Li e reli o artigo “Contra as formas de dogmatismo”, de Marcelo Gleiser, na
Folha de S. Paulo de 10/4/2011. Ele começa seu artigo mencionando o livro
Absence of Mind, da romancista e ensaísta americana Marilynne Robinson, criticando cientistas como Richard Dawkins e Steven Pinker pelos ataques à fé e à religião. Fiquei pensando: só agora em 2011 que o Gleiser atentou para as críticas de Robinson contra esses neoateus, pós-modernistas, chiques e perfumados? O blog Uncommon Descent já tinha destacado essas críticas quase um ano atrás: 25 de julho de 2010. Não sei quais são os verdadeiros objetivos recentes de Gleiser em se voltar publicamente contra Dawkins, o apóstolo do ateísmo pós-moderno, e outros cientistas ateus, na postura que ele concorda com Robinson de ser essencialmente fundamentalista ‒ “cientismo”, a ciência é o único modelo explicativo válido. Gleiser salientou a crítica de Robinson: “As certezas que, juntas, trivializam e menosprezam, precisam ser revisitadas”, escreveu.
Gleiser resumiu o argumento de Robinson: não há dúvida de que a ciência é uma belíssima construção intelectual, com inúmeros triunfos no decorrer dos últimos quatro séculos, mas sua visão de mundo é necessariamente incompleta. É aqui que Gleiser me surpreende indo contra a posição subjetiva dos atuais mandarins da Nomenklatura científica: reduzir todo o conhecimento aos métodos da ciência empobrece a humanidade, e necessitamos de diversidade cultural, e essa diversidade inclui, entre outras, a cultura das religiões.
Interessantes as perguntas que Gleiser faz: O que faz com que cientistas tenham tanta confiança no seu saber, se a prática da ciência apoia-se em incertezas e que uma teoria funciona apenas dentro de seus limites de validade? Essa confiança na incompletude e incerteza do conhecimento científico em detrimento dos demais conhecimentos que tentam explicar a realidade não é arrogância dos cientistas? Eu chamo esse comportamento de “síndrome luciferiana”. Quem lê entenda.
Muito mais interessantes são as respostas que Gleiser dá: as teorias científicas são testadas constantemente e seus limites são expostos, e que dos limites de uma teoria que surgem outras. Gleiser sabe: nem todas as teorias e hipóteses científicas são testadas constantemente, e mesmo que seus limites, e até a sua falência epistêmica no contexto de justificação teórica [Argh, isso é como cometer um assassinato!] sejam expostos, os que praticam ciência normal não abandonam essas teorias não corroboradas pelas evidências encontradas. Kuhn explica isso no seu livro
A Estrutura das Revoluções Científicas.
Concordo com Gleiser ‒ para que a ciência avance é necessário que ela falhe, mas é necessário expor onde a ciência vem falhando e tem falhado. Ele tentou isso timidamente, eu diria mais devido ao espaço reservado para seu artigo na
FSP: as verdades de hoje não serão as mesmas de amanhã, e citou como exemplo disso a noção de que a Terra era o centro do cosmo, plenamente aceita até o século 17.
Ele, que defende tanto a Darwin, bem que poderia nos dizer onde que o homem que teve a maior ideia da humanidade errou ‒ a evolução através da seleção natural. Mas Gleiser não tem coragem para isso, e o Marcelo Leite, jornalista especial da
FSP, não permitirá que se cometa tal pecado mortal nas páginas impolutas do jornal que apoiou a ditabranda. Pereça tal pensamento! Podemos criticar tudo, menos Darwin!
Todavia, mais uma vez eu tiro o chapéu para Gleiser ‒ dentro de sua validade, se as teorias científicas funcionam extremamente bem, nós podemos chamá-las de verdadeiras. E para meu espanto ‒ afirmar que a ciência detém a verdade é ir longe demais. É aqui que reside o que eu chamo de “síndrome luciferiana”: afirmar que a ciência é a única forma de conhecimento
par excellence para descrever a totalidade da realidade.
Mas, se você estava pensando numa metanoia de Gleiser para uma visão de ciência diferente da visão materialista da ditadura da Nomeklatura científica, tire o cavalo da chuva. O artigo dele não é uma crítica à ciência, pois, segundo ele, seria contradizer sua obra. Todavia, ele diz, elegantemente, que é uma espécie de toque de despertar aos que pregam a ciência como dona da verdade, e que é necessário ter mais cuidado. Macacos me mordam! O que a Nomenklatura científica vai dizer desse discurso?
Em seguida, Gleiser destaca dois casos que Robinson examinou expondo os pontos fracos e os abusos da retórica científica [?]. Segundo Gleiser, ela mesma não é imune aos abusos de sua retórica, e citou a crítica feita à análise de Steven Pinker sobre o “Bom Selvagem”: “Será que é razoável argumentar contra o mito do Bom Selvagem baseando-se na cultura do século 20? O que nos parece primitivismo pode ser algo bem diferente. Não posso deixar que uma análise tão falha seja difundida.”
Outro exemplo de ponto fraco e abuso de retórica científica [não seria a subjetividade do cientista?]. Gleiser citou a resenha de Robinson sobre o livro de Dawkins,
Deus, um Delírio, na qual criticou veementemente ao biólogo. Naquela resenha de 2006, Robinson acusou Dawkins de usar argumentos científicos onde não são pertinentes.
Robinsou criticou Dawkins pela sua critica à ideia de que Deus é o Criador do universo, e que a ideia não faz sentido, pois como o universo começou simples, Deus não poderia ser complexo para conseguir criá-lo. Não li a resenha de Robinson, mas eu queria saber como Dawkins tem essa informação privilegiada sobre Deus e o universo. Epifania? Dawkins entre os profetas, agora?
A conclusão de Dawkins é que Deus contradiz a teoria da evolução, pois já surge complexo. Robinson contra-atacou corretamente, e colocou Dawkins no seu devido lugar: aplicar teorias científicas a Deus não faz sentido. Gleiser, agnóstico [não seria ateu?], concorda com ela. Eu também. Em número e grau!
Discordo de Gleiser de que muito da ciência e da religião vem da necessidade que temos de encontrar sentido e significado em nossas vidas. Fui ateu, e nunca vi meu posicionamento ideológico anterior dando sentido e significado em minha vida como os neoateus pregam escancaradamente e apoiados pela grande mídia. Muito menos a ciência, fria e objetiva na sua descrição da realidade, tem esta função atribuída por Gleiser: a ciência não me faz encontrar o sentido, e muito menos o significado de minha vida. Aqui Gleiser escorrega
a la Dawkins: é retórica vazia de sua subjetividade posando como se fosse uma afirmação científica.
Neste blog eu denuncio a falta e a necessidade de humildade e autocrítica nos cientistas defendidas por Robinson no seu livro e resenha.
Como Gleiser, eu também espero a mesma atitude de líderes religiosos e teólogos, mas diferente dele, espero uma atitude muito mais incisiva e corajosa na construção da realidade, especialmente no que diz respeito ao que os cientistas afirmam dizer saber sobre a origem e evolução do universo e da vida.
Para mim, as formas de dogmatismo são mais bem combatidas no contexto de justificação teórica. Inclusive para Darwin!
(Desafiando a Nomenklatura Científica)