segunda-feira, setembro 13, 2021

A descoberta da cidade de Babilônia

O livro bíblico de Daniel é um dos textos mais importantes do antigo testamento. Suas páginas estão repletas de profecias e histórias que falam sobre o terrível cativeiro do povo de Israel em Babilônia. Durante muito tempo, acadêmicos e arqueólogos diziam que Babilônia era uma lenda criada pela imaginação dos escritores da Bíblia, e que essa cidade nunca tinha existido. No entanto, essa visão cética foi colocada por terra quando, no fim do século 19, Robert Koldewey, arqueólogo e arquiteto alemão, descobriu as ruínas da antiga capital imperial de Nabucodonosor.

É interessante dizer que antes de essa descoberta acontecer, Heródoto, famoso historiador grego da antiguidade, já havia relatado e documentado sua visita à cidade em um passado longínquo. Em sua passagem pela metrópole, Heródoto descreveu as dimensões e características da cidade com detalhes.[1] Mesmo com esses textos extrabíblicos, muitos historiadores ainda insistiam em negar a existência de Babilônia. Uma das lições dessa descoberta arqueológica é que a ausência de evidência não é, necessariamente, evidência de ausência. Nem sempre a falta de comprovações empíricas sobre determinados fatos históricos significa que aqueles objetos não existiram.

Foi justamente na virada do século 20, mais especificamente a partir de 1899, que o tiro saiu pela culatra. Em uma incessante escavação nas regiões de Bagdá, atual Iraque, Koldewey se deparou com um tesouro milenar que estava coberto havia séculos. A partir desse momento, a arquitetura de Babilônia estava revelada e aberta para pesquisa e estudo – pesquisa essa que foi feita por muitos céticos que antes se referiam à cidade como mitológica.

A descoberta não tinha sido feita antes porque muitas pessoas procuravam escavar à beira do Eufrates, já que os relatos falavam que a cidade fazia divisa com o rio. O problema é que ao longo dos anos o Eufrates foi desviado diversas vezes; sendo assim, uma pesquisa próxima ao rio já não era uma opção interessante. Ao andar pela região, Koldewey percebeu que os beduínos locais sempre visitavam a área montanhosa de Hillah para pegar tijolos e usa-los como matéria-prima de construção.[2] Durante muito tempo, esses habitantes locais utilizaram os tijolos da antiga Babilônia (figura 1) para construir residências e outras estruturas vernaculares. Isso já aconteceu em outras ocasiões na história da arquitetura. Muitos habitantes que viveram em locais em que o Império Romano foi pujante usavam o mármore das construções imperiais para praticar sua arquitetura local – o Coliseu, por exemplo, foi utilizado como “jazida” pelos romanos que viviam em suas proximidades.

 

Figura 1: escavação em Babilônia, Iraque. Fonte: Wikimedia Commons (domínio público)

Durante as escavações, muitos artefatos importantes foram encontradas, tais como manuscritos cuneiformes, objetos religiosos e edificações que testemunhavam de uma civilização rica e próspera. O Portal de Ishtar (figura 2), entrada principal da cidade e que hoje fica no Pergamum Museum de Berlin, é uma das partes mais bem preservadas do complexo. No portal é possível observar tijolos de lápis-lazúli, material raro encontrado apenas na Mesopotâmia e em algumas partes do Chile.[3] A fachada do portal é composta por desenhos de leões alados, dragões e bois em alto-relevo. Todas essas características são uma demonstração clara da glória da antiga Babilônia.

 

Figura 2: Portal de Ishtar, Pergamum Museum, Berlin. Fonte: Wikimedia Commons (domínio público)

O portal também possui uma entrada com um grande arco semicircular. Essa é uma das evidências mais antigas dos arcos na história da arquitetura. Os romanos fizeram uso abundante dos arcos em seus aquedutos,[4] mas graças à incrível descoberta do Portal de Ishtar é possível concluir que essa técnica foi, possivelmente, uma invenção dos povos que habitaram a região do crescente fértil, principalmente os mesopotâmicos.

