Nas últimas semanas, testemunhamos uma avalanche de fake news inspiradas em observações do James Webb Space Telescope (JWST)
Uma dessas linhas de boatos ganhou maior destaque por entrar em ressonância com fake news mais antigas e bastante apreciadas, tanto por defensores da doutrina do Universo jovem jovem quanto por defensores da hipótese do Universo eterno. Tal ressonância acrescentou um aspecto interessante de ironia ao assunto.
A ironia
Um ateu chamado Eric Lerner tem combatido o modelo do Big Bang por entender que esse modelo aponta para uma Divindade criadora do Universo. Com isso em mente, Lerner adotou como missão combater esse modelo e tem escrito sobre o assunto há algumas décadas, apesar de demonstrar importantes limitações em seu conhecimento técnico não apenas sobre esse assunto, mas também em outras áreas da Física. Até aí, nada de anormal. A ironia está em que um grupo de criacionistas do Universo jovem engajou-se em festejar, promover e ampliar fake news divulgadas por Eric Lerner.
Para entender o grau de ironia que isso representa, o que Eric Lerner tenta apresentar são evidências de que o Universo é eterno, de que ele nunca teria sido criado. De alguma forma, alguns criacionistas pensaram que as supostas evidências divulgadas por Lerner favorecem a posição deles, de que o Universo foi criado por Deus há poucos milhares de anos.
Parece absurdo? Na verdade, é, mas existe um caminho tortuoso de desinformação que obscurece o entendimento a ponto de fazer parecer que essas ideias diametralmente opostas sejam compatíveis entre si. Como o Universo eterno e sem Deus de Eric Lerner estaria em harmonia com o Universo criado recentemente por Deus defendido por uma ala de criacionistas? A resposta é que essas duas crenças diametralmente opostas possuem um inimigo comum: o Big Bang. Como diz o provérbio, “o inimigo de meu inimigo é meu amigo”.
Faz sentido que Eric Lerner combata o Big Bang, mas de que maneira o Big Bang se opõe à crença no Universo jovem? Na verdade, ele não se opõe, mas há fake news muito queridas por alguns, as quais dizem que sim, que Big Bang e criacionismo seriam opostos.
Na superfície, há quem diga que Big Bang é uma alternativa ateísta ao relato bíblico de Gênesis, o que não é verdade por várias razões. Porém, a base do antagonismo contra o Big Bang é outra, e é nela que devemos nos concentrar em primeiro lugar.
A ideia básica fundamenta-se nas seguintes premissas (hipóteses), nem todas verdadeiras:
a. o assunto de Gênesis 1 seria a criação
do Universo inteiro;
b. de acordo com a cronologia bíblica, a
semana da criação ocorreu há poucos milhares de anos;
c. a crença de que o Universo tem bilhões de anos de idade origina-se na “teoria do Big Bang” e, se essa teoria for derrubada, então as pessoas podem voltar a crer que o Universo é jovem.
É bastante evidente que a premissa (c) é incompatível com as premissas (a) e (b) combinadas. Entretanto, a premissa (a) não pode ser provada biblicamente (as supostas “provas bíblicas” nessa área sempre envolvem erros de exegese e desconsideração de um ou mais aspectos da hermenêutica), e a premissa (c) também é falsa.
A discussão sobre exegese nesse ponto é bastante longa e envolve aspectos do hebraico que fogem ao escopo deste artigo, mas a premissa (c) está mais diretamente ligada ao assunto em pauta. É verdade que a ideia de que o Universo é antigo baseia-se na “teoria do Big Bang”? Absolutamente não. Pelo contrário.
O que nos diz que o Universo é antigo é a velocidade finita da luz combinada com as distâncias enormes nas quais podemos observar objetos. O que o modelo do Big Bang fez foi mostrar que o próprio tempo teve um início e, portanto, o Universo (espaço-tempo) não pode ser eterno. Além disso, ele nos permite fazer uma estimativa da idade do Universo a partir de parâmetros que podemos medir. Mas de maneira nenhuma precisamos do Big Bang para perceber que o Universo não pode ter apenas uns poucos milhares de anos de idade.
Até o início do século 20, predominava no ambiente acadêmico a crença de que o Universo (o tempo e o espaço combinados) seria eterno. Após Hilbert e Einstein descobrirem independentemente a equação fundamental da Relatividade Geral, que expressa uma lei que vincula curvaturas no espaço-tempo com distribuições de energia (e momentum e tensões), vários pesquisadores experimentaram aplicar essa equação ao Universo como um todo e descobriram consequências perturbadoras: ou o Universo terá um fim, ou teve um início ou ambos. Essa equação já traz embutida a primeira lei da Termodinâmica. Georges Lemaître utilizou também a segunda lei da Termodinâmica como filtro para o espectro de soluções encontrado pelos demais pesquisadores. Com isso, descobriu que o tempo teve um início, isto é, que o Universo foi criado em algum momento do passado.
