Quando tudo não é suficiente |
No
ano passado, no Japão, mais de 25 mil pessoas cometeram suicídio. Isso dá uma
média de 70 por dia. A maioria delas, homens. Estes números não representam a
maior taxa de suicídio entre países desenvolvidos - o título ainda cabe à
Coreia do Sul, com uma média anual de 28,9 suicídios por 100 mil habitantes.
Mas estão muito acima de outras nações ricas. O índice japonês de 18,5
suicídios para cada 100 mil habitantes é, por exemplo, três vezes o registrado
no Reino Unido (6,2) e 50% acima da taxa dos Estados Unidos (12,1), da Áustria
(11,5) e da França (12,3). O assunto voltou a ter destaque com a autoimolação
de um homem de 71 anos em um trem bala na última terça-feira. O que fez um
pacato idoso se matar dessa forma em um vagão lotado? Conforme ele derramava o
líquido inflamável sobre si mesmo, teria se afastado de outros passageiros,
segundo testemunhas, para não colocá-los em perigo. Alguns disseram que ele
tinha lágrimas nos olhos ao fazer isso. Agora, conforme seu passado começa a
ser investigado pela mídia japonesa, surgem sinais de se tratar de um homem no
limite. Ele vivia sozinho e não tinha emprego. Passava os dias coletando latas
de alumínio para vendê-las para reciclagem. Vizinhos disseram a repórteres que
o ouviram quebrar uma janela ao se trancar do lado de fora de seu apartamento
dilapidado. Outros afirmaram raramente tê-lo visto fora de casa, mas ouviam com
frequência a televisão ligada. Pobre, de idade avançada e sozinho. É um caso
bastante familiar. ‘ O isolamento é o fator número um que antecede a depressão
e o suicídio’ , diz o psicólogo Wataru Nishida, da Universidade Temple, em
Tóquio.
“Hoje
em dia, são cada vez mais comuns histórias de idosos que morrem sozinhos em
seus apartamentos. Eles estão sendo negligenciados. Os filhos costumavam cuidar
de seus pais no Japão, mas isso não ocorre mais.” Muitas pessoas costumam citar
uma antiga tradição de “suicídio em nome da honra” para a alta taxa do país. Elas
citam, por exemplo, a prática samurai de cometer “seppuku” e dos jovens pilotos
“kamikazes” de 1945 para explicar por que razões culturais tornam os japoneses
mais propensos a tirar a própria vida.
De
certa forma, Nishida concorda com este ponto de vista: “O Japão não tem
história de Cristianismo. Então, o suicídio não é um pecado. Na verdade, alguns
encaram como uma forma de assumir responsabilidade por alguma coisa.”
Ken
Joseph, que trabalha no serviço de ajuda a suicidas do país, concorda. Ele diz
que sua experiência ao longo dos últimos 40 anos mostra que idosos que têm
problemas financeiros podem ver o suicídio como uma saída para esta situação. “Os
seguros de vida no Japão são muito ambíguos quanto ao pagamento por suicídio.
Então, quando uma pessoa se mata, o seguro costuma ser pago”, afirma Joseph. “Os
idosos vivem sob uma pressão intolerável e acreditam que o melhor que podem
fazer é tirar a vida para sustentar a família.”
Por
causa disso, alguns especialistas acreditam que a taxa de suicídios no Japão é
na verdade muito mais alta do que os registros mostram. Muitos casos de idosos
que morrem sozinhos nunca chegam a ser completamente investigados pela polícia.
De acordo com Joseph, a prática quase universal no país de cremar os corpos
também significa que qualquer evidência de um suicídio é rapidamente destruída.
Mas
não são apenas os idosos homens com problemas financeiros que estão tirando a
vida. O índice vem crescendo rapidamente entre homens jovens, fazendo com que o
suicídio seja a principal causa de morte entre os homens japoneses com idades
entre 20 e 40 anos. E as evidências apontam que esses jovens estão se matando
porque perderam completamente a esperança e são incapazes de pedir ajuda.
