhar o termo ‘Evolução’, Darwin nos explica que as espécies sofrem mudanças ao longo das gerações, e que um processo chamado de ‘seleção natural’ atua escolhendo os indivíduos que transmitirão suas características aos descendentes. Em outras palavras, a seleção natural determina quem viverá o tempo suficiente para se reproduzir, através do instinto básico de perpetuação da espécie.”
Para o biólogo, se há seleção, não pode haver aleatoriedade. “Não existe seleção ‘ao acaso’”, afirma. Para ele, acaso são os números sorteados num concurso como a loteria. E a seleção? Ele dá outro exemplo: “Determinado produtor planta feijão e retira de sua produção as sementes que utilizará na lavoura no próximo ano. Para isso, escolhe para o próximo plantio sempre as maiores sementes. As sementes menores são enviadas à Cooperativa. Não se pode dizer que as sementes que ele utilizará na próxima safra foram escolhidas ao acaso.”
Pazza reforça então sua tese: “É importante ficar clara a diferença entre sorteio e seleção. No sorteio, nenhuma característica em si é levada em consideração nas escolhas, tudo é ao acaso, aleatório. Em uma seleção, por outro lado, pelo menos uma característica é utilizada para separar ou escolher alguns membros dentro de um grupo.”
Como a conversa começa a se aproximar demais da ideia de um “selecionador inteligente”, Pazza se apressa em sacar outra ilustração da manga, desta vez vinda da fértil mente do ultradarwinista ateu Richard Dawkins: “Ao vermos a deposição de pedregulhos numa praia, percebemos uma ordem. As pedras menores localizam-se na região superior, aumentando gradativamente de tamanho conforme avançam para o mar, muitas vezes de um modo tão meticuloso e organizado que nossa mente poderia nos trair e nos levar a acreditar que devem ter sido intencional e racionalmente organizadas daquela maneira. Um breve retorno à realidade nos mostra a verdade. [...] não há intencionalidade nem racionalidade nessa seleção. O agente selecionador (a força das ondas) não precisa de inteligência.”
Então Pazza diferencia seleção natural (as ondas do mar) e seleção artificial (o produtor de feijão). E sentencia: “Da mesma forma que os pedregulhos são afetados pelas ondas (entre outros fatores), os fatores que afetam um determinado ser vivo podem agir sozinhos ou em conjunto, como agentes selecionadores, ou o que o jargão biológico chamaria de ‘pressões seletivas’.”
Trata-se da velha tentativa de explicar o processo quando este já teve início. De fato, a seleção natural explica bem a sobrevivência das espécies que existem hoje, mas nada tem a dizer sobre a origem das espécies que acabaram selecionadas. O livro de Darwin, na verdade, promete, mas não entrega: tem como título A Origem das Espécies, mas não explica como teria sido a origem dessas espécies e nem tampouco a origem da vida (ainda que alguns tentem livrar a barra de Darwin alegando que essa não era a intenção dele). Por mais que se usem malabarismos verbais para explicar que “não é bem assim”, a origem química da vida no suposto “mar primitivo” (sopa morna, caldo primordial, ou seja lá o que for) é fruto do acaso. Ou havia algum tipo de teleologia antes do surgimento da primeira célula?
De fato, o texto de Pazza é bem didático, mas muito simplista, vindo de um doutor. Ele tenta resolver uma questão complicadíssima se valendo de exemplos inadequados (típico do fundamentalista Dawkins). Convenhamos: comparar o “poder organizador” das ondas do mar com a tremenda informação complexa e específica contida no genoma é no mínimo impróprio. Eu aceitaria o tal poder organizador se, depois de milhões de anos, as ondas no mar pudessem escrever “a origem das espécies” na areia. Isso, sim, informação complexa e específica, embora infinitamente mais simples do que a informação contida no núcleo de cada uma das nossas trilhões de células.
Embora Pazza utilize um bom argumento semântico para dizer que a evolução não é ao acaso, é claro que não existe seleção ao acaso, se esse fosse o caso chamaríamos a teoria do “sorteio natural” e não de seleção natural, e toda seleção implica escolha. Porém, a variabilidade disponível para a seleção é definitivamente gerada ao acaso através das mutações, e posteriormente outros mecanismos amplificam essa variabilidade, como, por exemplo, a recombinação genética. De qualquer forma, as únicas fontes de variabilidade genética continuam sendo as mutações, as quais definitivamente ocorrem ao acaso.
Finalmente, é bom dizer que intramuros estão procurando revisar a atual síntese evolutiva, já que cientistas perceberam que o selecionismo é insuficiente como mecanismo macroevolutivo. Pelo visto, alguns já estão vendo a fumaça, mesmo que não queiram admitir e abandonar o prédio em chamas... (Confira aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.) Darwin vai ficar irreconhecível se realmente eles não acolherem a seleção natural como mecanismo evolucionário criativo e se incorporarem alguns aspectos lamarckianos, como falam.
Fica claro que Pazza está atualizado (em parte) na literatura especializada, quando afirma que a evolução não ocorre ao acaso, só que ele não percebe que a teoria propõe um mecanismo cego e aleatório. Se não é mais pelo acaso, a evolução é dirigida. O que ou quem dirige, então? Olhe a fumaça...