Duas décadas mais tarde, Fred Hoyle, que era ateu na época e por isso preferia crer que o Universo é eterno, tentou ridicularizar o modelo de Lemaître chamando-o de “Big Bang” (Grande Explosão). Infelizmente, esse nome enganoso tornou-se popular e hoje precisamos lidar com ele e com um séquito de ideias fisicamente absurdas sobre o modelo, mas que são populares entre leigos que gostam de combatê-lo, seja por não acreditarem em Deus, seja por pensar que se trata de um modelo que defende o ateísmo. Ou seja, o modelo é combatido por alguns ateus por apontar para Deus, e por alguns criacionistas por não apontar para Ele.
Uma curiosidade: mais tarde, Fred Hoyle descobriu o ajuste fino do Universo, passou a crer em Deus e deixou de ter motivos para combater o Big Bang, ou seja, defender o Universo eterno.
É importante esclarecer que as alternativas que temos são:
1. o Universo foi criado, isto é, alguma versão de Big Bang é válida;
2. o Universo é eterno, nunca foi criado.
Quem combate o Big Bang opta pela segunda alternativa ao fazer isso, mesmo que creia na doutrina do Universo jovem. Nesse último caso, trata-se de uma posição autocontraditória.
O que faz parecer com que “criacionismo anti-big bang” não seja uma crença autocontraditória é o desconhecimento quase que universal do modelo em si. É comum vermos pessoas falando em evolução de galáxias e referindo-se a isso como a “teoria do Big Bang”, ou, pior ainda, confundindo Big Bang com a explosão de um material que esteve em algum momento concentrado em um ponto do espaço e veio a explodir, lançando partículas em todas as direções. Nada mais longe da verdade.
No modelo original de Lemaître (o de hoje faz uso de menos hipóteses e por isso abrange mais possibilidades), o Universo seria a superfície tridimensional de uma esfera quadridimensional. A direção radial dessa esfera quadridimensional é uma dimensão de tempo. O centro da esfera corresponde ao momento da criação do Universo, não a uma localização no espaço.
Essa superfície tridimensional na qual vivemos e que chamamos de Universo está em expansão de nosso ponto de vista, enquanto o raio do Universo cresce ao nos afastarmos do momento da criação. Ela possui uma distribuição de material que apresenta certa homogeneidade em larga escala e já nasceu mais ou menos homogênea, com todo o espaço preenchido desde o início. Em nenhum momento a matéria estaria concentrada em um ponto do espaço, nem viria a explodir e ir preenchendo o restante do espaço ao longo do tempo. Essa ideia seria incompatível com a Relatividade Geral e só é defendida por quem não tem suficiente conhecimento técnico do assunto e dispõe apenas de boatos como fontes de informações sobre Cosmologia.
No modelo original de Lemaître, o Universo teria uma curvatura global positiva. No modelo atual, generalizado, o de Lemaître é apenas um caso particular de possibilidades. A nova versão também lida bem com curvatura negativa e curvatura nula. Em qualquer caso, em todo o domínio de validade do modelo, o espaço já está todo preenchido desde o início.
Atualmente, também sabemos que a curvatura global do Universo é nula ou muito próxima disso. A hipótese adicional de Lemaître, de que o Universo possui globalmente uma curvatura positiva, é irrelevante para os resultados relevantes do modelo.
Poderíamos utilizar o modelo do Big Bang em si em um cenário em que o Universo foi criado por Deus há seis mil anos, como, aliás, o Dr. Humphreys tenta fazer em seu livro Luz Estelar e Tempo. Ele se propõe a apresentar uma alternativa ao Big Bang baseada na Relatividade Geral, mas o que obtém é um universo hospedeiro preexistente no qual Deus planta um buraco branco (um Universo em expansão, ou seja, um big bang). O universo hospedeiro também precisa seguir a equação da Relatividade Geral, bem como a restrição da segunda lei da Termodinâmica, o que implica em outra instância de big bang. Em suma, Humphreys substitui um big bang por dois, mas seu modelo é um exemplo de aplicação da mesma ideia de big bang a um universo recente (o interno, neste caso).
