quinta-feira, julho 02, 2015

Peixes de couro: uma análise microbiológica

Impróprio para consumo humano
A famosa lista de animais imundos da Bíblia (Levítico 11) discrimina os peixes de escamas e os de couro, sendo que estes seriam impróprios para o consumo humano. Em uma época em que a poluição dos mares e rios não existia, em que os esgotos não contaminavam as águas pluviais e marítimas, o que poderia haver nos peixes de couro para ser imposta a restrição alimentar? O que é imundo no contexto bíblico? Esse termo se refere aos animais que são reservatórios naturais de micro-organismos patogênicos ou às pessoas com doenças infecciosas que poderiam disseminar moléstias. Há várias situações em que o termo “imundo” é relacionado a pessoas, objetos ou animais; sempre com o objetivo de evitar a contaminação por micro-organismos ou desenvolver estados infecciosos.

Cada ser vivo possui micro-organismos em diferentes compartimentos biológicos do corpo. São bactérias, parasitas, fungos e vírus que convivem e muitos auxiliam na digestão e absorção dos alimentos (no intestino), proteção e digestão (nasofaringe e boca), limpeza e controle de outros micro-organismos (pele e cavidades).

Os peixes possuem em sua “flora” essa população de micro-organismos, e convivem em um mutualismo em que não há infecções ou doenças. Mas os micro-organismos diferem de espécie para espécie e de gênero para gênero. Os micro-organismos comuns aos peixes não são comuns aos humanos.

Em águas frias, os micro-organismos dominantes nos peixes são os psicrófilos, como as pseudomonas, alteromonas, moraxella, acinetobacter, flavobacterium e vibrio. Em águas quentes, predominam as floras gram-positivas mesófilas, tais como micrococcus e bacilus. A maioria dessas bactérias é patogênica ao ser humano em seu intestino.

As complicações não acontecem com frequência porque a ingestão do número de bactérias não é o bastante para causar infecções; mas em peixes que não são processados devidamente é que ocorrem as complicações intestinais, tóxicas e alérgicas. Na ingestão desses micro-organismos e sua toxinas, são provocados pequenos estados inflamatórios, subclínicos, ou pequenos estados alérgicos, que nosso organismo debela, mas que vão estressando o organismo.

Infecções intestinais por bactérias como salmonella, shigella, vibrião do cólera e outras bactérias entero-patogênicas alcançaram o ser humano por meio dos peixes. Mas hoje são infecções reincidentes e dimensionadas pela contaminação da água e dos peixes a partir das fezes humanas em esgotos despejados nos rios e mares.

Há ainda as gastroenterites virais que são a causa principal de morbidade e mortalidade em todo os países em desenvolvimento, especialmente em crianças. Mesmo nos EUA, 3,5 milhões de episódios anuais da doença e aproximadamente 35% das hospitalizações são por gastroenterite. Rotavírus, adenovírus entéricos, calicivírus, astrovírus, coronavírus estão entre os responsáveis pela diarreia. Os vírus norwalk e norwalk-símile produzem náusea, vômito e diarreia mais comumente em adultos.

Estatísticas publicadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) constatam que as infecções bacterianas constituem a maioria das doenças transmissíveis pelo pescado.

Os peixes de couro são espécies carnívoras e rapinantes. Ele têm o hábito de se alimentar de restos de peixes mortos e do dejeto orgânico do fundo de rios e mares. Sua flora de micro-organismos é bem mais rica para poder auxiliar na digestão e na limpeza do organismo de toxinas das carcaças em putrefação.

Muitas bactérias desses peixes fabricam substâncias que neutralizam os venenos e as toxinas das carcaças podres dos pântanos e brejos dos quais costumam se alimentar.

Com o agravante da poluição e da contaminação dos esgotos, esse tipo de peixe se torna mais impróprio ainda, pois sua dieta alimentar pode ser de dejetos e lixo orgânico tóxico e contaminado. Muitos dejetos e lixo orgânico de que os peixes de couro se alimentam, além de contaminantes, são tóxicos e alérgenos. A alergia é uma reação do sistema imunitário que identifica substâncias estranhas ao corpo (alérgenos) e tenta eliminá-los por meio das células de defesa como os macrófagos, mastócitos e basófilos. Essas duas últimas células liberam na corrente sanguínea fatores quimiotásticos para neutralizar as toxinas e os alérgenos, e daí surgem os sintomas como: inchaço dos lábios, cãibras no estômago, vômitos e diarreia, sensação de fervor, urticária ou eczemas, coriza e outros problemas respiratórios. Uma reação mais séria, mais rara, é o choque anafilático, que acarreta perigo de morte e requer atenção médica imediata.

O Instituto Internacional das Ciências da Vida (ILSI – International Life Sciences Institute) classificou numa lista de uma proposta do Codex os alérgenos alimentares já reconhecidos e os dividiu em três categorias: críticos, importantes e inferiores. Entre os alérgenos críticos e importantes estão quatro classes de alimentos de origem animal, incluindo peixes e frutos do mar (camarões, mariscos, etc.).

“Logo após a morte do pescado, iniciam-se os processos de deterioração. O pescado é um dos alimentos mais perecíveis, devido a seu elevado conteúdo da metabólitos de baixo peso molecular, assim como de aminoácidos livres que são facilmente disponíveis para nutrição bacteriana.”

Peixes que são apanhados durante a noite, se não forem imediatamente estocados em compartimentos com gelo, chegam em condições impróprias para consumo durante o dia. A maioria das pescas é artesanal, não possuindo gelo para estocagem dos peixes. O pescado só é acondicionado devidamente depois de chegar aos portos, facilitando o estado de deterioração e contaminação. Dessa forma, as bactérias que estavam no corpo do peixe se multiplicam e passam a contaminar o pescado, transferindo toxinas e um número maior de micro-organismos.

Resumindo: devido aos seus hábitos alimentares de vasculhar o fundo dos rios, lagoas, pântanos e mares, o pescado de couro tem uma flora de micro-organismos, toxinas e alérgenos que poderão desencadear infecções e estados alérgicos no ser humano.

Com a agravante da poluição e da contaminação do habitat dos peixes, o risco de doenças infecciosas, contaminação por metais pesados e estados alérgicos é muito mais perigoso em nossos dias.

A fácil deterioração do pescado e a proliferação dos micro-organismos nas carcaças dos peixes são fatores inalteráveis e agravam a situação. Fiscalização, transporte e acondicionamento inapropriados somam-se para a má qualidade do alimento.