Nascido em 5 de maio de 1818, Karl Marx “fez” 200 anos.
Consideremos então a seguinte questão: O darwinismo deu suporte mais
naturalmente a uma perspectiva moral-econômica capitalista ou a algum outro
ponto de vista filosófico rival, digamos, marxista? O historiador econômico
Niall Ferguson debateu a respeito do ponto de vista acima em um livro de 2008, A Ascensão do Dinheiro: A História
Financeira do Mundo. Ao aplicar uma estrutura darwiniana para entender as
forças de mercado, ele foi questionado por uma série de críticos. Na revista The New York Review of Books, o
economista Robert Skidelsky repreendeu Ferguson por fornecer “falsas analogias
entre evolução financeira e seleção natural darwiniana... Essas tentativas de
explicar o crescimento de dinheiro em termos de processos naturais me atacam
por serem inocentes tanto moral quanto filosoficamente”.
Ferguson descreve a “destruição criativa” que surge
quando instituições financeiras não conseguem se ajustar ao mercado, então
falham e desaparecem, para serem substituídas por competidores mais bem
adaptados. Capitalismo darwiniano?
A não ser que suas ideias morais, políticas e
filosóficas estejam completamente desatreladas da realidade, então a forma como
você desenha em sua mente as regras pelas quais o mundo de fato funciona deve
de alguma forma causar impacto na forma como você pensa que ele deveria
funcionar. Então as várias respostas oferecidas para a questão de como a vida
se desenvolveu naturalmente fornecem dados à construção de filosofias que
respondem a outras questões mais práticas, incluindo como a plenitude humana é
atingida na realidade econômica.
Por que não? Não faz sentido a noção de que teorias de
evolução não contribuem propriamente em nada para teorias de como a riqueza é
criada e dividida. Se a história da vida requereu a direção de uma fonte
transcendente de inteligência, isso traz consequências ao âmbito da economia.
Se a vida se desenvolveu sem direção, meramente sob o poder de um mecanismo darwiniano,
isso também traz consequências, provavelmente diferentes.
O problema aparece ao se determinar quais são essas
consequências. Eu não li o livro de Ferguson, mas ele parece estar oferecendo a
tautologia tradicional darwiniana: As empresas mais adaptadas sobrevivem. E o
que, na história econômica, define adaptabilidade? Bem, sobrevivência. Dessa
forma, veja, aqueles que sobrevivem são, bem, aqueles que sobrevivem.
Ferguson remonta sua ideia de que “processos darwinianos
podem estar operando na economia” à Thorstein Veblen, que “perguntou pela
primeira vez ‘Por que a economia não é uma ciência evolucionária’ (insinuando
que de fato era), nos idos de 1898”. Mas a verdade é que o pensamento econômico
que alega ser baseado em ciência evolucionária remonta há décadas antes disso.
No prefácio de O
Capital de 1864, Karl Marx anunciou suas próprias ideias ao apresentar “o
desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo em história
natural”. Em seu discurso no funeral de Marx no Cemitério Highgate de Londres,
Engels deu o complemento final: “Assim como Darwin descobriu a lei da evolução
na natureza orgânica, Marx descobriu a lei da evolução na história humana.”
Isso ocorreu em 17 de março de 1883.
O comunismo possui raízes darwinianas mais profundas
do que muitos de nós nos damos conta. De fato, apesar de Marx ter começado a
rascunhar suas ideias antes de Darwin ter publicado A Origem das Espécies – o Manifesto
Comunista apareceu em 1848, A Origem
em 1859 –, ele é comumente chamado de darwinista. De fato, os homens que
traduziram o Marxismo em termos políticos práticos na forma do terror soviético
foram pensadores evolucistas, assim como eles próprios se consideravam.
Em 1891 em Gori, Geórgia, um garoto de coral de 13
anos que sonhava em se tornar padre, Iosef Vissarionovich Dzhugashvili, foi
encontrado por sua mãe ao amanhecer, tendo ficado acordado toda a noite lendo A Origem das Espécies de Darwin. “Eu
amei tanto o livro, mamãe, que não pude parar de ler”, ele explicou. Mais tarde
ele disse a um amigo que Deus “de fato não existe. Nós fomos enganados”. “Como
você pode dizer tal coisa?”, o amigo exclamou, ao que o garoto, o futuro Joseph
Stalin, respondeu dando a ele uma cópia de Darwin.