Um dos objetivos principais do livro de Humphreys é o de tentar resolver o problema da luz estelar distante, que é o verdadeiro motivo pelo qual sabemos que o Universo é antigo. Na concepção dele, seis mil anos teriam se passado na Terra enquanto bilhões de anos teriam se passado no resto do Universo. É uma ideia interessante, exceto por alguns problemas graves:
1. o argumento de Humphreys depende da hipótese falsa usada implicitamente de que a direção radial de um buraco branco é uma dimensão de espaço, sendo que ela é uma dimensão de tempo; o fato de ele não perceber isso é um dos itens que demonstram a pouca familiaridade dele com a Relatividade Geral;
2. a proposta dele implica em azulamento
de objetos distantes, exatamente o contrário do que se observa;
3. depende implicitamente de
antigravidade, que ainda não foi observada.
Além disso, a descrição verbal do processo de criação que ele faz no livro entra em conflito com as expressões matemáticas que ele apresenta.
Como saber se o Universo é antigo ou jovem?
Como mencionamos sem explicar, sabemos que o Universo é antigo por causa da velocidade finita da luz e das enormes distâncias de objetos visíveis no Universo. É importante entender essa questão, de maneira que vamos esclarecê-la um pouco mais.
Ao olharmos para o céu, não podemos ver o presente, apenas o passado. Isso acontece porque a luz demora algum tempo para chegar até nossos olhos ou instrumentos, trazendo as imagens do que aconteceu no momento em que ela partiu de sua origem.
Podemos descobrir quão antigas são as imagens que recebemos? Sim, e isso é relativamente simples: mede-se a distância D até o objeto observado. Sabe-se que a velocidade da luz é uma constante c e, com isso, é muito fácil calcular o tempo que a luz demorou para chegar até nós, o que nos diz quando foi que as imagens partiram de sua origem:
c = D/t => t = D/c.
Se adotarmos unidades de distância como segundo-luz (distância que a luz percorre em um segundo), minuto-luz, ano-luz, e assim por diante, e adotarmos a unidade de tempo correspondente (exemplo, usamos ano como unidade de tempo quando usamos ano-luz para medir distâncias), então o valor numérico de c é 1 e a distância nos permite saber imediatamente o tempo que a luz demorou para chegar até nós.
Vejamos alguns exemplos:
1. A estrela Betelgeuse está a cerca de 650 anos-luz de distância. Isso significa que os eventos que observamos hoje aconteceram lá há cerca de 650 anos. Se ela explodiu há 300 anos, por exemplo, só poderemos ver isso daqui a 350 anos.
2. O buraco negro no centro da Via Láctea
está a aproximadamente 26 mil anos-luz de distância. Isso significa que as
imagens de estrelas que vemos orbitar esse objeto mostram não o que acontece
hoje, mas o que acontecia há cerca de 26 mil anos.
3. A galáxia de Andrômeda está a cerca de
2,5 milhões de anos-luz de distância. Ela pode ser vista no céu a olho nu por
ser nossa vizinha. Isso significa que os fenômenos que hoje observamos nela
ocorreram 2,5 milhões de anos atrás.
4. Quase tudo o que se observa no espaço seria invisível para nós se o Universo tivesse poucos milhares de anos. Nem mesmo teríamos noção do que é uma galáxia se assim fosse. Veríamos o Universo como uma esfera contendo estrelas somente até uns seis a oito mil anos-luz de distância. Qualquer coisa além disso estaria além de nosso horizonte observacional.
A incompatibilidade entre as observações astronômicas e a doutrina do Universo jovem é que tem sido chamado de “problema da luz estelar distante”.
Várias tentativas têm sido feitas para resolver esse “problema” (luz criada em trânsito, Universo jovem com aparência de antigo, decaimento da velocidade da luz, modelo de Humphreys, sistema de coordenadas de Lisle, geometrias mirabolantes, outras variantes dessas ideias), mas cada tentativa esbarra em conflitos com a Bíblia, conflitos com as observações ou ambos.
O caso JWST versus Big Bang
Após nosso passeio por fake news antigas e fatos associados à Cosmologia, já temos uma noção mais clara sobre as motivações por trás das recentes fake news que envolvem um suposto atrito entre as observações do James Webb Space Telescope e o modelo do Big Bang. Também estamos munidos de informações que nos permitem identificar várias das fake news mais populares sobre o Big Bang. Mas vamos às novidades.
