Espetáculo versus mensagem |
Ontem,
o Brasil parou para assistir à mais aguardada cena da novela bíblica “Os Dez
Mandamentos”. Não se via tal mobilização popular em torno de um folhetim desde
o último capítulo de “Avenida Brasil”. Confesso que desde que foi lançada, não
me senti atraído à produção. Mas soube que se trata de uma produção muito
caprichosa, que tem feito por merecer desbancar a audiência da Globo no
horário. O que teria alavancado a audiência teriam sido as pragas. Porém,
nada poderia se comparar à expectativa em torno da abertura do Mar Vermelho. A
Rede Record, de propriedade do bispo Edir Macedo, desembolsou a bagatela de um
milhão de reais para a produção da cena que foi feita num estúdio em Hollywood.
De
repente, uma enxurrada de comentários nas redes sociais dava conta da
grandiosidade dos efeitos especiais. Todos ficaram muito impressionados com a
perfeição gráfica que retratou um dos maiores milagres narrados pelas
Escrituras.
Até
aí, tudo bem. O que é belo deve ser aplaudido. E como brasileiros, devemos nos
orgulhar de uma produção nacional nesse nível. Porém, há algo que me causou
certa preocupação. Se, por um lado, chama-se a atenção para o milagre
espetaculoso, por outro, perde-se de vista a razão de ter ocorrido. Fica a
impressão de que foi tão somente uma demonstração de poder por parte de Deus.
Longe disso, a abertura do Mar Vermelho, bem como as demais intervenções
sobrenaturais narradas na Bíblia foram motivadas por amor.
O
que deveria nos chamar a atenção não são as paredes de água que se formaram,
mas a libertação de um povo que por séculos viveu sob o domínio dos egípcios.
Foi por eles que Deus moveu céu e terra. Ainda
que tal milagre não houvesse ocorrido historicamente, o simples fato de uma
multidão de escravos ter deixado o Egito rumando à Terra Prometida já se
constituiria num extraordinário acontecimento.
Creio
piamente na historicidade dos milagres, digo, de todos eles narrados na Bíblia,
tanto no Antigo, quanto no Novo Testamento. Mas se não tivermos cuidado na
ênfase dada a eles, corremos o risco de perder de vista seu propósito.
Veja,
por exemplo, a virgindade de Maria e a miraculosa concepção de Jesus. Como
cristão, creio no dogma. Porém, este não pode ofuscar o mais importante
acontecimento da história humana: Deus Se fez homem, veio ao encontro de nossas
dores para nos libertar de toda opressão. Se a concepção virginal fosse a
ênfase, Paulo certamente a mencionaria. Como profetizou Isaías, aquele seria
tão somente um sinal. Ora, o sinal não pode roubar a cena do fato em si.
Os
dogmas podem ser rebatidos pelos que não creem. É um direito que lhes assiste.
Ninguém é obrigado a crer. Não fosse a atuação do Espírito em nós, tampouco
creríamos. Eu, particularmente, não me sinto ofendido quando um dogma bíblico é
questionado. Mas quem ousa questionar a ética contida no Sermão da Montanha,
por exemplo? Até o mais cético dos homens tem que admitir o teor revolucionário
da mensagem de Jesus.
Cada
milagre realizado por Jesus era motivado unicamente por amor, e tinha como
objetivo anunciar a chegada do reino de Deus. Todavia, Ele jamais se preocupou
em chamar a atenção para Seus milagres, pois sabia que, caso o fizesse, eles
poderiam ofuscar Seus ensinamentos.
Os
poderosos não se preocupam com os dogmas cristãos. Para eles, tudo não passa de
fantasia e, como tal, ajuda a manter as pessoas sob controle. A única coisa que
poderia preocupar os poderosos é a mensagem subversiva do reino de Deus, com
sua ênfase na justiça, na libertação dos oprimidos, na transformação individual
e coletiva. Isso, sim, é perigoso. O resto serve para entreter.
Toda
vez que divulgamos as intervenções miraculosas de Deus na história, devemos
revelar a conexão entre elas e o propósito divino de promover uma sociedade
justa, sem preconceitos, ódio, egoísmo e corrupção. Sem isso, serão apenas
espetáculos pirotécnicos para fazer arrepiar a espinha de quem os
assiste.
(Hermes Fernandes, PacoteFechado)
Nota:
Muito oportuno o texto acima, de Hermes Fernandes, e nos faz pensar se a Record
realmente está preocupada com a mensagem por trás da pirotecnia, ou se pensa
apenas nos milhões que lhe podem render a audiência conquistada com “Os Dez
Mandamentos”. Minha desconfiança começa com a constatação de que a autora da
novela não parece muito preocupada com a fidelidade à Bíblia. Confira esta
matéria publicada no MSN: “Autora do sucesso ‘Os Dez Mandamentos’, da Record,
Vivian Oliveira revelou que foi criada na Igreja Adventista, mas optou por
seguir a linha protestante da Igreja Nova. A escritora, no entanto, disse que
não é fã de doutrina. ‘Minha família é adventista. Quando eu nasci, era
adventista. Na minha adolescência, meus pais deixaram a igreja e eu continuei
buscando. Fui para o catolicismo, para o espiritismo... Estava buscando Deus
mesmo. Quando fui fazer intercâmbio nos Estados Unidos, a família que me
recebeu era protestante. Conheci a igreja e fiquei encantada. Eu não gosto de
religião... Sou apaixonada por Jesus. Não gosto dessas proibições que nem
existem na Bíblia’, explicou ao jornal O
Dia. A profissional ainda disse como separa Jesus da religião. ‘Eu gosto de
Jesus, mas Ele mesmo não veio para pregar religião. Jesus veio para pregar o
amor, a doação, a entrega... Muitas vezes, o homem distorce.’ Após a novela ser
esticada por mais 20 capítulos, ela não atribuiu a boa repercussão da trama ao
conservadorismo do público. ‘Acho que são histórias muito bem contadas. Existia
muito preconceito, mas agora as pessoas olharam e gostaram. A Bíblia tem
histórias riquíssimas. E os conflitos são os mesmos que a gente vê hoje em dia.
A gente mostra pessoas oprimidas, romances...’, avaliou. Vivian, inclusive,
disse que não releu a Bíblia para poder ter base para o folhetim. ‘É mais legal
o que eu faço agora: pego um trecho, medito... Vejo o que ele quer passar. Para
mim, funciona mais.’”