Estava
programada para [quinta-feira] uma manifestação de militantes de esquerda no
Congresso Nacional em defesa do controle da mídia. Nem sei se aconteceu.
Acompanhei depois o julgamento do mensalão, fiquei estudando o caso da saúde,
li sobre as barbaridades na Síria e deixei de lado os pterodáctilos. Escrevi no
começo da tarde um post a respeito. Perguntei, então, por que as
esquerdas querem tanto controlar essa tal mídia se controlada ela já está. E
citei o caso da Globo. Indaguei se havia como a emissora ser mais de esquerda –
em qualquer área que se escolha, incluindo as novelas. Vi há pouco uma cena
chocante de “Amor à Vida”. Está inaugurado o merchandising militante pró-aborto. Nunca houve antes nada
parecido. Como há no enredo um hospital, lugar preferencial paras as maldades
de Félix, o vilão que caiu no gosto popular, eis que, do nada, chega uma
paciente com hemorragia. Mobiliza-se o socorro de emergência. Um médico então
diz: “Eu não posso atender!” A equipe tenta salvar a moça, mas em vão. Ela
morre. E começa a discurseira. O médico mais velho diz que ela fez um aborto
ilegal, que o procedimento foi malfeito e que a mulher morreu por isso. Vai
mais longe: “Infelizmente, essa é uma das principais causas da morte de
mulheres no Brasil.” É mentira! É mentira escandalosa! Já chego lá. A
enfermeira, com o cadáver ainda à sua frente, quentinho, dispara: “Morte
de mulheres pobres, né? Porque as ricas fazem aborto em segurança” (se a
fala não é exata, tratou-se de algo ainda mais primitivo). Foi mais longe,
dizendo que essas mulheres também são vítimas da miséria e da ignorância. Ainda
era pouco. O médico mais velho vai, então, procurar o outro, que havia dito que
não poderia fazer o atendimento.
–
Por que você não quis atender a paciente?
– Porque ela fez aborto. Isso é contra as leis divinas.
O
chefe lhe dá uma carraspana. O rapaz, então, reproduzindo uma caricatura do
discurso religioso, emenda:
–
Me recuso a atender uma pecadora!
–
Você está fora do corpo de residentes deste hospital!
Fiquei
com vergonha de assistir à cena. As peças didáticas de Padre Anchieta para
convencer os índios de que sua cultura original estava cheia de demônios eram
mais complexas, mais sofisticadas, com mais nuances. Estou lendo Sussurros, de Orlando Figes, sobre a
vida cotidiana na URSS de Stálin. O didatismo brucutu dos comunas, nas escolas,
contra os reacionários, era mais sutil e nuançado. Prometi a mim mesmo que não
vejo a novela nunca mais, nem excepcionalmente, como hoje. Como vocês
sabem, de hábito, estou trabalhando a essa hora. E nunca mais verei não porque
ofenda as minhas convicções, mas porque ofende a minha inteligência. O merchandising social – a morte de fetos
se insere nessa categoria? – tem um compromisso com a verdade.
Principal
causa de mortes? Eu não sei, ou sei, por que os abortistas precisam mentir
tanto. Qual é o problema dessa gente com os fatos e os fetos? Até outro dia, os
mentirosos contumazes diziam que 200 mil mulheres morriam, por ano, vítimas de
aborto. Eleonora Menicucci, a abortista e ex-aborteira que é ministra das
Mulheres, chegou a levar esses números a uma reunião da ONU. Em fevereiro de
2012, fiz uma conta com os dados disponíveis, todos oficiais. Acompanhem.
Em
2010, o Censo do IBGE passou a investigar a ocorrência de óbitos de pessoas que
haviam residido como moradoras no domicílio pesquisado. ATENÇÃO! Entre agosto
de 2009 e julho de 2010, foram contabilizadas 1.034.418 mortes, sendo 591.252
homens (57,2%) e 443.166 mulheres (42,8%). Houve, pois, 133,4 mortes de homens
para cada grupo de 100 óbitos de mulheres.
Vocês
começam a se dar conta da estupidez fantasiosa daquele número? Segundo o Mapa
da Violência, dos 49.932 homicídios havidos no país em 2010, 4.273 eram
mulheres. Muito bem: dados oficiais demonstram que as doenças circulatórias
respondem por 27,9% das mortes no Brasil – 123.643 mulheres. Em seguida, vem o
câncer, com 13,7% (no caso das mulheres, 60.713). Adiante. Em 2009, morreram no
trânsito 37.594 brasileiros – 6.496 eram mulheres. As doenças do aparelho
respiratório matam 9,3% dos brasileiros – 41.214 mulheres. As infecciosas e
parasitárias levam outros 4,7% (20.828). A lista seria extensa.
Agora
eu os convido a um exercício aritmético elementar. Peguemos aquele grupo de
443.166 óbitos de mulheres e subtraiamos as que morreram assassinadas, de
doenças circulatórias, câncer, acidentes de trânsito, doenças do aparelho
respiratório, infecções (e olhem que não esgotei as causas). Chegamos a este
número: 185.999!
