Morreu Katherine Johnson, a
matemática da agência espacial norte-americana que calculou a rota da Apollo
que levou a humanidade até a Lua. Tinha 101 anos. A história de Katherine
Johnson e das outras mulheres negras nos bastidores da missão lunar foi contada
pela primeira vez no filme “Hidden Figures”, que chegou a ser indicado para o Oscar
em 2017. Corria o ano de 1966 quando Katherine Johnson desenhou
milimetricamente o percurso da missão Apollo até a Lua com o poder da mente e a
ajuda de uma régua, um lápis, folhas de papel e calculadoras rudimentares.
“Naquela época, os computadores vestiam saias”, chegou a dizer entre risos. Depois
de ter construído os pilares matemáticos da missão Mercury de 1961, que fez de
Alan B. Shepard Jr. o primeiro norte-americano a passear no espaço, Katherine
Johnson foi uma das responsáveis pelo primeiro passo (talvez o mais popular de
todos) que colocou os Estados Unidos na linha da frente da Guerra Fria pela
primeira vez – a alunissagem.
Além dela, outras 29 mulheres afroamericanas
compunham parte da equipe de matemática da Nasa na Divisão para Investigação de
Voo – uma equipa que, em tempos de segregação racial nos Estados Unidos, era
colocada à parte dos outros trabalhadores. A história desse grupo de mulheres e
o contexto social em que viviam estão na base no filme de Theodore Melfi, em
que Katherine Johnson é interpretada por Taraji P. Henson e tem um papel
central no enredo.
Quando “Hidden Figures” foi indicado ao
Oscar, Katherine Johnson era a única funcionária daquela equipe da Nasa que
estava viva. Tinha 98 anos. A matemática foi convidada a assistir à cerimônia
da Academia ao lado dos atores do filme e foi recebida no palco com a plateia a
aplaudir em pé.
Pouco depois, a Nasa abriu um centro
de investigação computacional batizado com o nome de Katherine Johnson. Dois
anos antes, ela já tinha recebido a Medalha da Liberdade pelas mãos de Barack
Obama. A Nasa lamentou a morte de Katherine Johnson. Num comunicado publicado
na página da Agência, o administrador Jim Bridenstine considerou que a
cientista “ajudou a nação a abrir as fronteiras do espaço”. E acrescentou: “Ela
atingiu grandes feitos que abriram portas às mulheres e aos negros na aventura
humana universal para explorar o espaço.”
Mas Katherine Johnson nunca quis
colocar-se em cima desse pedestal. Nas entrevistas que se seguiram à publicação
do filme que inspirou, a matemática norte-americana, natural de West Virginia,
disse que era “tão boa quanto outra pessoa qualquer, mas não melhor”, embora
ressalve que nunca teve qualquer “complexo de inferioridade”. Sobre todos os
feitos que foram alcançados pela agência espacial norte-americana graças aos
cálculos que fez, Katherine Johnson simplificava: “Estava só fazendo o meu
trabalho.”
Um trabalho que exigiu muito da
família da cientista. Filha de uma professora e de um agricultor, Katherine
Johnson estudou no centro de um sistema educacional de segregação racial. Aos
10 anos ingressou na escola secundária e aos 14 anos estava graduada, após ter
assistido a todas as disciplinas de matemática que a instituição tinha, desde
álgebra, geometria, trigonometria, entre outras áreas. Katherine Johnson
absorvia de tal modo essas matérias que William Claytor, o terceiro homem negro
a obter um doutoramento nos Estados Unidos, criou aulas só para ela.
Cena do filme “Hidden Figures" |
Impossibilitada de entrar no ramo da
investigação, tornou-se professora e casou com um químico. Quando as ofertas
acadêmicas universitárias começaram a ser abertas a negros, graças aos
movimentos de defesa dos direitos civis que tinham despertado no país,
Katherine Johnson entrou na Universidade de West Virginia para estudar
matemática avançada. Desistiu no final do ano letivo ao descobrir que estava
grávida. E passou a dedicar-se à família até a filha completar 12 anos.
Em 1952, no entanto, uma notícia
despertou nela uma vontade de regressar aos livros: o Centro de Investigação
Langley da Nasa – à época era chamada Naca – tinha aberto vagas para mulheres
negras. Depois de ter feito isso para mulheres caucasianas com o objetivo de
poupar os homens das tarefas mais repetitivas, começou a recrutar também mulheres
negras por precisar de mais mão-de-obra.
Quando conseguiu o emprego, Katherine
Johnson chamou atenção por ter quebrado as regras de segregação, segundo as
quais mulheres negras só podiam utilizar os “computadores de cor”. Os banheiros
para negras estavam identificadas como tal, mas muitos dos banheiros reservados
para caucasianas não tinham qualquer sinalização que o indicasse. Por isso,
Katherine Johnson usou um deles. E nunca deixou de fazer isso.
Ao fim de dois anos, Katherine
Johnson foi então transferida para a Divisão de Investigação de Voos porque os
engenheiros daquele escritório – todos homens brancos – já não se lembravam das
regras de geometria. Foi nessa altura que a matemática começou a desenvolver os
voos aeronáuticos, uma tarefa que a ajudou a superar a morte do primeiro
marido, pai dos três filhos dela, vítima de câncer no cérebro. A matemática
viria a casar novamente e a publicar dezenas de relatórios científicos
relacionados com os cálculos secretos feitos naquela divisão. O segundo marido
de Katherine Johnson morreu no ano passado.
Com a chegada da Guerra Fria e a
impressionante capacidade da União Soviética em conquistar o espaço, Katherine
Johnson participou no esforço norte-americano para fazer frente aos russos.
Trabalhava 16 horas por dia, fazia comunicação de ciência para ensinar a
importância da exploração espacial às crianças e participava em conferências de
imprensa que ajudavam o governo a conquistar o apoio dos cidadãos no
investimento na área aeroespacial.
Todas essas funções tinham ficado na
sombra até serem contadas no filme “Hidden Figures”, mas esse é o legado de
Katherine Johnson que fica agora na memória como uma das maiores contribuições
para uma das épicas aventuras da humanidade. A morte da matemática
norte-americana foi anunciada pela família.
Katherine Johnson trabalhando em 1962 na Nasa |