O que resultou da apreciação precoce de Stalin da
teoria evolucionista? Tanto Hitler quanto Stalin procuraram criar uma nova raça
de super-homens. De onde ambos tiraram essa ideia? Da teoria darwiniana, no
sentido mais amplo, claro.
Para entender o motivo disso, precisamos voltar às origens
da filosofia comunista. Os comunistas desde seu princípio foram atraídos pelo darwinismo
porque, como Engels ressaltou em sua carta a Marx, ele eliminou a “teleologia”
da história da vida. Isto é, ele evitou a necessidade por entender o
desenvolvimento da vida como tendo sido dirigido por um ser pessoal
transcendente de fora da natureza, e abriu caminho para entender a história
como sendo dirigida por forças impessoais do tipo antevistas por Marx. Em 1861,
ao ler A Origem das Espécies, Marx
exultou: “O livro de Darwin é muito importante e me serve como uma base
científica natural para a luta de classes na história. Tem-se, é claro, que
tolerar o tosco método inglês de discurso.”
Como podemos culpar Darwin por isso quando Marx e
Engels já tinham chegado ao esboço de suas filosofias em 1859, quando A Origem foi publicado? Sim, Marx viu no
darwinismo uma confirmação de suas visões, e Engels também o fez de forma mais
enfática. Mas o que isso prova?
Também é verdade que Lênin manteve uma estátua
proeminentemente situada em seu escritório no Kremlin, que continha um macaco
contemplando a caveira de um homem acima de uma única palavra de dedicatória:
“DARWIN”. Isso tinha diversos significados. A estátua do macaco significava o
desprezo de Lênin por seus colegas, que eram nada mais que filhos de macacos;
além disso, o apego idólatra do Estado soviético à ciência [humana], já que Lênin
se apoiava resolutamente na fé comunista de que o próprio marxismo era uma
doutrina científica; e o mais abominável, ela aludia à luta darwiniana aplicada
às classes sociais, com o proletariado ascendendo à sua posição destinada de
comando, após as classes rivais de aristocratas, burgueses, padres e camponeses
terem sido exterminadas. Para Lênin, assim como para Darwin, “extermínio” era
uma palavra favorita.
Como sucessor de Lênin, Stalin escreveu um tratado
ideológico, “Anarquismo ou Socialismo?”, especulando sobre a ciência darwiniana
e declarando: “A evolução prepara a revolução e cria espaço para ela; a
revolução consuma o processo de evolução e facilita sua posterior atividade.”
Ainda assim, Marx, e não Darwin, publicou primeiro.
A relação entre o comunismo e o darwinismo tem sido
debatida por acadêmicos há anos, deixando um amontoado lamacento e frustrante
de alegações e contra-alegações. Há, no entanto, uma forma clara e satisfatória
de resolver o debate. Tanto marxistas quanto darwinistas são herdeiros de uma
revolta materialista contra a metafísica que começou no século 17 com Hobbes e
Locke, e da revolta “naturalista” contra Igreja e Trono inaugurada por Rousseau,
no século 18. Marx simplesmente emergiu daquela tradição um pouco antes que
Darwin. No entanto, uma vez que em Darwin a visão de mundo atingiu seu apogeu
de influência, tem-se o nome darwinismo e assim Marx é adequadamente chamado de
darwinista.
Leitores cristãos irão, eu espero, perdoar a seguinte
analogia grotesca. Marx estava para Darwin, muito aproximadamente, como João
Batista estava para Jesus: um antecedente, um contemporâneo, e um discípulo.
A visão de mundo que carrega o nome de Darwin o faz da
mesma forma que o nome cristianismo alude à personalidade de uma figura
histórica, chamado Jesus Cristo, apesar de que Jesus e muitas de Suas ideias
emergiram de uma tradição, o judaísmo, que o precedeu em muito e na qual Ele
colocou Sua própria interpretação; apesar de as ideias de Jesus serem
posteriormente desenvolvidas por Paulo, os escritores do evangelho, os
patriarcas da igreja, e posteriores pensadores cristãos.
O que Marx e Darwin compartilharam foi brilhantemente
visto por Hannah Arendt. É o que faz do hitlerismo e do stalinismo dois lados
da mesma moeda.
