terça-feira, março 15, 2011

“Faço o papel do contra.” Eu também

Na segunda-feira passada, tive o privilégio de participar de um evento promovido pelo Museu Americano de História Natural, em Nova York. Foi o debate anual em memória do famoso escritor e divulgador de ciência Isaac Asimov. O mestre de cerimônias foi Neil deGrasse Tyson, do Planetário Hayden. Éramos seis físicos, alguns conhecidos do público pelos seus livros de divulgação: Katherine Freese, da Universidade de Michigan, Brian Greene, da Universidade Columbia, Janna Levin, também de Columbia, Sylvester Gates Jr., da Universidade de Maryland, e Lee Smolin, do Instituto Perimeter, no Canadá. Um público de 1.300 pessoas lotou o auditório, intrigado pelo tema da discussão: teoria de tudo, realidade ou fantasia? Foi uma noite e tanto. Muitos físicos acreditam que a teoria de tudo (TDT) é o objetivo final da ciência: a descrição completa de como as partículas elementares da matéria interagem entre si e que, de quebra, mostra que todas as forças que descrevem essas interações são uma só. [...]

A busca muda conforme o nosso conhecimento sobre a composição e as propriedades da matéria muda. Esse foi, aliás, um dos meus argumentos. Fiz o papel do contra, baseando-me nas ideias do meu último livro, Criação Imperfeita. A maioria dos integrantes do painel acredita que é possível chegar a uma TDT e que talvez a teoria das supercordas seja o caminho. Sou mais cético. Não tanto em relação ao que as supercordas podem fazer, mas sobre a existência de uma TDT e a possibilidade de encontrá-la.

“Supercordas”, para quem não sabe, é a teoria que diz que as partículas de matéria são feitas de cordas submicroscópicas vibrando em frequências diferentes. Sua atração é que oferece um caminho para entendermos o que ocorre no centro dos buracos negros e na origem do Universo. O problema é que supercordas existem em dez dimensões espaciais e requerem a “supersimetria”, uma simetria que dobra o número de partículas que existem.

Até agora, não temos qualquer indicação de que dimensões extra ou supersimetria existem. O LHC, a máquina na Suíça que procura novas partículas, vem pondo limites sérios à existência da supersimetria. Em alguns anos saberemos.

Mesmo se as supercordas estiverem corretas, ainda assim não as chamaria de TDT. O que sabemos da natureza depende do que podemos medir. Portanto, a busca por teorias unificadas deve ser constantemente revisada à medida que descobrimos mais. Todos os esforços passados falharam porque não podemos prever o que mediremos no futuro. Uma teoria de supercordas do século 21 pode coletar (unificar) o que sabemos até hoje, mas não pode ser definitiva. Nosso conhecimento do mundo é necessariamente incompleto.

(Marcelo Gleiser, Folha de S. Paulo, 13/3/2011)

Nota: Quando quer, Gleiser sabe ser cético. O bom ceticismo deveria ser aplicado a todas as áreas, inclusive ao darwinismo tão defendido pelo físico brasileiro. Será que a macroevolução é corroborada pelas evidências? E as evidências em contrário, foram devidamente consideradas? Os mecanismos utilizados para justificar a macroevolução são suficientes para originar um ser humano a partir de uma protocélula (seja lá o que isso for)? Se “o que sabemos da natureza depende do que podemos medir”, como “medir” a suposta evolução química (ambiente indisponível para pesquisa, quer seja aqui, na Terra, ou no espaço sideral) e o desenvolvimento dos seres ao longo de supostos bilhões de anos? O verdadeiro ceticismo pergunta até o fim, segue as evidências levem aonde levar e duvida até de si mesmo – chega a ser cético quanto ao ceticismo.

Conforme escreveu o mestre em História da Ciência Enézio E. de Almeida Filho, “essa humildade epistêmica de Gleiser se dá unicamente em física, uma ciência que hoje está mais para metafísica do que para hard science. Uma leitura objetiva dos artigos de Gleiser na Folha de S. Paulo, onde pontifica sobre o conhecimento do fato, Fato, FATO da evolução, mostra que ele tem uma certeza bastante completa, e nenhum ceticismo local e salutar sobre se o que Darwin afirma é corroborado pelas evidências encontradas na natureza. Fui, nem sei por que, pensando que há teorias e teorias científicas, mas há teorias científicas que são mais teorias científicas do que outras teorias científicas, capice? Para Gleiser e a Nomenklatura científica, apesar da montanha de evidências negativas contra a evolução proposta por Darwin, o conhecimento é completo: Darwin locuta, evolutio finita!”

No encontro em Nova York, Gleiser exerceu sua “rebeldia” localizada. Enézio, no blog dele, eu neste e outros tantos “rebeldes” temos feito também o “papel do contra”. Mas Gleiser pode, nós não...[MB]