O interessante é que o livro de Daniel possui diversas passagens que trazem, de maneira simbólica e profética, esses mesmos animais encontrados no Portal de Ishtar. Na profecia, o leão com duas asas representa o próprio reino de Babilônia, cujo rei mais conhecido foi Nabucodonosor. O leão é sempre visto como o rei dos animais e a águia, a rainha das aves. Esse animal é um leão que tem duas asas de águia (figura 3), simbolizando a rapidez avassaladora que o reino de Babilônia teria diante de seus inimigos. Mas esse poder não duraria para sempre, segundo a profecia: suas asas seriam arrancadas, ou seja, seu poder lhe seria retirado. A história mostra que essa glória foi tirada por Ciro, o persa, no ano 539 a.C.

 

Figura 3: leão Alado no Caminho Processional, Pergamum Museum, Berlin. Fonte: Unsplash

Durante o governo de Sadam Hussein, várias edificações foram reconstruídas na busca por fortalecer o nacionalismo do regime ditatorial.[5] O ditador se considerava herdeiro de Nabucodonosor e, para tornar isso ainda mais claro, passou por cima de diversos princípios e práticas de restauro e conservação. Hussein recebeu várias críticas de entidades internacionais por sua maneira de lidar com o patrimônio local.

Com essa descoberta, todos os livros de história da arquitetura publicados nos anos que sucederam a escavação tiveram que trazer Babilônia como um fato histórico. Hoje muitas escavações ainda continuam sendo feitas na região. O objetivo é procurar por fatos que não só demonstrem os costumes e as tradições dos mesopotâmicos, mas que também comprovem ainda mais a veracidade histórica da Bíblia Sagrada.

(Bruno Perenha é arquiteto [Unicesumar, Maringá] e especialista em História da Arquitetura [Birkbeck, University of London]; conheça mais sobre o trabalho dele no Instagram: @brunoperenha e no YouTube: https://www.youtube.com/channel/UC4jx8wH1THB-0Usc7ryzUHQ)

Referências:

[1]  STRASSLER, Robert B. The Landmark Herodotus. London: Quercus Publishing Plc, 2008.

[2]  LYON, David Gordon. In: Vo. 11 (3). Recent Excavations at Babylon. The Harvard Theological Review: 1918. Pag. 307-321.

[3]  FELSTINER, John & Neruda, Pablo. In: Vol. 32 (No. 4). Lapis Lazuli in Chile. The American Poetry Review. Philadelphia: Old City Publishing, Inc, 2003. Pag. 6.

[4]  GLANCEY, Jonathan. A História da Arquitetura. São Paulo: Edições Loyola, 2001. Pag. 30-32.

[5]  MACFARQUHAR, Neil. Hussein's Babylon: A Beloved Atrocity. The New York Times, Aug. 19, 2003. Section A, Pag 11. Available in: <https://www.nytimes.com/2003/08/19/world/hussein-s-babylon-a-beloved-atrocity.html>. Access: Aug. 20, 2021.

quarta-feira, setembro 08, 2021

Não! Vocês não fazem parte da família

A ideia de que o homem moderno (Homo sapiens sapiens) compartilha um ancestral comum com grandes macacos (e.g. orangotangos, gorilas e chimpanzés) tem sido difundida como uma verdade inquestionável desde a ampla adoção da teoria darwinista nos círculos acadêmicos no fim do século 19 e início do século 20. A temática da evolução humana engloba várias disciplinas, como antropologia, arqueologia, primatologia e genética. No entanto, com o advento de tecnologias de sequenciamento genômico, as análises genéticas passaram a ter proeminência em estudos filogenéticos humanos, pois elas fornecem dados objetivos e mensuráveis, tanto no âmbito quantitativo quanto qualitativo. Dentre essas análises, destacam-se as relacionadas ao campo de pesquisa biológico denominado de genômica comparada.