Já
começou a faltar mulher. Ora, para que pudessem morrer 200 mil mulheres vítimas
de abortos de risco, é forçoso reconhecer, então, que essas mortes teriam se
dado na chamada idade reprodutiva – entre 15 e 49 anos. É mesmo? Ocorre que,
segundo o IBGE, 43,9% dos óbitos são de idosos, e 3,4% de crianças com menos de
um ano. Então vejam que fabuloso:
Total de mortes de mulheres – 443.166
Idosas mortas – 194.549
Meninas mortas com menos de um ano – 15.067
Sobra – 233.550
Dessas,
segundo os delirantes de então, 200 mil teriam morrido em decorrência do aborto
– e necessariamente na faixa dos 15 aos 49 anos!
Quando
desmoralizei, COM NÚMEROS OFICIAIS, a mentira das 200 mil mortes, essa bobagem
parou de ser veiculada no país. O doutor que disse aquela besteira na novela,
fosse de verdade, seria um mentiroso, um mistificador, um vigarista. Vejam
acima as principais causas da morte de mulheres no Brasil, ricas ou pobres. Se
a enfermeira histérica faz seu trabalho tão bem quanto pensa, coitados dos
pacientes!
O
número de mortes maternas, no Brasil, está abaixo de 2.000 por ano! Atenção!
Estou me referindo à morte de mulheres em decorrência da gravidez. O aborto,
segundo dados do DataSUS, corresponde a 5% dessas mortes, entenderam? Ocorre
que esse número inclui tanto o aborto espontâneo como o provocado. Assim:
a: o aborto não é a principal causa da morte de mulheres;
b: o aborto não é nem mesmo a principal causa de morte materna.
Não
gosto de merchandising, de nenhuma
natureza, comercial, social ou, como é o caso, ideológico. Repugna-me a ideia
de que se deve pegar o telespectador distraído para, então, “pimba!”. Sabem por
que jamais defenderia a sua proibição? Porque a engenharia legal para isso
resultaria, com certeza, em algo ainda pior. Então que permaneça o mal menor –
mas que chamo de “mal” ainda assim.
Aquele
médico que se negou a atender a paciente que chegou morrendo, exibido na
novela, não existe. Criou-se uma caricatura para, no fundo, demonizar o
discurso religioso. Os índios caracterizados como diabos nas peças de Anchieta,
no século XVI, eram personagens mais complexas e verossímeis. Imaginem se
alguém formado em medicina se referiria a uma paciente terminal como
“pecadora”; se diria a seu chefe que o aborto atenta “contra as leis divinas”.
Usa-se, então, o discurso ridículo de um médico para ridicularizar os que se
opõem ao aborto por motivos religiosos, o que é um direito num país em que há
liberdade de crença.
Há
um outro nível de falsificação nessa história. Existem médicos às pencas que
são agnósticos, mas que se recusam a praticar o aborto mesmo nos casos em que
ele é legalmente permitido. O Código de Ética Médica lhes assegura o direito de
alegar objeção de consciência. Nesse caso, sua obrigação é informar a paciente
dos seus direitos e encaminhá-la para um colega. “E no caso de não haver quem
faça, num rincão do Brasil qualquer?” Assegurado um direito a ser conferido
pelo poder público, o Estado tem a obrigação de prover os meios. Que se crie,
sei lá, uma central nacional, com um número de telefone, para ocorrências dessa
natureza e garantia de atendimento.
Uma
coisa é certa: obrigar um médico a fazer um procedimento que viola sua
consciência seria um absurdo. Mas há uma pressão nesse sentido. Que eu saiba,
nem os cubanos poderão se encarregar da tarefa... A novela entrou de
forma grosseira nessa questão. “Amor à Vida” faz proselitismo em favor da
adoção de crianças por gays e levou ao ar, nesta quinta, essa cena patética,
mentirosa e patrulheira, sobre aborto. No Globo Repórter, a gente aprendeu que
só uma família deve ser chata: a que tem papai e mamãe. Dia desses, um programa
discutia a descriminação das drogas na base de quatro (a favor) a um (contra).
Certamente não reproduz os percentuais que estão na sociedade.
E
os pterodáctilos ainda querem fazer o controle social da mídia, muito especialmente
da Globo, acusando-a, imaginem só!, de ser conservadora, reacionária. Pois é!
Com todo o suposto conservadorismo e reacionarismo, um “médico” foi demitido.
Deus nos livre da versão progressista. O coitado teria sido fuzilado em nome do
povo e da vida.
Pode
não parecer, eu sei, mas o que se viu em “Amor à Vida” foi uma manifestação
absurda de intolerância. Intolerância com a divergência (os que se opõem ao
aborto – e que, curiosamente, são maioria absoluta no Brasil) e intolerância
com a religião, reduzida a uma patética caricatura. Deus nos livre da
intolerância dos tolerantes! Sabem ser obscurantistas em nome das luzes.
Nota:
Uma novela que tem como título “Amor à Vida” fazendo apologia do aborto é, no
mínimo, algo contraditório. Pelo visto, levando em conta a cena abaixo (e
outras informações sobre o teor “picante” dessa novela), o que esse folhetim
defende é o amor à vida promíscua e a destruição dos princípios cristãos, da moral e dos velhos e bons costumes. Parabéns, Reinaldo, por colocar o dedo na
ferida.[MB]