A fagulha inicial desta vez parece ter sido uma ação de “trolls”. Vamos explicar esse neologismo. Muitas pessoas leem títulos chamativos, imediatamente tiram suas conclusões e passam a argumentar sem conhecimento de causa. Essas pessoas passaram a ser chamadas de “trolls” na era da Internet.
Esse comportamento é antigo e é o mesmo que leva pessoas a utilizar descrições incorretas e até ridículas do modelo do Big Bang, as quais se originam essencialmente no nome enganoso dado por brincadeira por Fred Hoyle.
Desta vez, o fenômeno não é diferente: uma parte do título espirituoso de um artigo foi o suficiente para iniciar a avalanche de fake news que testemunhamos nas últimas semanas.
O título é: “Panic! At the disks: first rest-frame optical observations of galaxy structure at z>3 with JWST in the SMACS 0723 field”. A primeira parte desse título é uma brincadeira com o projeto musical “Panic! At the disco”, do músico americano Brandon Urie. Os autores do artigo ficaram bastante indignados com a má fé dos que geraram essa onda de fake news a partir do título bem-humorado do artigo.
Alguns divulgadores sérios e tecnicamente competentes, como Anton Petrov e o Dr. Becky, também reagiram a esse fenômeno infeliz. Por outro lado, diversos blogs e canais sensacionalistas do YouTube, incluindo alguns que pretendem defender o criacionismo, uniram-se a Eric Lerner na divulgação de informações falsas.
A título de exemplo, comentaremos um dos artigos que participou dessa ode ao Universo eterno (leia aqui).
Quando alguém diz que vai falar sobre o Big Bang e fala sobre formação de galáxias, é como alguém que diz que vai falar sobre mecânica de veículos e então passa a falar sobre gado, pois o gado às vezes é transportado em caminhões. Gado e mecânica de veículos são assuntos muito diferentes, assim como Big Bang e evolução de galáxias são assuntos completamente distintos. O modelo do Big Bang não lida com a existência e muito menos com a formação e evolução de estruturas astronômicas como estrelas e galáxias. Nenhuma das equações do modelo trata disso.
Vejamos alguns dos erros que aparecem já no início do artigo, a começar por um bastante leve a até desculpável, mas também erros graves na continuação:
1. Chama o modelo do Big Bang de “teoria”. É um desvio menor, uma vez que muitos físicos aceitam essa expressão, até por não pensar muito em definições rigorosas para tais termos. Trata-se apenas de um modelo científico. Um modelo científico é a aplicação de uma ou mais teorias científicas a um caso particular. No caso do modelo do Big Bang, ele é uma aplicação da Termodinâmica e da Relatividade Geral ao espaço-tempo (Universo) como um todo.
2. Diz que o Big Bang trata da criação do Universo sem Deus. Nada disso. As soluções das equações do modelo mostram que o tempo macroscópico teve uma origem e que o espaço se expande desde então (e estava todo preenchido desde o início). O modelo não tem alcance para dizer quem criou ou não o Universo (espaço-tempo), apenas diz que ele foi criado. De forma alguma ele coloca alguma alternativa para Deus. Pelo contrário, indicou a criação do Universo em uma época em que era comum acreditar-se que o tempo (Universo) era eterno.
3. Diz que o Big Bang se refere a uma explosão de partículas. Essa ideia mostra total ignorância do assunto. Não existe explosão no modelo do Big Bang, exceto no sentido de que a criação do espaço-tempo foi rápida e físicos frequentemente referem-se a processos rápidos como processos explosivos. Um exemplo de processo explosivo foi a criação de vida na Terra, de acordo com o relato do Gênesis. Uma semana em termos cósmicos é um instante. Outro exemplo de explosão é a multiplicação de bactérias em um meio de cultura: trata-se de uma explosão populacional. Mas nenhuma dessas coisas é uma explosão no sentido popular, com estilhaços arremessados em todas as direções.
4. O modelo do Big Bang é um conjunto de equações que, dada uma distribuição de energia-momentum-tensão ao longo do espaço, consegue descrever o comportamento global do espaço-tempo. Ele não toma conhecimento da existência de estrelas, aglomerados, galáxias, grupos de galáxias ou qualquer outro tipo de objeto astronômico. Essas coisas simplesmente estão fora do escopo do modelo. Nenhuma de suas equações trata desse tipo de informação. Formação de estrelas e galáxias está completamente fora do escopo. Por outro lado, existe um quadro maior em que os físicos trabalham, e esse, sim, além do Big Bang, inclui hipóteses sobre como as primeiras estrelas e galáxias poderiam ter sido formadas.