Marx e Darwin desenvolveram teorias paralelas de lei
histórica ou natural. Em um contexto religioso, a lei é percebida como estática
e eterna: a lei de Deus, mais alta que qualquer homem, digna de julgar reis e
tiranos por sua luz. O marxismo e o darwinismo, como filosofias materialistas,
acreditam ter conseguido remover a necessidade de Deus, ou da metafísica de
forma geral. Para eles não há tal coisa como uma lei moral estática, eterna.
Dessa forma, no livro A Descendência do Homem, Darwin descreve o processo pelo qual a
moral evolui, assim como corpos de animais. Ele não encontra nada absoluto ou
dado por Deus até mesmo em um aparente instinto moral fundamental como o que
vai contra o incesto: “Devemos, assim, rejeitar a crença, recentemente
reforçada por alguns escritores, de que a repulsa ao incesto é causada por uma
consciência especial implantada por Deus.” O lugar de Deus é substituído por
uma lei de movimento. A História é uma maré que move o desenvolvimento da
natureza ou sociedade de acordo com uma lei impessoal, não guiada, e ainda
cientificamente descritível. Evolução e revolução são de fato a mesma dinâmica,
observadas respectivamente sob as perspectivas natural e social. No livro Origens do Totalitarismo, Arendt
escreveu sobre Darwin e Marx: “Se considerarmos, não a conquista, mas as
filosofias básicas de ambos os homens, o que se observa é que o movimento da
história e o movimento da natureza são um e o mesmo.”
Isso ajuda a clarificar o porquê, sob os regimes de
Hitler e Stalin, o que Arendt chamou de “terro total” era o resultado
previsível. A única moralidade era a da lei do movimento da história, visto em
termos biológicos ou econômicos. Em ambos os casos, se você se opusesse, seria
um inimigo e qualificado para destruição.
A versão de Stalin da evolução derivou de uma linha
daquela tradição científica e filosófica oriunda do antigo evolucionista
Francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Lamarck afirmou que características
adquiridas por um organismo durante sua vida poderiam ser passadas para sua
descendência, tornando o ambiente de igual importância na hereditariedade. (A
teoria evolucionária moderna exclui essa ideia.) Os métodos darwinianos mais
estritos de Hitler, obcecado por hereditariedade, enfatizaram eugenia e
assassinato para livrar a sociedade de indesejáveis genéticos, enquanto a
abordagem de Stalin enfatizava a manipulação do ambiente social, isolando
anormalidades, enviando adultos e crianças que possuíssem mentes “doentes” por
pensamentos antissoviéticos para o Gulag para não corromperem as mentes sadias.
A sutil diferença pouco importava para os milhões que foram assassinados na
busca de um pesadelo evolucionário.
Inicialmente, o regime soviético era fascinado pela eugenia,
estabelecendo uma sociedade eugênica russa em 1921 e imediatamente procedendo
com o estudo da questão judaica. Mas o marxismo em geral possuía pensamento
dúbio sobre evolução, e como mencionado acima, tendia a favorecer o lado de
Lamarck da teoria. Já em 1906, Stalin havia-se declarado a favor de Lamarck.
Isso não era uma rejeição do darwinismo, mas simplesmente do mecanismo
evolucionário que tornou Darwin famoso, a seleção natural. Por várias razões,
os comunistas preferiram pensar em termos de uma seleção ambiental como o
mecanismo impessoal dirigindo a evolução. Na década de 1930, Stalin passou a
defender Lamarck com mais intensidade. Após 1945, a teoria evolucionista
oficial do comunismo soviético foi representada por um agrônomo e fraudulento
cientista ucraniano, Trofim Lysenko. Sob o regime do lysenkismo, dissidentes da
ortodoxia evolucionária eram sujeitos à destruição de carreira, ao
aprisionamento e até mesmo à morte.
Ao invés de criar super-humanos por meio da genética,
como Hitler fez, o evolucionismo soviético buscava fazê-lo por intensas
manipulações do ambiente, incluindo exílio, aprisionamento e assassinato. No
Grande Terror de 1937-38, uma das classes comuns de vítimas eram os
“socialmente prejudiciais”. Essa não era meramente uma categoria política, mas
evolucionista.
O Estado soviético era, então, um experimento de darwinismo
aplicado. Como Malcolm Muggeridge, o jornalista britânico que se separou de
seus colegas para reportar de forma honesta o terror-fome stalinista,
posteriormente afirmou, “é interessante refletir que agora, à luz de tudo o que
aconteceu, os prévios oponentes obscurantistas da evolução darwiniana parecem
muito mais sagazes e visionários do que seus primeiros empolgados defensores”.