Os
números começaram a crescer após a crise financeira asiática de 1998 e
aumentaram novamente após a crise financeira mundial de 2008. Especialistas
acreditam que esses aumentos estão ligados a um crescimento das “condições
precárias de emprego”, em que jovens são contratados por curtos períodos de
tempo.
O
Japão já foi a terra do emprego vitalício, mas, enquanto muitas das pessoas
mais velhas ainda desfrutam de estabilidade e benefícios generosos, quase 40%
dos jovens japoneses não conseguem encontrar empregos estáveis.
A
ansiedade causada por problemas financeiros e a instabilidade no trabalho é
reforçada pela cultura japonesa de não reclamar. “Não há muitas formas de
expressar raiva ou frustração no Japão”, diz Nishida. “Esta é uma sociedade
muito orientada por regras. Jovens são moldados para se encaixar em nichos
existentes. Não há como alguém expressar seus sentimentos verdadeiros. Se são
pressionados por seu chefe ou se deprimem, alguns acham que a única saída é
morrer.”
A tecnologia pode estar piorando essa situação, ao aumentar o isolamento dos jovens. O Japão é famoso por uma condição conhecida como “hikkimori”, um tipo de isolamento social grave. O jovem nessa situação pode se fechar completamente ao mundo, permanecendo em um quarto por meses ou mesmo anos. A maioria deles são homens. Mas essa é apenas a forma mais extrema de uma atual perda generalizada de socialização cara a cara. Uma pesquisa recente sobre o comportamento dos jovens em relacionamentos e sexo trouxe resultados impressionantes. Publicada em janeiro pela Associação de Planejamento Familiar do Japão, o estudo indicou que 20% dos homens com idades entre 25 e 29 anos tinham pouco ou nenhum interesse em relações sexuais. Nishida aponta para a internet e a influência da pornografia online sobre isso.
“Os
jovens japoneses têm muito conhecimento, mas pouca experiência de vida. Não sabem
como expressar suas emoções”, afirma Nishida. “Eles esqueceram como é tocar uma
pessoa. Quando pensam sobre sexo, podem ficar ansiosos e sem saber como lidar
com isso.”
E,
quando jovens se encontram isolados e deprimidos, eles têm poucos lugares aos
quais recorrer. Doenças mentais são um tabu no país, e a depressão é geralmente
pouco compreendida. Quem sofre desse problema, normalmente tem medo de falar
sobre o assunto.
O
sistema de saúde para doenças mentais também é ruim. Faltam psiquiatras, e não
há qualquer tradição desses profissionais trabalharem junto com psicólogos. Pessoas
com problemas mentais podem receber prescrições de medicamentos psicotrópicos
fortes, mas, com frequência, isso não vem acompanhado de um acompanhamento
psicológico.
O
próprio mercado de psicologia do Japão é uma bagunça. Ao contrário de outros
países, não há um sistema de ensino estabelecido pelo governo nem para
qualificação profissional de psicólogos clínicos. Qualquer um pode se apresentar
como tal, e é muito difícil saber se quem presta esse tipo de serviço sabe o
que está fazendo. [...]
Nota: O cristianismo não apenas coloca “medo” no suicida; ele dá sentido à vida e mostra que tecnologia, dinheiro, disciplina, tradição, etc. não são suficientes para uma vida plena. O verdadeiro cristianismo focaliza nossa relação com Deus e com o semelhante. Na verdade, a religião bíblica (judaico-cristã) já apresenta isso há milênios por meio de seus ensinamentos, e as próprias tábuas da lei resumem esse conceito em dez mandamentos: os quatro primeiros legislam sobre nossa relação com Deus, e os demais tratam de nossa relação com o próximo. Conforme as palavras de Jesus: “Busquem em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas lhes serão acrescentadas” (Mateus 6:33). Tão simples... Mas tanta gente complica. [MB]