5. Dado que o modelo do Big Bang fala sobre a expansão do espaço que iniciou com a criação do espaço-tempo, têm sido propostas hipóteses na tentativa de entender como poderia ter ocorrido a formação de estrelas e galáxias nas primeiras centenas de milhões de anos de vida do Universo. Essas hipóteses têm muito caminho a percorrer até chegarem a um ponto razoavelmente confiável.
6. As galáxias (que alguns chamam de “maduras”) que podemos ver na infância do universo são minúsculas, uma fração do tamanho das galáxias anãs de hoje em dia. O que elas têm de semelhante a muitas galáxias atuais é que elas giram, como seria de se esperar de qualquer aglomerado de objetos em torno de algo muito massivo, como um buraco negro primordial (dos que se formaram juntamente com o espaço-tempo).
7. A surpresa mencionada no artigo que deu origem aos boatos foi a de que existe uma grande proporção de galáxias em forma de disco já poucas centenas de milhões de anos após o nascimento do Universo. Como raramente se levam em conta buracos negros primordiais com grande massa, os astrofísicos tinham um viés de imaginar que as primeiras galáxias fossem menos regulares. Daí a surpresa e o título bem-humorado do artigo “Panic! At the disks”. Esse resultado está em perfeita harmonia com o modelo do Big Bang e também com o fato de que precisamos levar em conta os buracos negros primordiais, que induziriam uma formação de estrelas e galáxias muito mais rapidamente do que se pensava, e muito frequentemente em forma de disco.
8. A alegação de que o JWST mostrou que o diâmetro aparente das galáxias contradiz o modelo do Big Bang também está errada, apesar de, pelo menos desta vez, tratar de um assunto realmente ligado ao Big Bang. O ponto é que existe uma distância a partir da qual o diâmetro aparente das galáxias (ângulo que os objetos formam em nosso campo de visão) inverte sua taxa de variação em relação à distância por causa da expansão do Universo prevista pelo modelo do Big Bang. O Hubble Space Telescope (HST) já tinha alcance suficiente para observar e confirmar esse fenômeno, de maneira que as imagens mais nítidas do JWST apenas confirmaram o que já se sabia e esperava nessa área.
9. É verdade que foram encontradas galáxias (e muitas mais devem ser descobertas) a distâncias maiores do que se esperava, o que significa que as primeiras galáxias se formaram antes do que se imaginava, mas ainda dentro do esperado, se levarmos em conta buracos negros primordiais. Isso não entra em conflito algum com o modelo do Big Bang, apenas nos alerta de que mais coisas precisam ser levadas em conta nos modelos de surgimento das primeiras galáxias e estrelas.
10. Alguns têm alardeado que a metalicidade das galáxias mais distantes é a mesma das galáxias atuais. Esse tipo de afirmação é falsa. O que se observa na prática está dentro do razoável: muitas galáxias primordiais com predomínio de gigantes azuis, que possuem um ciclo de vida curtíssimo e que espalham os produtos de suas reações nucleares ao explodirem no fim da “vida”. É daí que vem a metalicidade delas. Mesmo assim, o máximo que se observa é uma metalicidade da ordem de um terço da do Sol, o que está na faixa esperada. Existem também galáxias mais pobres em estrelas com ciclo de vida tão curto; essas apresentam baixa metalicidade, como seria de se esperar. Em suma, apesar de algumas hipóteses sobre formação das primeiras galáxias precisarem ser revisadas, o que se tem atualmente ainda descreve razoavelmente bem o que se observa. Por outro lado, são justamente as pequenas surpresas das observações que mais motivam os pesquisadores e justificam seus rendimentos; por essas razões, devemos esperar títulos chamativos por um lado, e evitar agir como “trolls” por outro lado.
Hebreus 1:2 e 11:3 mencionam a criação do tempo (no original grego). É essencialmente o mesmo fenômeno indicado pelo modelo do Big Bang. Não tem coisa alguma a ver com a terraformação descrita em Gênesis, mas tudo a ver com a criação do Universo por Deus mencionada no livro de Hebreus.
Há quem divulgue fake news em boa fé, até pensando estar fazendo um trabalho para Deus. Infelizmente, existem também pessoas que tiveram a oportunidade de saber mais e se recusaram, talvez por receio de precisar retratar-se publicamente.
Quanto a nós, pretendemos continuar o trabalho de alertar para absurdos que se alastram rapidamente entre leigos, especialmente quando o assunto transcende o cotidiano imediato, como é o caso da Cosmologia.
(Eduardo Lütz é físico, mestre em Astrofísica e engenheiro de software)