Como o próprio nome sugere, a genômica comparada é um campo de pesquisa biológica em que as características genômicas de diferentes seres vivos são comparadas. Infelizmente, na prática, esse campo de pesquisa acabou sendo mesclado com a teoria evolucionista de tal forma que todas as diferenças genéticas verificadas entre os organismos são interpretadas como havendo surgido durante a história evolucionária. Nesse contexto, a premissa da ancestralidade comum muitas vezes se sobrepõe à objetividade dos dados analisados. Os dados genéticos que têm sido utilizados de forma mais recorrente para respaldar nosso suposto parentesco evolutivo com os grandes macacos e justificar a inserção deles na família hominidae são os oriundos da comparação do genoma humano (Homo sapiens sapiens) com o genoma do chimpanzé (Pan troglodytes).[1]

As primeiras análises de comparação genômica realizada pelo Chimpanzee Sequencing and Analysis Consortium apontaram uma diferença de apenas 1,23% para o genoma humano.[2] Entretanto, essa porcentagem refletia apenas as substituições de bases e não considerava os muitos trechos de DNA que estavam ausentes ou presentes em apenas um genoma. Posteriormente, uma análise computacional dirigida pelo cientista Matthew Hahn considerou as diferenças do número de cópias gênicas e chegou a uma diferença de 6,4% entre os genomas do Homo sapiens sapiens e Pan troglodyte.[3]

Ou seja, a diferença genômica de 1 a 2%, ensinada e difundida por diversas instituições de ensino ao redor do mundo até os dias de hoje, não passa de um mito. Além disso, a apresentação dessa diferença em termos de porcentagem acaba mascarando sua real magnitude. Há por volta de 40-45 milhões de bases presentes em humanos que estão ausentes em chimpanzés, e aproximadamente o mesmo número presente nos chimpanzés e ausentes em humanos; 689 genes são encontrados apenas no genoma humano e 86 genes são exclusivos do genoma do chimpanzé.[3] As diferenças incluem diferenças no tipo e número de DNA genômico repetitivo e transposons, abundância e distribuição de retrovírus endógenos, presença e extensão de polimorfismos alélicos, polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs), diferenças de sequência gênica, duplicações gênicas, diferenças de expressão gênica e variações de splicing de RNA mensageiro.[4]

Além disso, ao se realizar uma análise comparativa da estrutura e do número de cromossomos das duas espécies, as seguintes diferenças são verificadas: (a) a região dos telômeros (sequências repetitivas de DNA no final dos cromossomos) é muito maior em chimpanzés do que em humanos;[5] (b) os genes e marcadores nos cromossomos 4, 9 e 12 não estão na mesma ordem em humanos e chimpanzés;[6] (c) a análise do mapa do cromossomo 21 permite identificar várias regiões que são específicas do genoma humano;[7] (d) o cromossomo Y possui tamanhos diferentes e muitos marcadores que não se alinham entre humanos e chimpanzés;[8] (e) o chimpanzé tem 24 pares de cromossomos, enquanto os humanos têm apenas 23 pares.

No entanto, essas muitas diferenças não bastam para que os cientistas darwinistas questionem o paradigma da ancestralidade comum entre humanos e chimpanzés. Como exemplo dessa recusa pode ser citada a explicação dada para a diferença de 48 para 46 cromossomos verificada entre chimpanzés e humanos, respectivamente. Segundo os evolucionistas, o cromossomo humano 2 teria sido formado pela fusão de dois cromossomos pequenos em um ancestral simiesco da linhagem humana. No entanto, essa explicação levanta os seguintes questionamentos: (a) Qual seria o mecanismo pelo qual uma anormalidade cromossômica poderia se tornar universal em uma linhagem tão grande como a humana?; (b) Qual seria a vantagem seletiva de se possuir um cromossomo resultante de uma fusão?

As respostas práticas e viáveis para essas perguntas são um desafio para os cientistas que continuam sustentando a evolução humana. Ademais, mesmo se houvesse evidências concretas que sustentassem a origem do cromossomo 2 humano a partir de uma fusão de dois cromossomos menores, ela não poderia ser utilizada para respaldar a ideia de que humanos e chimpanzés compartilharam um ancestral comum há cinco milhões de anos. Essa fusão teria que haver surgido depois que a linhagem humana se separou da dos chimpanzés, ou seja, ela só forneceria evidências para ligar os indivíduos que a compartilhassem.