Michelson Borges
Leia também: “Retórica vazia de um órfão”
Pazza diz mais: “Sem mesmo cunhar o termo ‘Evolução’, Darwin nos explica que as espécies sofrem mudanças ao longo das gerações, e que um processo chamado de ‘seleção natural’ atua escolhendo os indivíduos que transmitirão suas características aos descendentes. Em outras palavras, a seleção natural determina quem viverá o tempo suficiente para se reproduzir, através do instinto básico de perpetuação da espécie.”
Para o biólogo, se há seleção, não pode haver aleatoriedade. “Não existe seleção ‘ao acaso’”, afirma. Para ele, acaso são os números sorteados num concurso como a loteria. E a seleção? Ele dá outro exemplo: “Determinado produtor planta feijão e retira de sua produção as sementes que utilizará na lavoura no próximo ano. Para isso, escolhe para o próximo plantio sempre as maiores sementes. As sementes menores são enviadas à Cooperativa. Não se pode dizer que as sementes que ele utilizará na próxima safra foram escolhidas ao acaso.”
Pazza reforça então sua tese: “É importante ficar clara a diferença entre sorteio e seleção. No sorteio, nenhuma característica em si é levada em consideração nas escolhas, tudo é ao acaso, aleatório. Em uma seleção, por outro lado, pelo menos uma característica é utilizada para separar ou escolher alguns membros dentro de um grupo.”
Como a conversa começa a se aproximar demais da ideia de um “selecionador inteligente”, Pazza se apressa em sacar outra ilustração da manga, desta vez vinda da fértil mente do ultradarwinista ateu Richard Dawkins: “Ao vermos a deposição de pedregulhos numa praia, percebemos uma ordem. As pedras menores localizam-se na região superior, aumentando gradativamente de tamanho conforme avançam para o mar, muitas vezes de um modo tão meticuloso e organizado que nossa mente poderia nos trair e nos levar a acreditar que devem ter sido intencional e racionalmente organizadas daquela maneira. Um breve retorno à realidade nos mostra a verdade. [...] não há intencionalidade nem racionalidade nessa seleção. O agente selecionador (a força das ondas) não precisa de inteligência.”
Então Pazza diferencia seleção natural (as ondas do mar) e seleção artificial (o produtor de feijão). E sentencia: “Da mesma forma que os pedregulhos são afetados pelas ondas (entre outros fatores), os fatores que afetam um determinado ser vivo podem agir sozinhos ou em conjunto, como agentes selecionadores, ou o que o jargão biológico chamaria de ‘pressões seletivas’.”
Trata-se da velha tentativa de explicar o processo quando este já teve início. De fato, a seleção natural explica bem a sobrevivência das espécies que existem hoje, mas nada tem a dizer sobre a origem das espécies que acabaram selecionadas. O livro de Darwin, na verdade, promete, mas não entrega: tem como título A Origem das Espécies, mas não explica como teria sido a origem dessas espécies e nem tampouco a origem da vida (ainda que alguns tentem livrar a barra de Darwin alegando que essa não era a intenção dele). Por mais que se usem malabarismos verbais para explicar que “não é bem assim”, a origem química da vida no suposto “mar primitivo” (sopa morna, caldo primordial, ou seja lá o que for) é fruto do acaso. Ou havia algum tipo de teleologia antes do surgimento da primeira célula?
De fato, o texto de Pazza é bem didático, mas muito simplista, vindo de um doutor. Ele tenta resolver uma questão complicadíssima se valendo de exemplos inadequados (típico do fundamentalista Dawkins). Convenhamos: comparar o “poder organizador” das ondas do mar com a tremenda informação complexa e específica contida no genoma é no mínimo impróprio. Eu aceitaria o tal poder organizador se, depois de milhões de anos, as ondas no mar pudessem escrever “a origem das espécies” na areia. Isso, sim, informação complexa e específica, embora infinitamente mais simples do que a informação contida no núcleo de cada uma das nossas trilhões de células.
Embora Pazza utilize um bom argumento semântico para dizer que a evolução não é ao acaso, é claro que não existe seleção ao acaso, se esse fosse o caso chamaríamos a teoria do “sorteio natural” e não de seleção natural, e toda seleção implica escolha. Porém, a variabilidade disponível para a seleção é definitivamente gerada ao acaso através das mutações, e posteriormente outros mecanismos amplificam essa variabilidade, como, por exemplo, a recombinação genética. De qualquer forma, as únicas fontes de variabilidade genética continuam sendo as mutações, as quais definitivamente ocorrem ao acaso.
Finalmente, é bom dizer que intramuros estão procurando revisar a atual síntese evolutiva, já que cientistas perceberam que o selecionismo é insuficiente como mecanismo macroevolutivo. Pelo visto, alguns já estão vendo a fumaça, mesmo que não queiram admitir e abandonar o prédio em chamas... (Confira aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.) Darwin vai ficar irreconhecível se realmente eles não acolherem a seleção natural como mecanismo evolucionário criativo e se incorporarem alguns aspectos lamarckianos, como falam.
Fica claro que Pazza está atualizado (em parte) na literatura especializada, quando afirma que a evolução não ocorre ao acaso, só que ele não percebe que a teoria propõe um mecanismo cego e aleatório. Se não é mais pelo acaso, a evolução é dirigida. O que ou quem dirige, então? Olhe a fumaça...
Michelson Borges
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