Ao me deparar com explicações meramente especulativas e falácias lógicas como a supracitada, as quais muitas vezes são utilizadas para sustentar o edifício epistemológico da teoria evolucionista, lembro-me da declaração do biólogo evolucionista Richard Lewontin:

“Nós ficamos do lado da ciência, apesar do patente absurdo de algumas de suas construções, apesar de seu fracasso para cumprir muitas de suas extravagantes promessas em relação à saúde e à vida, apesar da tolerância da comunidade científica em prol de teorias certamente não comprovadas, porque temos um compromisso prévio, um compromisso com o materialismo. Não é que os métodos e as instituições da ciência de algum modo nos compelem a aceitar uma explicação material dos fenômenos do mundo, mas, ao contrário, somos forçados por nossa prévia adesão à concepção materialista do Universo a criar um aparato de investigação e um conjunto de conceitos que produzam explicações materialistas, não importa quão contraditórias, quão enganosas e quão mitificadas para os nãos iniciados. Além disso, para nós o materialismo é absoluto, não podemos permitir que o ‘pé divino’ entre por nossa porta.”[9]

A adesão de muitos cientistas a uma concepção materialista os impede de reconhecer a obviedade de que somos muito diferentes de qualquer animal e que processos evolutivos não podem originar essas diferenças. A narrativa do livro de Gênesis escancara o abismo que há entre o ser humano e outros organismos. Plantas, aves e animais terrestres e aquáticos foram criados “conforme a sua espécie” (Gênesis 1:11-25), mas o ser humano foi criado “à imagem e semelhança de Deus” (Gênesis 1:26). Obviamente há semelhanças entre o ser humano e outros organismos, que podem ir desde o genótipo até o fenótipo, mas essas semelhanças podem ser entendidas como padrões utilizados pelo Criador – a assinatura de um Deus criativo e todo-poderoso – e não necessariamente como evidências de ancestralidade comum. Dessa forma, tomando por base a Bíblia Sagradas e diversas evidências científicas, podemos dizer para orangotangos, gorilas e chimpanzés: “Não! Vocês não fazem parte da família Hominidae!”

(Tiago Alves Jorge de Souza é doutor em Ciências Biológicas na área de concentração em Genética)

Referências:

1. Cohen,  J.  News Focus on Evolutionary Biology, Relative Differences: The Myth of 1%, Science, v. 316., n. 5833, p. 1836, 2007.

2. Khaitovich, P., Hellmann, I., Enard, W., et al.. "Parallel patterns of evolution in the genomes and transcriptomes of humans and chimpanzees". Science, v. 309, n. 5742. p. 1850–4, 2005.

3. Demuth, J. P. , Bie, T. D., Stajich, J. E., Cristianini, N., Hahn, M.W. The Evolution of Mammalian Gene Families. PLoS ONE 1(1): e85, 2006.

4. Gagneux,, P., Varki, A.. ‘Genetic differences between humans and great apes.’ Mol Phylogenet Evol. v. 18, p. 2-13,  2001.

5. Kakuo, S., Asaoka, K.,  Ide, T. ‘Human is a unique species among primates in terms of telomere length.’ Biochem Biophys Res Commun , v. 263, p. 308-31, 1999.

6. Gibbons, A.. ‘Which of our genes make us human?’ Science, v. 281, p. 1432-1434, 1998.

7. Fujiyama, A., Watanabe, H., Toyoda, A., et al. ‘Construction and analysis of a Human-Chimpanzee Comparative Clone Map.’ Science v. 295, p. 131-134., 2002.

8. Archidiacono, N., Storlazzi, C.T., Spalluto, C., Ricco, A.S., Marzella, R., Rocchi, M. ‘Evolution of chromosome Y in primates.’ Chromosoma, v.  107, p. 241-246, 1998.

9. Lewontin R. C. Billions and Billions of Demons. The New York Review of Books, 1997.